Depois da poesia, prosa de Sophia reunida em edição inédita

29-11-2021 | Daniel Vieira da Silva

Carlos Mendes de Sousa volta a coordenar trabalho em torno da obra de Sophia

Livro foi editado pela Assírio&Alvim neste mês

Sophia de Mello Breyner tem agora a sua prosa compilada em livro

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A obra acaba de ser lançada e agrupa num só tomo a prosa da escritora portuguesa num trabalho coordenado pelo professor da UMinho, Carlos Mendes de Sousa.

“A reunião da prosa, ao lado do volume que reúne a poesia, ajudará a uma nova perspectivação obra de Sophia”, refere Carlos Mendes de Sousa, o professor da UMinho que, a par com Maria Andresen Sousa Tavares, filha da escritora, lançaram um trabalho inédito.



A familiaridade com a obra poética de Sophia de Mello Breyner Andresen fez, uma vez mais, Carlos Mendes de Sousa mergulhar nos textos da escritora. Após coordenar uma compilação inédita da sua poesia, o professor da Universidade do Minho (UMinho) volta a organizar um trabalho em torno da escritora, juntando agora a prosa da autora portuguesa num trabalho inédito que contou com a colaboração da professora Maria Andresen, filha de Sophia de Mello Breyner, e grande conhecedora da obra de Sophia. Carlos Mendes de Sousa e Maria Andresen assinam, respetivamente, o prefácio e posfácio de "Prosa", um livro com selo da Assírio&Alvim e que inclui trechos inéditos do célebre conto "Os ciganos".
 
“Decorrente do trabalho filológico de uma atenção minuciosa (verso a verso, poema a poema)”, Carlos Mendes de Sousa, professor da Escola de Letras, Artes e Ciências Humanas da UMinho, confessa que essa visão lhe permitiu perspetivar a plenitude da obra de Sophia, estabelecer conexões, tomar decisões “editoriais” e ver a sua unidade extraordinária. Fruto desse trabalho, identificou “afinidades entre a prosa ficcional e a poesia da autora” que se encontram nos temas, mas que surgem, de uma forma muito nítida, ao nível formal.

A "Obra poética de Sophia de Mello Breyner Andresen", um livro que reúne toda a obra poética de Sophia de Mello Breyner Andresen, ajudou Carlos Mendes de Sousa - que coordenou ambos os livros - a "entender a obra na sua totalidade e a dar mais instrumentos para a interpretar”. Carlos Mendes de Sousa explicou que, sobre os textos lidos, “os grandes temas, os lugares, as vivências pessoais transfiguradas, tudo o que se encontra na prosa também se encontra na sua poesia”, e que, “muitas vezes lemos certas sequências narrativas, certos parágrafos, como se estivéssemos a ler poemas”.
 
Carlos Mendes de Sousa, graças ao seu estudo intensivo a par de um convívio permanente e apurado em torno da obra de Sophia fez, no estudo de apresentação, um cruzamento de elementos biográficos com a leitura da obra e, resultante dessa observação, deparou-se com um “espantoso percurso vivido sob o signo da poesia e do poético”.


Fotografia: DR
 
Sophia e a sua prova universal

“Sophia persegue uma vontade maior: o desejo de que a palavra possa ser devolvida à natureza, possa encontrar-se no mesmo plano da natureza. Por isso a sua prosa e a sua poesia chegam a todos, são entendidas por todos. Sophia, como ninguém, sonhou e viu essa vontade tornar-se viva”, explica ao NÓS, Carlos de Mendes Sousa que refere que "é frequente encontrarmos públicos leitores da obra de Sophia muito distintos: de um lado, os leitores de poesia; do outro, os das narrativas, em particular os das histórias para crianças“. Ainda assim, frisa o professor universitário, “o despojamento formal, aparecendo fortemente associado à busca da claridade, não anula a complexidade do real, integra as zonas obscuras e desassossegadas. Isso já acontecia nos poemas e acontece também nas prosas, quando fala do mar da Granja, dos jardins do Campo Alegre, da Grécia ou quando escreve os mais espantosos textos de intervenção e de denuncia das injustiças”. "Tudo isso tem a ver com o mundo vivenciado pela autora e também com a verdade que tem a expressão máxima numa busca sem concessões da absoluta consonância entre a palavra e o mundo”, conclui.
 
Um trabalho minucioso e com algumas surpresas
 
Carlos Mendes de Sousa, apesar de lembrar que o trabalho na “Obra Poética de Sophia de Mello Breyner Andresen” foi mais complexo, sublinha a obra coesa e uma tarefa de pendor filológico muito morosa na edição que agora coordenou. “Os cotejos (em confronto com os originais, quando existem) são trabalhos de uma extrema minúcia”, referiu, lembrando, ainda assim, que "na prosa de Sophia não existem tantas alterações como na poesia”.

O trabalho de pesquisa, em parte possível graças à consulta do acervo de Sophia na Biblioteca Nacional de Portugal, trouxe ao professor da UMinho várias surpresas: “Transcrevi alguns passos que dei a conhecer no prefácio desta edição. Refiro-me a vários contos incompletos, fragmentos de diários de viagem e ainda textos memorialísticos escritos nos últimos anos que se reportam à sua infância e juventude. Estes textos iluminam a leitura da obra agora reunida neste volume”, conta o autor.

“Outra surpresa para mim foi um texto muito curioso que me foi dado a conhecer pelo professor Gonçalo Vasconcelos e Sousa, no período em que eu preparava estava edição (e que pertencia ao arquivo de Thomaz de Mello Breyner, o avô materno de Sophia, que teve um papel essencial na sua educação poética). Refiro-me a uma crónica sobre Sophia criança, quando esta tinha acabado de fazer cinco anos, assinada por Madalena Martel Patrício, uma escritora hoje desconhecida. O texto é muito interessante porque revela o fascinado encontro de Sophia com a palavra poética, na sua primeira expressão oral, que comporta um assinalado pendor efabulativo”, acrescenta.

O trabalho agora editado, para além de ser uma homenagem à escritora e ao seu trabalho, vem "ajudar a mostrar a unidade em torno da obra da escritora", afirma Carlos Mendes de Sousa.