“Já tive um sonho em mandarim”

29-11-2021 | Paula Mesquita | Fotos: Nuno Gonçalves

O Instituto Confúcio da UMinho situa-se no campus de Gualtar, em Braga

Emília Dias (ao centro) diz que o período de estudo na China foi o que mais marcou a sua licenciatura em Estudos Orientais

Com um grupo de estudantes de Chinês (à direita), na Grande Muralha da China, em 2016

Colabora no projeto-piloto de ensino de mandarim no 10º e 11º anos em Portugal e nas provas nacionais deste idioma

O projeto "Ensino de Chinês nas Escolas" abrange 500 alunos de 18 estabelecimentos dos distritos de Braga e Porto; muitos deles são seduzidos pelas diferenças culturais e pela escrita e leitura chinesas

Emília Dias nota uma maior procura pelo mandarim face à afirmação cultural e socioeconómica da China no mundo

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Emília Dias

Emília Dias nasceu e vive em Braga há 50 anos e está ligada à UMinho há mais de três décadas, quando entrou para o curso de Engenharia Têxtil, em 1991. Em 2004, decidiu voltar a estudar, desta vez em Estudos Orientais, e foi o estágio curricular que a trouxe para o Instituto Confúcio, onde coordena o projeto "Ensino de Chinês nas Escolas".



Escolheu tirar um segundo curso numa situação de vida bem diferente da primeira. Como foram os seus anos de estudante de Estudos Orientais?
Já com família constituída, foram tempos um pouco complicados. Tive de conciliar o estudo com a vida familiar e o trabalho, como professora de educação tecnológica. Ainda assim, dediquei-me por completo ao curso. Sempre que tinha algum tempo livre usava-o para exercitar os carateres chineses e memorizar o vocabulário. O meu entusiasmo foi de tal forma que uma noite cheguei a sonhar que falava fluentemente mandarim! [sorriso].
 
O que a marcou mais?
Foi o período de estudo na China. A submersão numa cultura e língua que aprendia foi difícil, mas muito interessante. Foi difícil estar longe da família, adaptar-me à gastronomia chinesa e ao estudo intensivo, mas a sensação de evolução foi compensadora em termos de compreensão e capacidade de expressão oral. Os monumentos e locais que visitei são inesquecíveis.
 
Estagiou no Instituto Confúcio da UMinho (ICUM). Que desafios sentiu?
Comecei o estágio em janeiro de 2009. Acompanhei os professores chineses nas escolas básicas e secundárias, para lecionar a língua chinesa aos jovens. Como já tinha experiência na área, consegui perceber que precisávamos de ajustar o modelo de ensino ao contexto português. Dependendo das características de cada turma, uma das opções foi lecionar as sessões com dois professores, um chinês e outro português, privilegiando a contextualização, o diálogo e a compreensão e minimizando o choque cultural sentido pelos professores chineses.
 
A experiência do estágio deu-lhe a oportunidade de prosseguir funções no ICUM.
Na altura, o projeto “Ensino de Chinês nas Escolas”, subsidiado pelo Hanban [vinculado ao Ministério da Educação da China], estava a começar e os problemas eram diversos. A professora Sun Lam, então diretora do ICUM, propôs-me trabalhar como professora local, para que se desenvolvesse e melhorasse o projeto. Passei a trabalhar em par pedagógico com os professores enviados pelo Hanban, pretendendo atenuar o conflito cultural que muitas vezes se verificava na sala de aula. Exerci também a função de coordenadora do projeto, lidando com as diferentes solicitações que recebíamos, nomeadamente atividades culturais.
 
Fale-nos um pouco sobre o “Ensino de Chinês nas Escolas”.
O projeto começou como uma resposta às solicitações que recebíamos para o ensino da língua e dar a conhecer a cultura através de atividades culturais. Começámos com cerca de 20 alunos, em três escolas. Mas, rapidamente, alargou-se. Neste momento, temos diferentes projetos que ampliaram a oferta aos alunos do ensino público, desde o básico ao secundário, nomeadamente uma parceria com a Câmara Municipal de Lousada, no âmbito do combate ao insucesso escolar, e com a Câmara Municipal de Braga. Ao todo, cooperamos com 18 escolas, abrangendo cerca de 500 estudantes.

E em níveis mais altos de mandarim?
Nesse caso, os alunos são aconselhados a prosseguir estudos no nosso curso livre. O projeto abrange aulas curriculares, que preparam os alunos para os exames de Cambridge IGCSE, aulas extracurriculares de crianças que preparam o exame YCT e jovens que preparam o HSK. Desde há cinco anos, fazemos ainda o acompanhamento do projeto-piloto do Ministério da Educação em Portugal, que visa o ensino de mandarim como terceira língua no 10º e 11º anos de escolaridade. Neste âmbito, fiz parte do grupo que elaborou as orientações curriculares e as provas nacionais. Neste momento, as provas nacionais já são elaboradas no IAVE [Instituto de Avaliação Educativa], onde também colaboro.


