A imaginação das crianças ao serviço de uma comunidade

29-04-2022 | Daniel Vieira da Silva

Cidália Silva é uma das coordenadoras científicas do projeto "Palácio da Imaginação"

Crianças fazem e a apropriação do protótipo em box

Caminhar pelo bairro é uma das ações-chave que faz parte do projeto

As crianças são desafiadas a identificar e percorrer os caminhos que querem fazer no seu próprio bairro.

Comunidade juntou-se na apresentação do "Palácio da Imaginação"

Crianças envolvidas na produção do protótipo box

Ao "imaginar" as crianças tiveram a oportunidade de ensinar qual é a sua posição crítica em relação aos espaços coletivos

A trasnformação dos espaços onde habitam e brincam faz parte do projeto

Representar é a primeira abordagem utilizada para perceber que representações mentais têm as crianças do seu bairro

O protótipo da box em desenvolvimento

1 / 10

No Bairro da Emboladoura são as crianças que representam e recriam o seu bairro. O “Palácio da Imaginação”, promovido pela Fraterna, conta com o ProChild CoLAB e Lab2PT como parceiros centrais.




E se fossem as crianças a desenhar e repensar o seu bairro de forma a que nele se viva de uma forma saudável, inclusiva e harmoniosa? Dificilmente se poderá negar, à partida, uma ideia com tal fundamento e foi precisamente a partir desta lógica que, no Bairro da Emboladoura, em Guimarães, nasceu um projeto único e relevante - “O Palácio da Imaginação” -, cuja entidade promotora é a Fraterna e que envolve a UMinho, através do Laboratório de Paisagens, Património e Território (Lab2PT), uma unidade de I&D da Escola de Arquitetura, Arte e Design e do Instituto de Ciências Sociais.
 
O projeto ativa a imaginação e concretiza ficções antes invisíveis num processo feito com crianças, as mães, os pais, os avós, primos e tios, e também com tantos outros que se querem juntar nesta imaginação. O Bairro da Emboladoura, com condições de habitabilidade muito precárias e a necessitar de uma intervenção urgente tanto ao nível da requalificação dos blocos habitacionais como do sistema de espaços coletivos, foi selecionado como o local de intervenção devido aos níveis de pobreza desta comunidade e, consequentemente, das crianças.
 
O "Palácio da Imaginação" está integrado numa investigação-ação que está a ser desenvolvida há já três anos no âmbito do “Pevidém como Território de Aprendizagem”, um projeto integrado no Laboratório Colaborativo ProChild que, para além de pretender conhecer o território de Pevidém a partir da perceção das crianças, tem também como objetivo transformar o território com ações que mobilizam não só as crianças, mas também as famílias, e os diferentes agentes locais. Este projeto envolve vários parceiros e agentes locais e foi submetido ao Programa Governamental Bairros Saudáveis” pela Fraterna, Centro Comunitário de Solidariedade e Integração Social e deverá estar concluído até agosto deste ano.

 


Cidália F. Silva, professora auxiliar na EAAD e investigadora do Lab2PT, é uma das coordenadoras científicas do projeto que nasceu para dar resposta a necessidades identificadas pelos moradores e instituições no bairro no sentido de se colmatar a ausência de espaços públicos coletivos, nomeadamente cobertos que possam abrigar os diferentes grupos e albergar atividades diversas promotoras de vidas mais saudáveis. “Tem sido uma aprendizagem permanente”, revelou, em entrevista ao NÓS UMINHO, a docente que explicou que até ao momento, a atitude tem sido a de “aprender com as crianças, sobre os seus espaços do dia-a-dia, no bairro, na escola, nas suas rotinas socioespaciais”.
 
