Raquel Vieira de Castro é CEO de um negócio com 80 anos

29-04-2022 | Catarina Dias

A alumna da Escola de Economia e Gestão da UMinho nasceu há 45 anos em Vila Nova de Famalicão

Em 2020 assumiu a liderança da Vieira, que mantém a sua sede em Gavião, Vila Nova de Famalicão (Foto: Rita Sousa Vieira)

Parceria entre duas alumnae da UMinho. A artista Teresa Rego, formada em Arquitetura, foi convidada este ano pela Vieira para ilustrar a sua edição limitada de Ovos da Páscoa

Em 2019 foi convidada para participar no Programa Mentorias da UMinho na qualidade de mentora

Fotografia da Confeitaria dos anos 1960

Desenho publicitário da bolacha “Maria” com o logótipo vigente de 1968 a 1993, refletindo o espírito ousado dos anos 1970

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Diretora-geral da Vieira e “vice” da Portugal Foods, é licenciada em Administração Pública pela UMinho, MBA em International Executive (Espanha) e pós-graduada em Negócios Internacionais (EUA).





O que a levou a escolher o curso de Administração Pública (AP)?
É curioso, porque na verdade não escolhi. Entrei em Administração Pública com o objetivo de pedir transferência para o curso de Gestão de Empresas. No entanto, com o decorrer do 1.º ano, fui sentindo uma simpatia cada vez maior por AP e aí fiquei.
 
Que momentos marcaram o seu percurso académico?
São vários os momentos e as pessoas que marcaram esse período. Sendo péssima a recordar-me de nomes [risos], destacaria os professores João Carvalho e Anabela Silva, de Contabilidade Analítica, a professora Andreia Oliveira, de Direito da Função Pública, o professor Joaquim Guimarães, de Fiscalidade, e, por motivos completamente diferentes, mas também importantes na minha formação, o professor Armandino Rocha, de Contabilidade Geral.
 
Quando saiu da Universidade tinha noção do que queria fazer em termos profissionais? Contribuir para o negócio familiar na Vieira era a opção mais evidente?
Quando terminei o curso, realizei o estágio na Direção-Geral de Finanças de Viana do Castelo, na parte de inspeção externa. A experiência foi extremamente enriquecedora! Descobri que poderia desenvolver a minha carreira dentro da Autoridade Tributária. Não fazia parte dos meus planos entrar no negócio familiar. No entanto, com o crescimento da Vieira, acabei por ser desafiada pelo meu pai, então presidente do conselho de administração. Ponderei vários aspetos, entre os quais o facto de a nossa família ser pequena, e senti que tinha a responsabilidade de dar continuidade ao negócio.


Os sabores da infância e o “beijo à chinês” do avô Vieira
 
Os sabores Vieira alimentam o imaginário de várias gerações desde 1943, quer através do conhecido pão-de-ló, quer através das amêndoas ou das bolachas. A Raquel é neta do fundador. Deve ter muitas memórias desses sabores e não só...
Num negócio como o da Vieira, as memórias começam realmente pelo sabor. Pelo sabor da deliciosa massa de bolo-rei crua, retirada diretamente da amassadeira, dos melhores macarrons de Paris que alguma vez tenho memória, dos rebuçados Diamante Negro com o seu paladar único, das Wafers de baunilha embaladas em pequenos pacotes, que eram o melhor prémio depois da escola, e das amêndoas Napolitanas, as minhas preferidas até hoje. Recordo-me ainda do cheiro e do sabor doce de cada beijo que dava ao meu pai sempre que chegava a casa na altura da Páscoa, das boleias para casa nas carrinhas da fábrica com o sr. Marques e o sr. João, para quem éramos um “estorvo” na hora de trabalho, mas que, no fundo, o faziam com tanto gosto, bem como das Páscoas e dos Natais passados na loja a tentar ajudar no meio de tanta azáfama. Os trabalhos mais importantes da escola eram redigidos nas máquinas de escrever do escritório aos fins-de-semana!
 
Recordações que ficam para a vida...
Sem dúvida! Entre tantas memórias, existem duas que não posso deixar de mencionar: os meus avós, que faleceram cedo, infelizmente. A avó Amélia, madrinha, conselheira, mulher independente, pilar da família, que fazia o melhor pudim Abade de Priscos, produto tão importante na génese da Vieira. E o avô Vieira, um homem reservado, sério e visionário. Lembro-me de ele estar sempre na Vieira e de me receber no seu gabinete com um carinho e cumprimento especial, só nosso (dos netos), o “beijo à chinês”.
 
