“A investigação em Geociências é essencial para enfrentar os desafios que temos pela frente”

28-07-2021 | Pedro Costa

José Brilha (à esquerda) é diretor e investigador do Centro de Ciências da Terra e professor catedrático do Departamento de Ciências da Terra da Escola de Ciências da UMinho, em Braga

Levantamentos de campo para estudo do efeito de incêndios nos solos

Renato Henriques usa drones para restituição tridimensional de estruturas e para mapear a costa marítima, entre outras ações

A mitigação dos impactos ambientais de atividades mineiras do passado, como aqui junto à mina de São Domingos, em Mértola, é uma áreas de investigação do CCT

No mesmo local, Patrícia Gomes procede à recolha de água e à medição de parâmetros expeditos

Análise de solos e sedimentos para estudos de contaminação e outras formas de degradação de ecossistemas

Paulo Pereira em trabalho de campo num dos geossítios do inventário nacional de património geológico, um projeto coordenado pelo CCT há alguns anos

O registo fotográfico no campo das rochas e estruturas geológicas é essencial nesta área de investigação

No laboratório de análise de águas avalia-se diversos parâmetros relativos à qualidade da água para eventual consumo

Teresa Valente (quarta à esquerda) fez parte do Grupo de Especialistas da Agência Internacional de Energia Atómica que produziu um guia para uso integrado de ferramentas hidrológicas, geoquímicas e isotópicas em atividades mineiras

Diamantino Pereira é coordenador científico do Geoparque Mundial Terras de Cavaleiros, integrado na rede da UNESCO; ex-alunos, mestrandos e doutorandos do CCT desenvolvem atividade profissional nos geoparques Açores, Arouca e Naturtejo

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José Brilha

Diretor do Centro de Ciências da Terra é o convidado do ciclo de entrevistas sobre os centros de I&D da UMinho.


O Centro de Ciências da Terra (CCT) é uma subunidade de investigação da Escola de Ciências da UMinho (ECUM), tendo sido criado em 2003, a partir da restruturação do Centro de Ciências do Ambiente, que o precedeu. Investiga, promove formação pós-graduada e dinamiza eventos e colaborações na área das geociências. Após alguns passos em parceria com outros centros científicos, atualmente corresponde ao polo na UMinho do Instituto de Ciências da Terra (ICT), que envolve também as universidades do Porto e de Évora. José Brilha, professor catedrático do Departamento de Ciências da Terra da ECUM, é o diretor do CCT e, em entrevista ao NÓS, fala da história e dos desafios deste centro.
 
 
O CCT surgiu com que motivações? Com se articula com as entidades parceiras?
O Centro de Ciências da Terra foi criado em 2003. Com vista a incrementar a massa crítica de investigadores e fortalecer a sua investigação, tentando conseguir obter melhor financiamento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), em 2009 associou-se ao Centro de Geologia da Universidade do Porto. Esta parceria alargou-se em 2014 com a criação do Instituto de Ciências da Terra (ICT), uma unidade de investigação com polos nas universidades do Minho, Évora e Porto. Atualmente, o CCT corresponde ao polo deste instituto na UMinho. Desenvolve projetos de investigação no domínio das geociências, promove formação pós-graduada ao nível de mestrado, doutoramento e pós-doutoramento, dinamiza colaborações científicas com instituições nacionais e internacionais e está também envolvido em diversas ações de interação com a sociedade.
 
Como descreveria o espaço e as infraestruturas do CCT, para quem não o conhece? Tem os recursos que deseja?
O CCT utiliza os espaços físicos do Departamento de Ciências da Terra (DCT), no edifício 6 do campus de Gualtar, em Braga. Além de possuir alguns recursos laboratoriais próprios, recorre a equipamentos do DCT. Como acontece com a generalidade de centros de I&D com forte componente laboratorial, a renovação e aquisição de equipamentos científicos constitui um enorme constrangimento, com impacto negativo na produção científica e formação de estudantes. Uma razão para a decisão de integrar uma unidade de investigação mais ampla (o ICT) foi exatamente a de tentar quebrar este círculo vicioso, pois com equipamentos envelhecidos diminui a qualidade e inovação da produção científica, o que leva a uma diminuição do financiamento, que por sua vez inviabiliza a aquisição de novo equipamento.

