Os sabores da infância e o “beijo à chinês” do avô Vieira
Os sabores Vieira alimentam o imaginário de várias gerações desde 1943, quer através do conhecido pão-de-ló, quer através das amêndoas ou das bolachas. A Raquel é neta do fundador. Deve ter muitas memórias desses sabores e não só...
Num negócio como o da Vieira, as memórias começam realmente pelo sabor. Pelo sabor da deliciosa massa de bolo-rei crua, retirada diretamente da amassadeira, dos melhores macarrons de Paris que alguma vez tenho memória, dos rebuçados Diamante Negro com o seu paladar único, das Wafers de baunilha embaladas em pequenos pacotes, que eram o melhor prémio depois da escola, e das amêndoas Napolitanas, as minhas preferidas até hoje. Recordo-me ainda do cheiro e do sabor doce de cada beijo que dava ao meu pai sempre que chegava a casa na altura da Páscoa, das boleias para casa nas carrinhas da fábrica com o sr. Marques e o sr. João, para quem éramos um “estorvo” na hora de trabalho, mas que, no fundo, o faziam com tanto gosto, bem como das Páscoas e dos Natais passados na loja a tentar ajudar no meio de tanta azáfama. Os trabalhos mais importantes da escola eram redigidos nas máquinas de escrever do escritório aos fins-de-semana!
Recordações que ficam para a vida...
Sem dúvida! Entre tantas memórias, existem duas que não posso deixar de mencionar: os meus avós, que faleceram cedo, infelizmente. A avó Amélia, madrinha, conselheira, mulher independente, pilar da família, que fazia o melhor pudim Abade de Priscos, produto tão importante na génese da Vieira. E o avô Vieira, um homem reservado, sério e visionário. Lembro-me de ele estar sempre na Vieira e de me receber no seu gabinete com um carinho e cumprimento especial, só nosso (dos netos), o “beijo à chinês”.
Alguma vez achou que chegaria à administração do grupo? É CEO desde dezembro de 2020...
Sempre vivi cada momento como uma missão, com a ambição de fazer mais e melhor, ganhar responsabilidade e fazer a Vieira crescer com solidez, mas sem estabelecer nenhuma meta para chegar a este ou aquele lugar dentro da organização. A curiosidade a cada momento, conjugada com o estado da empresa, traçou de alguma forma o meu caminho. Tudo foi acontecendo de uma forma natural. É certo que, à medida que o caminho se constrói e que se assume mais responsabilidades, integrar o conselho de administração e assumir o cargo de CEO passam a ser possibilidades.
Iniciou o seu percurso na empresa na área comercial…
Exatamente! Comecei por assumir processos mais simples na área comercial até chegar à gestão de clientes na área internacional. Com o gosto pela atividade comercial e acreditando que a Vieira podia tornar-se uma marca reconhecida lá fora, propus-me a dirigir o departamento de exportação. Para o sucesso deste projeto, não bastava conhecer os mercados. Era necessário, acima de tudo, preparar a empresa para uma nova realidade, quer em termos de processos, quer em termos de produto. Sustentar a atividade internacional implica uma disponibilidade permanente e uma grande capacidade de adaptação, uma vez que é preciso cumprir os requisitos de cada mercado e ajustar a oferta à procura de cada um. Neste percurso, surgiu o convite para integrar o conselho de administração, onde assumi inicialmente a coordenação das áreas comercial e de marketing.
Foi então que voltou às aulas.
Em 2008 inscrevi-me num MBA em International Executive, com o objetivo de adquirir uma visão renovada e mais transversal de toda a atividade e, em paralelo, aprofundei também o conhecimento na área de lean manufacturing. Foi nessa altura que implementámos na empresa essa metodologia na produção, criando a área de melhoria contínua “+ Vieira”, que assumi desde o início. Para um crescimento sustentável, era e continua a ser fundamental a nossa competitividade, apenas possível assegurando a máxima eficiência dos processos. Há dois anos surgiu o momento de se pensar a sucessão, não apenas da família, mas de uma equipa de gestão, e de se refletir acerca do modelo organizacional e de governo para o futuro. Foi aí que fui convidada a presidir a comissão executiva.
Quais são os principais desafios de gerir uma empresa com um volume de negócios de 30 milhões de euros e que exporta os seus produtos para 52 países?
O principal desafio é garantir o alinhamento e compromisso de toda a organização e fazer com que todas as pessoas se sintam parte do projeto Vieira. Com esta base assegurada, os desafios são enfrentados e ultrapassados mais facilmente. Não significa que não sejam difíceis e que não se falhe, mas apenas que o caminho é simplificado.
Sente responsabilidade acrescida por se tratar de um legado com 80 anos de história?
Essa responsabilidade sempre existiu, mas tornou-se bastante diferente ao assumir a posição de CEO.
A liderança já vai na terceira geração. Que visão tem ela sobre o futuro da empresa?
Esta geração, ainda que mais nova, tem a “missão” de garantir a sustentabilidade do negócio, tornando-o mais sólido e robusto, para o transmitir à quarta geração.
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