“A UMinho foi uma grande abertura de horizontes”

17-02-2022 | Catarina Dias

João Matos Leite tem 36 anos e é natural de Braga

É licenciado em Economia pela UMinho, mestre em Finanças pela Nova - School of Business & Economics e pós-graduado em Matemática Financeira pelo ISCTE/FCUL. Começou a trabalhar no BCE em 2014

Numa visita ao Parlamento Europeu, em Estrasburgo (2015)

Com os pais na missa dos finalistas da UMinho, no Santuário do Sameiro, em Braga (2006)

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João Matos Leite

Formado em Economia, trabalhou no Banco de Portugal durante a crise de 2010/14. Está hoje no Banco Central Europeu, que adotou medidas excecionais para mitigar o impacto da covid-19 na economia.


Recorda-se do seu primeiro dia na UMinho?
O curso de Economia na Universidade do Minho foi a minha primeira opção! Por isso, foi com grande orgulho que entrei no CP2 [Complexo Pedagógico II, no campus de Gualtar, em Braga] para fazer a matrícula. O campus pareceu-me enorme e moderno. Tinha grandes expectativas que vieram a concretizar-se e algumas até a ser ultrapassadas nos anos seguintes. Lembro-me de ver muita gente trajada a distribuir os novos alunos pelos diferentes cursos e de me pintarem a cara com batom vermelho: “ECON” na testa e o símbolo do euro nas bochechas [risos]! Vim para casa todo contente e orgulhoso de ter tido o meu primeiro dia universitário.
 
Como correu a sua adaptação a um contexto diferente e a pessoas novas?
A UMinho foi uma grande abertura de horizontes. Tive colegas de várias regiões de Portugal e de outros países do mundo. Os professores, embora experientes ou com doutoramento nas melhores universidades europeias e americanas, eram acessíveis e tinham gosto em discutir pontos de vista diferentes. Como todas as mudanças, a ida para a universidade implicou dores de crescimento, mas considero-me um sortudo por ter tido colegas e professores espetaculares.
 
Já sabia o que queria do seu futuro quando ingressou no ensino superior? Ou foi descobrindo?
Do ponto de vista profissional, não tinha ideia. Fui aprendendo mais sobre o tipo de trabalho e saídas profissionais com a participação em feiras de emprego e a interação com oradores em conferências organizadas na universidade, algumas delas por mim e pela equipa do Núcleo de Alunos de Economia. No final do curso, percebi que o melhor seria prosseguir a minha formação e entrar num setor dinâmico e em crescimento. Daí a minha opção por consultoria.
 
Foi delegado de turma durante toda a licenciatura e também assumiu no último ano a presidência do Núcleo de Alunos de Economia. O que aprendeu com este tipo de atividades?
A parte curricular da UMinho ajudou-me a apurar o espírito crítico e deu-me ferramentas para lidar com assuntos complexos. A parte social, na qual incluo ser delegado e presidente do Núcleo, ensinou-me a trabalhar com pessoas diferentes, a ouvir e perceber as suas ideias ou preocupações e a discutir com um grupo diverso de indivíduos a melhor forma de atingir objetivos. Estas foram características fundamentais para o meu percurso profissional.



Apoiou as negociações com a Troika
 
Estreou-se em termos profissionais na GMS Consulting (empresa entretanto integrada na Deloitte) como analista. Esse primeiro contacto com o mercado de trabalho correu bem?
Lembro-me de ter pensado que trabalhar era bem diferente da época da universidade. Já não tínhamos tanto tempo livre! Até se dizia a brincar, embora fosse efetivamente o caso, que não existia hora de saída para quem trabalhasse em consultoria. Não posso ter melhores recordações desses três anos. Trabalhei muito, é verdade, mas também desenvolvi de forma exponencial as minhas capacidades profissionais. A formação da UMinho deu-me as bases necessárias para entrar no mundo profissional.

Como chegou ao Banco de Portugal?
Em 2008 começou a grande crise financeira nos EUA, com os bancos no epicentro. Estava na altura a trabalhar no setor bancário, atento às implicações da crise no mundo. O meu sentido de dever público levou-me a tentar ajudar a regular e supervisionar a atividade bancária para que este tipo de crises não voltasse a repetir-se. Candidatei-me ao Banco de Portugal em 2009 e por lá fiquei até 2014.
 
O país entrou em crise no ano após a sua entrada...
Foram tempos turbulentos com a subida das taxas de juro da dívida pública e a falta de liquidez e capital no setor bancário. Como me tinha especializado em capital bancário, fui envolvido desde o início na gestão da crise bancária portuguesa. Tive uma grande oportunidade de crescimento com a preparação e a negociação de soluções para o setor bancário com o Ministério das Finanças e a Troika. Estive também envolvido em todas as recapitalizações bancárias do tempo da Troika, bem como na gestão da crise do Banif e na resolução do BES, que deu origem ao Novo Banco.
 