Neste sentido, a aposta no ICT foi positiva?
Sim! Na última avaliação da FCT, conseguimos captar financiamento que nos tem permitido renovar algum do equipamento, algo que não acontecia há alguns anos. Além disso, como é óbvio, temos acesso privilegiado aos laboratórios dos outros dois polos do ICT. Gostaria de destacar um aspeto que, provavelmente, passa facilmente despercebido. A geologia é uma ciência que começa no campo. Investigamos materiais - minerais, rochas, solos, fósseis - e processos geológicos - magmatismo, sedimentação, erosão, etc. - que têm uma ocorrência natural, o que obriga a que uma parte da investigação seja necessariamente feita ao ar livre. Este facto obriga a ter outro tipo de equipamento, onde um simples veículo 4x4 se revela fundamental. Infelizmente, esta especificidade da geologia ter uma forte componente de trabalho de campo continua a não ser facilmente compreendida por todos, o que tem prejudicado, por exemplo, a formação de jovens geocientistas nos últimos anos.

Que equipas e grupos de investigação alberga este centro?
Os 12 membros do CCT desenvolvem a sua atividade principal em três dos seis grupos de investigação do ICT: "Geoconservação e Educação em Geociências", com ênfase no património geológico e sua utilização pela ciência e sociedade em geral, incluindo os Geoparques Mundiais e o Património Mundial da UNESCO e as áreas protegidas, e também no desenvolvimento da alfabetização e consciencialização geocientífica para a importância das geociências num planeta sustentável; "Monitorização Ambiental e Remediação para a Sustentabilidade", com enfoque em água, sedimentos, solos, ecossistemas e zonas costeiras vulneráveis consideradas sob as perspetivas de monitorização ambiental, conservação e reabilitação; "Dinâmica da Litosfera", incluindo o mapeamento estrutural, estratigrafia, geoquímica e geocronologia, de forma a melhor caracterizar a complexa estrutura da camada mais externa do planeta.
 


Encontrar os minerais e as rochas imprescindíveis para as novas tecnologias requer atenção nos impactos ambientais
 

Investigação com clara afirmação internacional

Que balanço faz do percurso deste centro até ao momento? 
Fazemos um balanço positivo, por três motivos principais. Em primeiro lugar, porque os resultados da investigação são publicados nas melhores revistas internacionais da especialidade; depois, também porque a captação de alunos de pós-graduação, em especial estrangeiros, tem sido muito interessante e só não é superior devido à escassez de bolsas; além disso, também existe uma notória participação de membros do CCT em organismos e iniciativas internacionais. Em 2020, 70% dos artigos científicos foram publicados em revistas Q1 e Q2 [as principais da especialidade] e, destes artigos, 60% foram escritos com coautores estrangeiros. Dos atuais 12 estudantes de doutoramento, 9 são estrangeiros (75%) e, desde este ano letivo, recebemos estudantes internacionais que provêm de um mestrado Erasmus Mundus do qual a UMinho é parceira, juntamente com as universidades de Lille (França), Atenas (Grécia) e Uppsala (Suécia). O CCT tem membros envolvidos em organismos internacionais, como a UNESCO, a Agência Internacional de Energia Atómica, a União Internacional para a Conservação da Natureza, a Society of Environmental Geochemistry and Health e a Associação Internacional para a Conservação do Património Geológico.

Qual é o principal fator da afirmação do CCT? 
Penso que a existência de parcerias estratégicas seja uma das principais mais-valias. Sendo um centro com poucos membros, é vital estabelecermos ligações com outros organismos e especialistas que contribuem para fortalecer a nossa atividade. Além disso, penso que ao trabalharmos em temas que são atualmente valorizados na comunidade científica também acaba por facilitar o estabelecimento destas parcerias, a nível nacional e internacional.

