Juntámos os estudantes nº 1 e 100.000 da UMinho

29-10-2021 | Nuno Passos | Fotos: Nuno Gonçalves

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Carlos Guimarães, bracarense de 72 anos, é o primeiro aluno da casa e entrou em Formação de Professores de Matemática, em 1975. Tomás Gonçalves, fafense de 19 anos, vem para a licenciatura em Física, com 188 valores.
 



Carlos Guimarães, bracarense de 72 anos, é o aluno nº 1 da Universidade do Minho. Não se vangloria pelo facto, “foi um acaso” iniciar-se a contagem pelo seu curso de Formação de Professores de Matemática. As primeiras aulas nesta academia começaram a 17 de dezembro de 1975, com 240 alunos inscritos e 40 docentes. O folheto desse ano letivo anunciou dois cursos de Línguas Vivas (Francês, Inglês), dois de Engenharia (Têxtil, Metalomecânica Ligeira) e quatro de Formação de Professores (Matemática, Ciências da Natureza, Francês e Português, Inglês e Português).
 
“Cada curso tinha, suponhamos, do aluno 1 ao 20, era quase como nas turmas do secundário. Só mais tarde é que foram atribuídos os números de aluno da universidade e, enfim, começaram pelo meu curso e por mim”, contextualiza. Um amigo seu que arquiva estas pastas na UMinho reparou nesse facto uns anos depois e confirmou-lhe. "Tenho até a sogra de uma filha minha que é a aluna nº 3, foi minha colega!”, sorri Carlos.
 
As suas aulas decorreram no salão medieval do Largo do Paço, salvo a de Informática, que era na rua D. Pedro V, hoje sede da Associação Académica (AAUM). O horário letivo dependia da agenda dos docentes. “Um professor vinha ao sábado de Lisboa para dar Álgebra e os alunos tinham que estar disponíveis”, ilustra. O cenário era ingrato, porque a maioria deles era trabalhador-estudante. Esse fator também travava possíveis convívios no final das aulas e não havia ainda a AAUM.
 
O primeiro reitor, Carlos Lloyd Braga, estava no Largo do Paço, mas Carlos Guimarães não se cruzou com ele. “Curiosamente, também veio de Moçambique para Braga – ele como reitor da Universidade Lourenço Marques [atual Maputo] e eu como enfermeiro a cumprir serviço militar em Cabo Delgado, estive ali 28 meses e voltei em maio de 1974”, recorda. No regresso, aliás, concorreu a Matemática na Faculdade de Economia do Porto, mas as aulas não arrancavam, “após o 25 de Abril as coisas estavam confusas”. Entretanto, nascia a UMinho, após ameaças de não avançar e, também, da tensão sobre a sua localização, entre as forças vivas de Braga e Guimarães. “Fiquei contente por esta universidade abrir, até porque é na minha terra; inscrevi-me e fiquei colocado”, resume.
 
E o curso, acabou? “Não, e vou dizer-lhe porquê. Alguns colegas de curso eram já professores, mas tinham o 'ensino secundário' e procuravam o canudo, e tiveram facilidade na dispensa do serviço e nas propinas, só que eu não. Além disso, eu já era inspetor na Segurança Social [atual Instituto de Gestão Financeira] e, quando eu faltava para vir às aulas, não recebia esse salário. Também casei, fui pai… bem, acabei por abandonar no terceiro semestre”, lamenta. E regressar às aulas? “Já não, estou reformado. Mas pensei em voltar quando os meus filhos vieram estudar na UMinho”, admite. Filhos tem três: Rosa Alexandra é hoje professora de Matemática, Cristina é professora de Biologia e João é informático numa empresa em Lisboa, após ter investigado na Califórnia (EUA). “Foi aqui [auditório B1 do campus de Gualtar, Braga] que assisti à defesa do seu doutoramento em Informática”, aponta para o púlpito, orgulhoso.
 
