“Atrevo-me a comparar o Museu Nogueira da Silva ao nosso país"

28-07-2021 | Paula Mesquita | Fotos: Nuno Gonçalves

É técnica superior do Museu Nogueira da Silva, onde está desde os anos 80, ligada à gestão geral, controlo e inventário de coleções, organização e promoção de atividades e exposições, além do apoio à Fototeca e ao Serviço Educativo

Mestre em Estudos da Criança – Comunicação Visual e Expressão Plástica pela UMinho, foi docente do ensino básico e esteve na criação do Serviço Educativo desta Casa-Museu, que foi doada à UMinho em 1977

Dois grandes desafios do Museu são a captação de públicos e a conservação das suas coleções, diz Helena Trindade, que está a registar as memórias e a história desta unidade num livro

"Respondemos muitas vezes a pedidos estranhos dos artistas [para as suas exposições e instalações] e depois ouvimos, por vezes, os desconcertantes comentários dos mais pequenos", declara

A responsável compara o Museu Nogueira da Silva com o território nacional: sendo pequeno, oferece igualmente uma diversidade imensa de coisas

O Museu Nogueira da Silva fica situado no nº 61 da Avenida Central, no centro de Braga

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Helena Trindade

A bracarense de 64 anos formou-se em Ensino do 1º Ciclo. Foi docente, mas o seu encanto era, e é, o Museu Nogueira da Silva, onde percorre “cada recanto”.



Formou-se na área da Educação. Quais eram os seus planos quando entrou para o curso superior?
Completei os estudos superiores no Instituto de Estudos da Criança [atual Instituto de Educação] da UMinho, quando já trabalhava no Museu Nogueira da Silva. Mais precisamente, a partir do momento em que criei o Serviço Educativo deste Museu, em 1992. Esse serviço foi sendo construído ao longo dos anos, experimentando atividades que colocassem os jovens em contacto com as coleções e os conteúdos que transportam, de uma forma lúdica e pedagógica. Recebia milhares de alunos anualmente e viria a ser premiado pela Associação Portuguesa de Museologia no triénio 1996/98. Algumas dessas experiências foram consolidadas em investigações-ação associadas ao meu percurso académico, concretizando a ideia de “museu laboratório”, hoje defendida na museologia contemporânea.
 
Ainda assim, vivenciou a experiência da docência.
Foi muito curta a minha experiência de docência, cerca de quatros anos e nas redondezas, intercalados nos períodos de espera pelo resultado dos processos de destacamento e requisição para a Universidade do Minho. Uma prática que se esbateu na minha experiência técnico-pedagógica, no Museu Nogueira da Silva, que foi deveras gratificante.
 
O que a fez mudar de profissão?
Vim para o Museu, a convite do arquiteto Luís Mateus, em 1983/84, para efetuar o inventário museológico das coleções, durante cerca de quatro anos. Acrescentava assim outras vertentes ao meu percurso profissional que me agradavam sobremaneira - o trabalho de tratamento documental e o contacto com a arte. Naquele período, percorri todos os recantos da casa para registar a informação detalhada sobre cada objeto, efetuando a sua descrição, medição, marcação e registo fotográfico, em formato analógico, que, longe da rapidez e eficiência dos meios digitais de hoje, exigia tempos lentos de revelação, num laboratório criado para o efeito.
 
Que funções foi depois desempenhando?
Depois dessa tarefa de inventário inicial, a minha atividade profissional desdobrou-se numa diversidade de funções, como é habitual nos pequenos museus com equipas reduzidas. Assim, a partir de 1987, sob a direção do dr. César Valença, passei a apoiar a concretização das atividades programadas, como as exposições temporárias de arte na Galeria da Universidade e respetivos catálogos, conferências, cursos livres, colóquios, concertos, entre outras. Iniciei também a orientação de estágios de várias áreas e níveis de ensino. As outras tarefas ligadas à organização museológica foram ocorrendo em simultâneo, como a informatização do inventário e a organização dos arquivos fotográficos guardados no Centro de Documentação Fotográfica, cujo apoio de estágios permitiu a digitalização das imagens. A partir de 2013, tendo passado para uma colega a dinamização do Serviço Educativo, foquei a minha atenção na interminável gestão das coleções, estando também, neste momento, a registar as memórias do Museu, um contributo para a construção da sua história.
 