Como avalia a recetividade dos públicos ao vosso trabalho?
A resposta à atividade científica que aqui desenvolvemos é muito boa! Ao aceitar publicar os nossos artigos em revistas de qualidade, a comunidade científica está a reconhecer que fazemos um bom trabalho. Ao chegarem candidaturas de alunos provenientes de mais de 10 países que pretendem especializar-se no CCT, ao sermos convidados a apresentar a nossa experiência em mais de 15 países, na forma de conferências e workshops, ou ao desafiarem-nos a criar um mestrado Erasmus Mundus, demonstra-nos que estamos no bom caminho. 
 
Quais são os principais projetos para os próximos tempos?
Pretendemos manter a parceria no âmbito do ICT e gostaríamos que novos centros de geociências de outras universidades a ele se associassem. Sendo a comunidade nacional dos geocientistas pouco numerosa, estamos em crer que existem vantagens claras na concentração da capacidade científica das geociências. Temos em mãos projetos de investigação relacionados com problemas ambientais muito sérios, quer seja relacionados com a drenagem ácida em minas de minerais metálicos como com a recuperação de solos em áreas queimadas. Aguardamos "luz verde" para arrancar com um projeto que visa fazer a monitorização e mapeamento dos cerca de 300 sítios geológicos que constam do inventário nacional de património geológico e que integram a base de dados dos valores naturais de Portugal.



A geologia "não pode estar invisível"

Em que medida projetos como o CCT contribuem para a missão da Universidade?
Ao recordar a missão e os oito objetivos que estão expressos no website da UMinho, gostaria de destacar este: "A interação com a sociedade, através de contribuições para... soluções para os principais problemas do quotidiano, e de parcerias para o desenvolvimento social e económico, nos contextos regional, nacional ou internacional". Com efeito, a interação com a sociedade é também essencial para o CCT e dou apenas três exemplos. Temos trabalhado em problemas de ordenamento da orla costeira, relacionados com a erosão litoral, e participamos ativamente nas equipas que produzem os respetivos planos de ordenamento; dos cinco Geoparques Mundiais da UNESCO existentes neste momento em Portugal, tivemos um envolvimento muito forte com quatro deles, quer seja ao nível da produção dos estudos que levaram à sua criação, como ao nível do acompanhamento e aconselhamento da sua atividade; por fim, o CCT reconhece, desde há muitos anos, a importância da formação de qualidade dos professores dos ensinos básico e secundário, quer ao nível da formação inicial como da formação contínua. Assim, continuamos a desenvolver atividades e recursos que contribuem para a melhoria da capacidade profissional destes docentes.

Gostaria de deixar alguma reflexão final?
De um modo geral, infelizmente a geologia é uma ciência "invisível". Não é alvo de grande atenção mediática, não está nas prioridades de financiamento de programas europeus e nacionais - por exemplo, não há sequer um geólogo no Conselho Científico das Ciências Naturais e do Ambiente da FCT! -, não motiva deslocações de ministros às universidades e também não há muitos candidatos a concorrer aos cursos desta área, um problema transversal a vários países. A sociedade continua a não entender, provavelmente também por culpa dos geólogos, que a prosperidade e bem-estar dos seres humanos e a existência de ecossistemas saudáveis está completamente dependente da prospeção e exploração de recursos geológicos - minerais, rochas, água, petróleo... - e do conhecimento que temos de como se desenvolvem os processos naturais à superfície e no interior da "nossa casa comum", o planeta Terra. O conhecimento científico produzido pelos geocientistas é essencial para enfrentarmos os enormes desafios que temos pela frente. O incremento da população mundial induz um aumento de pressão sobre os recursos naturais do nosso planeta que, em grande parte, são finitos. Os geólogos podem ajudar a encontrar soluções para aumentarmos a produção de alimentos, fornecer água de qualidade, mitigar os efeitos das mudanças climáticas, encontrar os minerais e as rochas imprescindíveis para uma tecnologia que tem que ter cada vez menos impactos ambientais e escolher as melhores opções para o desenvolvimento das cidades e infraestruturas associadas. Com todo este "caderno de encargos", é difícil entender como é que as geociências continuam a ser "invisíveis"...