Carlos também esteve em Gualtar em trabalho, a inspecionar obras em edifícios da UMinho, e no campus de Azurém (Guimarães), numa iniciativa académica com o filho. Estar ao pé da estátua de Prometeu no campus de Gualtar, curiosamente, foi agora a primeira vez – e logo para conhecer e congratular o aluno nº 100.000. “Quando a universidade começou, só havia aqui o Liceu [hoje Escola Secundária] Sá de Miranda, o D. Diogo de Sousa… e o país era diferente, não há comparação”, desfia, para continuar: “Nunca pensei que a UMinho ia chegar aos 100.000 alunos; agora, espero que chegue aos 200.000!”. Esta academia marca a vida da sua família: “Quase todos os meus sobrinhos também se formaram aqui”, devolve. Temos direito a mensagem para os novos alunos? "Claro que sim. Levem o ensino a sério, é uma fase da vida que tem que ser aproveitada entre trabalho e diversão, mas o futuro não parece ser lisonjeiro para os jovens, por isso espero que sejam felizes e aproveitem as oportunidades", apela.

Há uma estória curiosa para a despedida. No Liceu Sá de Miranda, onde teve o conhecido ator Orlando Costa como colega, Carlos Guimarães foi vice-presidente das festas do Enterro da Gata em 1969 (estas festas seriam adotadas pela UMinho a partir de 1989). Na altura, o cortejo alegórico desceu a rua de Sta. Margarida até à Avenida Central e, no Theatro Circo, houve um espetáculo com música, dança e teatro. “Tínhamos a PIDE à volta, bastava juntar-se estudantes para a polícia aparecer”, elucida. Esse foi o ano da Crise Académica de Coimbra.

 



A “coincidência gira” não esquece cada um/a que fez história
 
“Quando soube que eu seria o nº 100.000 da UMinho, fiquei estupefacto, porque é um número muito redondo e com um grande simbolismo”, afirma Tomás Gonçalves, fafense de 19 anos, recém-chegado à licenciatura em Física com a média de 188 valores. Sente “um gostinho especial por esta coincidência gira”, que poderia ter sucedido a qualquer um dos cerca de 3000 novos estudantes de graduação da academia. “Mostra também que já houve 99.999 pessoas que fizeram história e fizeram a UMinho tal como ela é”, evoca. Em casa, o seu irmão Diogo brincou com o “feito”: “És o 1x10 levantado à quinta [potência]”.
 
Diogo também é das ciências exatas e passou pela Escola de Ciências da UMinho, concluindo a licenciatura em Química e o mestrado em Técnicas de Caraterização e Análise Química. Essa experiência ajudou Tomás a decidir-se pela ECUM, aonde tinha também vindo como aluno do secundário às Masterclasses de Física de Partículas’2019 e gostou do ambiente do Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas (LIP). Em setembro, foi ainda ao CERN (Organização Europeia para a Investigação Nuclear), na Suíça, conhecendo Ana Peixoto, a investigadora da UMinho e primeira portuguesa a obter uma bolsa “ATLAS PhD Grant”. “Estar no CERN foi incrível”, explica, de mãos e olhos bem abertos.
 
Quer fazer a licenciatura, o mestrado e o doutoramento em Física e seguir investigação na área. Curiosamente, em 2020 tinha entrado em Engenharia Mecânica no Instituto Superior Técnico. “Apesar de eu saber que queria mais a UMinho, acabei por escolher Lisboa, mas percebi que não ia ser feliz e, agora sim, sinto-me em casa”, assume. Afinal, o que há aqui de especial? “É uma família, acima de tudo, sinto que há muita união. Braga é uma espécie de aldeia pequena no melhor sentido da palavra, parece que toda a gente se conhece, é muito fácil fazer amigos e conhecer pessoas”, concretiza. “Na Escola de Ciências, e creio que em todas as Escolas desta universidade, há também proximidade entre professores e alunos, que estão dispostos a ajudar, é a comunidade que aqui se forma”, conclui.