Procura pelo mandarim disparou e o desafio é crescer com qualidade
 
Os alunos têm possibilidade de completar o conhecimento com uma experiência na China?
Sim. Outra atividade que tem vindo crescer de ano para ano é a realização de um campus de verão na China. Durante duas semanas, os alunos têm a oportunidade de estudar, visitar e experimentar a vida na China. Este projeto recebe financiamento chinês, que cobre todas as despesas em solo chinês. A maior parte dos discentes, mesmo após vários anos, afirma ter sido uma experiência inesquecível e que adoraria repetir.
 
Que desafios tem encontrado neste trabalho?
O maior desafio tem sido o crescimento, mantendo a qualidade de ensino, ou seja, cativar os professores locais para fazerem parte deste projeto e conseguir orientar e dinamizar os pares pedagógicos que se formam. Atualmente, já temos professores chineses a residir em Braga, Guimarães e Porto, tornando possível satisfazer as solicitações das localidades próximas destes municípios.
 
O que acha que motiva as crianças e adolescentes a aprender mandarim?
Todos os alunos, independentemente da idade, gostam de aprender um pouco sobre as diferenças e semelhanças de hábitos e costumes culturais. O que mais os intriga é saber que os chineses não celebram o Natal, que não se cumprimentam com beijinhos e que o Ano Novo Chinês não é celebrado no dia 1 de janeiro. Dada esta curiosidade, as atividades culturais que desenvolvemos, especialmente as que estão associadas a gastronomia, são bastante motivadoras. As maiores dificuldades são na escrita e na leitura, porque o sistema de escrita é totalmente diferente das línguas ocidentais, o que requer mais tempo de prática.
 
O interesse em aprender chinês parte das próprias crianças?
As crianças e adolescentes são, normalmente, orientadas para o estudo da língua chinesa por escolha dos pais. Todavia, muitos inscrevem-se porque têm interesse em aprender e conhecer a cultura e a língua chinesas, encorajando também os colegas a aprender. Quando assim é, é fácil levar a resultados muito positivos.
 
Ter sido estudante da UMinho contribui, de alguma forma, para o seu trabalho?
Sem dúvida, ter estudado na UMinho e estar na minha área de residência facilitou a minha fixação no Instituto Confúcio. Permitiu também uma melhor ação no projeto, o que evitou o dito “período de adaptação”, proporcionando-me uma evolução mais rápida.
 
Considera que este idioma veio para ficar face à afirmação cultural e socioeconómica da China no mundo?
Sim. São cada vez mais as parcerias entre empresas nacionais e chinesas e esta realidade estende-se a todo o mundo. A China é um país muito inovador e atrativo. Neste contexto, o ICUM tem sido contactado por empresas de diferentes setores que precisam de adquirir conhecimentos de língua e cultura chinesas, para abrir os horizontes, sentir-se confortáveis nos contextos de negociação e permitir crescer e fazer face à realidade económica atual.
 
 

  Silêncios, serenidade e foco

  Na gaveta da minha secretária guardo ….uns snacks e creme das mãos.
  No carro, enquanto conduzo, prefiro o silêncio que me ajuda a concentrar, mas gosto muito de vários tipos de
  música: latina, jazz e country quando estou animada e clássica quando estou mais melancólica.
  Considero-me uma pessoa simples, que visa a perfeição, preocupada com os outros e com as injustiças sociais e
  que não receia lutar por aquilo em que acredita. Penso que os outros me acham uma pessoa exigente e audaz.
  Num jantar, em família, não dispenso uma boa conversa e sobremesa.
  No meu dia a dia, gosto de saber o que se passa no mundo.
  Ao fim de semana, ligo a televisão para ver documentários, geralmente sobre história e natureza, séries
  preferencialmente de investigação criminal, baseada em factos verídicos.
  Nada me fará esquecer o momento em que fui mãe.
  Gostava muito que amanhã o sol brilhasse para todos e não só para alguns, que as pessoas fossem mais solidárias
  com os problemas sociais e ajudassem a melhorar as desigualdades.
  A personalidade que me marcou foi Madre Teresa de Calcutá. Mesmo sem recursos financeiros e muito frágil
  fisicamente, conseguiu mobilizar uma causa e reunir recursos para apoiar uma população ainda hoje muito pobre.
  À sombra de uma árvore, leria Ensaio sobre a cegueira”, de José Saramago.
  Sonho diariamente com o nosso país sem corrupção.
  O meu dia não acaba sem planear o dia seguinte.
  A UMinho e o Instituto Confúcio são uma segunda casa.