“O nosso reposicionamento, na relação com “o outro”, a criança, reconhece que esta tem voz e saberes próprios. Estes saberes, quando partilhados, podem vislumbrar possibilidades futuras que nos escapam, nos nossos campos disciplinares tantas vezes ensimesmados por demasiados (pre)conceitos em relação ao “que é” e ao que “deve ser” o espaço habitado e no qual a arquitetura tem um papel fulcral”, deu conta a investigadora que revelou que, com a experiência aprendeu que “há demasiados equívocos no pensar e no agir da arquitetura, com ações que apesar de bem intencionadas têm consequências socioespaciais que nem sempre são as melhores”.

 

 Crianças envolvidas em todas as fases do projeto

 As crianças estão envolvidas através de quatro meios: a re.presentar, a caminhar, a imaginar e a fazer.
 
 - Começa-se por “re.presentar” o bairro. Quais as representações mentais que as crianças guardam do bairro que habitam? Como o descrevem verbalmente? Como fazem o seu mapeamento?
 - Depois avança-se para o “caminhar” e assim as crianças desvelaram-nos o seu bairro, em caminhos por elas decididos pela ação concreta de caminhar.
 - “No imaginar” o bairro as crianças tiveram a oportunidade de ensinar qual é a sua posição crítica em relação aos espaços coletivos que habitam e o que vislumbram para a sua transformação espa(e)cial.
 - No “fazer” têm estado envolvidas na execução de uma das 18 atividades previstas no Palácio da Imaginação denominada “Recriar o Estudo”, a qual consiste em co-fazer uma “box” para criar condições para o ensino presencial e à distância.
 
 A metodologia está a ser desenvolvida no âmbito mais alargado do Projeto “Pevidém como Território de Aprendizagem”, e procura mobilizar uma concepção de participação das crianças nos seus mundos que ultrapassa meros processos de escuta para integrar processos de   co-transformação dos seus espaços de vida.
 


E o futuro?

Para Cidália Silva, a recetividade das crianças a este projeto tem sido “muito boa”, explicando, por exemplo, que em relação à realização da “box” de estudo, desde o dia em que foi feita a primeira maqueta à escala real para testar as medidas em relação ao corpo das crianças, que elas se têm apropriado da mesma das formas mais inesperadas”, explicou a investigadora. "Nesta box" também há espaço para uma "loja da casa da coruja", para uma "galeria", um "teatro", uma "loja de brinquedos", um "café" e até uma "fábrica de notas falsas". “A sua imaginação tende mesmo para o infinito. Com muito pouco, criam um mundo”, concretizou a coordenadora científica do projeto que se revelou “surpreendida pela capacidade que as crianças têm de se apropriarem e de ressignificarem, o espaço e os seus elementos.
 
Neste momento este “Palácio da Imaginação” permite concluir que quando as crianças estão envolvidas em todo o processo, desde o imaginar até ao fazer, “adquirem um sentido de pertença e de alegria que é único”. “Vale mesmo a pena fazer “com” elas e não “para” elas!”, sublinhou.
 
Cidália Silva considerou que o Município de Guimarães e a Junta de Freguesia de Gondar, enquanto parceiros do projeto, têm conhecimento do que se está a desenvolver e por isso disse acreditar que o todo o trabalho que tem sido realizado não só com as crianças mas também com a comunidade no reconhecimento do bairro poderá vir a ser integrado em propostas de intervenção futuras. A arquiteta acredita que esta visão das crianças pode ajudar a tornar os locais mais inclusivos “não só para as crianças, o que é absolutamente essencial, como para todos”. Cidália Silva deixa o repto: “É tempo dos adultos demonstrarem uma consciência muito clara das crianças, tal como elas também o fazem, integrando-as nas suas propostas”.
 
“Gostaríamos também que esses projetos integrassem a metodologia que estamos a desenvolver, e que envolvessem os habitantes em todas as fases do projeto de arquitetura, incluindo a construção”, frisou a investigadora que explicou que “a metodologia de trabalho é perfeitamente adaptável a outros lugares, e a outras comunidades”. “O que é mesmo essencial é reconhecer a criança e as comunidades em que se integram como agentes ativos nos processos de transformação dos espaços que habitam”, concluiu.