Covid-19: “BCE agiu rápida e prontamente”

Está há sete anos no Banco Central Europeu (BCE), em Frankfurt, onde começou na divisão de Gestão de Crises. Hoje coordena parte da estratégia de supervisão e risco. O que faz concretamente?
Os meus primeiros anos no BCE foram muito dinâmicos. Ingressei na véspera de o BCE assumir a supervisão dos bancos da zona euro, o que se revelou uma fantástica oportunidade de contribuir para o estabelecimento e crescimento de um dos maiores supervisores bancários do mundo. Em 2020, mudei-me para o recém-formado Departamento de Estratégia de Supervisão e Risco, o que me permitiu trabalhar numa área que me interessava há muito tempo: gestão estratégica. Coordeno uma equipa responsável pela análise de riscos existentes e emergentes em áreas específicas do sistema bancário. Sinto que posso dar um contributo valioso para a estratégia do Mecanismo Único de Supervisão, no sentido de aumentar o foco nos riscos mais prementes, com o objetivo de garantir a segurança e solidez do sistema bancário europeu. As áreas que acompanho são as relacionadas com modelos de negócios dos bancos, risco de mercado, risco de liquidez e adequação de capital regulatório. São muitos jargões do sistema bancário, mas quando se aprende sobre o assunto é muito interessante!
 
Gosta do que faz?
Sim! Vivo e trabalho num ambiente multicultural, com colegas oriundos de toda a Europa. A minha família e eu temos lidado com diferentes formas de encarar a vida e tentamos sempre aprender e incorporar o melhor de cada uma delas. Tem sido uma experiência verdadeiramente enriquecedora! O facto de poder contribuir para o bem-estar dos concidadãos europeus através do meu trabalho no BCE motiva-me todos os dias.

Estavam preparados para gerir uma crise como a do covid-19?
Foi uma crise inesperada, mas, ao contrário da crise financeira de 2008, os bancos não foram a fonte do problema. Com base na estrutura que construímos em “tempo de paz” para a gestão de crises, garantimos e precisamos de continuar a garantir que os bancos possam fazer parte da solução.

Como avalia a resposta do BCE à pandemia?
O BCE agiu rápida e prontamente para lidar com os impactos dos primeiros bloqueios na economia e no sistema bancário. Desde então, adaptou as medidas tomadas ao ritmo em que havia novas informações sobre a evolução dos impactos. Acho que a crise atual mostrou os enormes benefícios de ter um supervisor único para a união bancária, não apenas em termos de preparação do sistema bancário, mas também em termos de estratégia coordenada para resolver um problema que nos afetou simultaneamente a todos.
 
A “bazuca europeia” foi lançada para mitigar o impacto da pandemia na economia da zona euro. E depois?
O Mecanismo de Recuperação e Resiliência apoiará os Estados-membros a enfrentar o desafio das transições ecológica e digital e demonstrará o potencial de ação conjunta em toda a União Europeia. Estou muito expectante para ver como estes fundos podem ajudar a UE e, em particular, Portugal a atingir uma economia mais verde. O planeta precisa de toda a ajuda possível!
 
Regressar a Portugal faz parte dos seus planos?
Sim, tenho muita vontade de regressar. Portugal é um país magnífico, com uma hospitalidade tremenda… Quem não quereria regressar?
 
Algum projeto em mente?
Nada em concreto por agora. Continuo com o meu dever de sentido público apurado, por isso gostaria de ajudar o meu país a desenvolver-se. Em especial, gostaria de ajudar o Estado a tornar-se mais eficiente com as técnicas de gestão que tenho vindo a aprender no estrangeiro. Penso que, potenciando as qualificações elevadas dos funcionários públicos, se consegue melhorias em muitos serviços públicos e poupar nos custos.

A UMinho comemora hoje 48 anos. Que mensagem gostaria de nos deixar?
Quero deixar os meus parabéns pelo papel tão importante que a UMinho tem desempenhado na formação de inúmeros estudantes. Aproveito também para expressar o desejo de que a UMinho continue a ser um local de transmissão e produção de conhecimento de topo, mas que também se foque em desenvolver o espírito crítico dos seus estudantes, permitindo-lhes um ambiente seguro para o desafio de ideias. Estas são ferramentas fundamentais para o sucesso no futuro que se avizinha.



  As preferências de João
 
  Um livro. “Pensar, Depressa e Devagar”, de Daniel Kahneman.
  Um filme. “The Big Short”, realizado por Adam McKay.
  Uma série. “Curb Your Enthusiasm”, criada por Larry David.
  Uma música. “Bohemian Rhapsody”, dos Queen.
  Um clube. Sporting Clube de Portugal.
  Um desporto. Pólo aquático.
  Uma viagem. As praias de Creta, na Grécia.
  Um passatempo. Ler.
  Um vício. YouTube.
  Um prato. Cabrito assado no forno.
  Uma personalidade. George Orwell, autor das obras “A Quinta dos Animais” e “1984”.
  Um momento. Têm que ser dois: o nascimento das minhas filhas!
  UMinho. Conhecimento, alegria e fraternidade.