Cuidar em tempos de incerteza



Manuela Machado

O envelhecimento populacional afeta quase todos os países desenvolvidos do mundo. Prevê-se que o número de pessoas com 65 ou mais anos passe de 727 milhões em 2020 para mais de 1.5 mil milhões em 2050. A situação demográfica pressiona os serviços, social e de saúde, e aumenta o recurso a cuidadores informais e familiares. 


O modelo atual e mais predominante de cuidados às pessoas idosas (estruturas residenciais, cuidados domiciliários, serviços de internamento de longa duração) tem custos elevados. Os serviços são pressionados para reduzir as despesas e, simultaneamente, aumentar o acesso aos serviços, mantendo a qualidade dos cuidados, o que, a longo prazo, é insustentável. Sem um foco estratégico na prevenção (envelhecer na sua própria casa, mantendo a independência) não será possível fazer face à pressão das alterações demográficas no aumento do custo dos cuidados, a longo prazo. 
 
A situação demográfica reflete-se também na necessidade de maior envolvimento de cuidadores informais e familiares e na sua crescente dedicação ao cuidado de pessoas idosas. Um período prolongado de prestação de cuidados a pessoas idosas pode ser cansativo para as famílias e requer várias formas de apoio aos prestadores de cuidados envolvidos. O bem-estar físico e psicológico dos cuidadores depende cada vez mais do acesso a estruturas de apoio, da implementação de formas inovadoras de apoio, da construção de redes de suporte e da disponibilização do apoio como um serviço público. Sem apoio, prestadores de cuidados sobrecarregados e expostos a elevados níveis de stress podem vir a cometer atos violentos, ou maltratar a pessoa cuidada.
 
A reorganização dos recursos para fazer face à pandemia COVID-19 resultou numa diminuição da atenção a outras áreas. De acordo com o estudo de Chang & Levy (2021), neste período, a prevalência de maus-tratos a pessoas idosas na comunidade sofreu um aumento de 84%. Em Portugal, a APAV abriu, em 2020, 1814 processos por maus-tratos a pessoas idosas, o número mais elevado, num único ano, desde 2013.
 
Neste contexto, o projeto SAVE – Screening for Abuse Vitctims among Elderly, orientado para profissionais de saúde e de serviço social, visa aumentar o conhecimento sobre os instrumentos de screening; melhorar a capacidade para identificar, intervir, apoiar e encaminhar os casos de maus-tratos; desenvolver as competências dos educadores para ensinar os profissionais a lidar com os maus-tratos, apoiá-los e orientá-los; e produzir um programa de treino interativo sobre a temática. 
 
No âmbito do projeto foi realizada, sob a liderança da Universidade de Minho, uma revisão da literatura que sintetiza “O que sabemos sobre o screening de maus-tratos a adultos idosos” e foram realizadas sessões de formação para profissionais de saúde e de serviço social, que irão implementar um programa piloto de screening, nos seus contextos profissionais. Mais informação sobre o projeto poderá ser consultada em www.projectsave.eu.


Professora da Escola Superior de Enfermagem (ESE) da Universidade do Minho
Investigadora da Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem (UICISA:E
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