Gosta do que faz?
A diversidade de experiências tem sido, só por si, enriquecedora, mas é o contacto com as pessoas que preenche e dá sentido ao meu quotidiano - o afável convívio com a pequena equipa a que me orgulho de pertencer, o contacto com o público, percebendo a multiplicidade de leituras sobre o património e a cultura, a convivência com os artistas e as suas múltiplas interpretações criativas do universo humano, abrem-me, todos os dias, horizontes.
 
Como vê o Museu Nogueira da Silva?
Atrever-me-ia a comparar o Museu Nogueira da Silva ao nosso país: sendo pequeno, tem uma diversidade imensa de coisas para oferecer. Desde as coleções de artes decorativas, pintura, escultura e fotografia até à oferta de uma programação dinâmica que toca todas as linguagens artísticas, passando pelas exposições de artes plásticas, pelos concertos de jazz ou música erudita, pela literatura no espaço dedicado à escritora Maria Ondina Braga, pelo bailado, pelo teatro…
 
O que deseja que os visitantes encontrem?
A interação dos visitantes com o Museu pode acontecer das mais diversas formas e em diferentes graus de profundidade, desde a investigação especializada sobre um determinado tema até ao simples passeio pelo jardim ou chá na cafetaria, passando pelo usufruto das coleções ou pelo deleite de ouvir um concerto. 
 
Os primeiros anos da UMinho são indissociáveis deste Museu. Que evento destacaria neste percurso conjunto?
Apesar de não ter assistido, porque ocorreu em 1977, o acontecimento mais marcante para mim e para a história desta unidade cultural foi a entrega oficial do legado de António Nogueira da Silva à Universidade do Minho, com a intervenção do testamenteiro, António Borges de Araújo, do reitor Carlos Lloyd Braga e do diretor-geral do Ensino Superior, Eduardo Marçal Grilo. Não só porque esteve na base da fundação desta unidade cultural, enriquecendo a Universidade e a cidade, mas também porque, a nível pessoal, criou o lugar onde viria a passar uma grande parte da minha vida.
 
Tem alguma “estória” que queira partilhar?
É difícil destacar uma no meio de tantas histórias de “sufoco” da equipa. Respondemos, muitas vezes, a pedidos estranhos dos artistas, como colocar na Galeria umas centenas de metros de tubo plástico. Ouvimos, várias vezes, os desconcertantes comentários dos mais pequenos perante as coleções.
 
Que desafios perspetiva para o Museu Nogueira da Silva?
Um dos grandes desafios com que este Museu e uma grande parte das instituições culturais se deparam, todos os dias, é a captação de públicos e a conservação das suas coleções. Responder a isso, sem baixar o nível das suas propostas culturais e sem grandes meios financeiros, não é tarefa fácil. Neste momento, o Museu necessita urgentemente de um plano de conservação do edifício e das coleções. Mais do que implementar algo de novo, gostaria de ver efetuado um investimento nesta área, para que o Museu possa continuar a ser uma porta digna da Universidade do Minho, aberta para a cidade.
 
 

  Uma personalidade cheia de gostos
 
  Um livro. “Vidas Vencidas”, numa homenagem a Maria Ondina Braga.
  Um filme. Tantos. De todos os géneros. É difícil escolher um.
  Uma música. Algumas. De quase todos os géneros.
  Um passatempo. Cinema.
  Uma figura. Várias, em diferentes áreas.
  Uma viagem. Florença.
  Um clube. A seleção nacional e o Sporting Clube de Braga, só por bairrismo.
  Um prato. Sendo bem cozinhado, quase tudo.
  Um vício. Alguns, mas ultrapassados.
  Um sonho. O bem-estar de quem amo.
  Um lema. Liberdade, Liberdade, Liberdade.
  A UMinho. Um motor de conhecimento na cidade e no país. A minha vida.