Alguma vez achou que chegaria à administração do grupo? É CEO desde dezembro de 2020...
Sempre vivi cada momento como uma missão, com a ambição de fazer mais e melhor, ganhar responsabilidade e fazer a Vieira crescer com solidez, mas sem estabelecer nenhuma meta para chegar a este ou aquele lugar dentro da organização. A curiosidade a cada momento, conjugada com o estado da empresa, traçou de alguma forma o meu caminho. Tudo foi acontecendo de uma forma natural. É certo que, à medida que o caminho se constrói e que se assume mais responsabilidades, integrar o conselho de administração e assumir o cargo de CEO passam a ser possibilidades.
 
Iniciou o seu percurso na empresa na área comercial…
Exatamente! Comecei por assumir processos mais simples na área comercial até chegar à gestão de clientes na área internacional. Com o gosto pela atividade comercial e acreditando que a Vieira podia tornar-se uma marca reconhecida lá fora, propus-me a dirigir o departamento de exportação. Para o sucesso deste projeto, não bastava conhecer os mercados. Era necessário, acima de tudo, preparar a empresa para uma nova realidade, quer em termos de processos, quer em termos de produto. Sustentar a atividade internacional implica uma disponibilidade permanente e uma grande capacidade de adaptação, uma vez que é preciso cumprir os requisitos de cada mercado e ajustar a oferta à procura de cada um. Neste percurso, surgiu o convite para integrar o conselho de administração, onde assumi inicialmente a coordenação das áreas comercial e de marketing.
 
Foi então que voltou às aulas.
Em 2008 inscrevi-me num MBA em International Executive, com o objetivo de adquirir uma visão renovada e mais transversal de toda a atividade e, em paralelo, aprofundei também o conhecimento na área de lean manufacturing. Foi nessa altura que implementámos na empresa essa metodologia na produção, criando a área de melhoria contínua “+ Vieira”, que assumi desde o início. Para um crescimento sustentável, era e continua a ser fundamental a nossa competitividade, apenas possível assegurando a máxima eficiência dos processos. Há dois anos surgiu o momento de se pensar a sucessão, não apenas da família, mas de uma equipa de gestão, e de se refletir acerca do modelo organizacional e de governo para o futuro. Foi aí que fui convidada a presidir a comissão executiva.
 
Quais são os principais desafios de gerir uma empresa com um volume de negócios de 30 milhões de euros e que exporta os seus produtos para 52 países?
O principal desafio é garantir o alinhamento e compromisso de toda a organização e fazer com que todas as pessoas se sintam parte do projeto Vieira. Com esta base assegurada, os desafios são enfrentados e ultrapassados mais facilmente. Não significa que não sejam difíceis e que não se falhe, mas apenas que o caminho é simplificado.
 
Sente responsabilidade acrescida por se tratar de um legado com 80 anos de história?
Essa responsabilidade sempre existiu, mas tornou-se bastante diferente ao assumir a posição de CEO.
 
A liderança já vai na terceira geração. Que visão tem ela sobre o futuro da empresa?
Esta geração, ainda que mais nova, tem a “missão” de garantir a sustentabilidade do negócio, tornando-o mais sólido e robusto, para o transmitir à quarta geração.
 
 
Desporto como forma de equilíbrio
 
A UMinho preparou-a para um desafio desta dimensão?
Sem dúvida que me ajudou a criar bases muito sólidas para encarar este desafio, pelo conhecimento e desenvolvimento de um sentido crítico, estruturado e analítico, que promoveu num ambiente saudável de competitividade.
 
Dicas para um percurso de sucesso?
Não sei se o meu percurso é de sucesso. Normalmente só o sabemos verdadeiramente depois de cessarmos funções. Eu diria que têm de existir dois elementos-chave: um propósito e muito trabalho. Um propósito compatível com a missão do projeto em que estamos inseridos, conjugado com a disponibilidade para nos entregarmos na sua construção, faz com que as coisas aconteçam.
 
Como é um dia normal na vida da Raquel?
Um dia bastante preenchido entre o trabalho, a família e o desporto, que tento sempre praticar como forma de equilíbrio.
 
Onde se vê daqui a dez anos?
Dez anos é muito tempo [risos]! Até lá, gostava de participar em projetos fora da minha área de negócio ou até de criar novos. Também gostava de me envolver ativamente em projetos de voluntariado em África.


O que faria se não fosse CEO?
 
Um livro. “A Casa dos Espíritos”, de Isabel Allende.
Um filme. “Cinema Paraíso”, de Giuseppe Tornatore.
Uma série. “After Life”, de Ricky Gervais.
Uma música. Tenho muitas, mas a do momento é “Lay Down Your Blade”, de Joy Wellboy. 
Um clube. Futebol Clube do Porto.
Um desporto. Jogging.
Uma viagem. Monte Fuji, no Japão.
Um vício. Ouvir música.
Uma profissão alternativa. Pianista ou violoncelista.
Um prato. Ceviche.
Uma personalidade. A minha avó Maria Amélia Azevedo.
Um momento. O nascimento da minha filha Rita.
UMinho. Cortejo académico.