A UMinho como palco de liberdade para a nossa estudante mais experiente

31-05-2022 | Daniel Vieira da Silva

Maria Teresa Amaral encontrou na UMinho a liberdade que lhe faltava para concluir o seu doutoramento

Ensaio de "As lágrimas amargas de Petra von Kant", a partir de Rainer Fassbinder (foto: Laurence Prat)

Espetáculo "Laissées pour morte", que aborda a violação coletiva de mulheres na Argélia

Maria Teresa Amaral (à esquerda) na apresentação de projetos à comunicação social

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Maria Teresa Amaral tem 80 anos e é a nossa estudante com mais idade. Está a terminar o doutoramento em Ciência da Cultura e tem um percurso carregado de vivências.


Natural do Rio de Janeiro, no Brasil, Maria Teresa Curado Amaral faz parte do Núcleo de Investigação em Estudos Performativos do Centro de Estudos Humanísticos (NIEP-CEHUM), integrado na Escola de Letras, Artes e Ciências Humanas (ELACH) da Universidade do Minho. Bastante resiliente, empenhada e com uma carreira ligada às artes, aos cargos públicos e à academia, a estudante de 80 anos encontrou na UMinho a liberdade e o interesse em trabalhar a sua tese de doutoramento em torno dos Estudos de Género. Uma história inspiradora.



Licenciou-se em Filosofia no Brasil, onde se manteve para o bacharelado em Comunicação (rádio, cinema e TV) e para os cursos de teatro, dramaturgia e expressão corporal. Foi no "país irmão" que deu aulas em algumas universidades do Rio de Janeiro e dirigiu escolas de arte e teatro. Atriz, encenadora e crítica de teatro, Maria Amaral mudou-se de armas e bagagens para França, concluindo os mestrados de Estudo de Género na Universidade de Reims e de Études Théâtrales Master 1 e 2 na Universidade de Paris 3 - Sorbonne Nouvelle. É precisamente nesse país que vive desde 2003. Iniciou o seu doutoramento em terras gaulesas, mas surgiu-lhe uma pista para o fazer noutro país. A professora Francesca Rayner, da ELACH, foi o contacto que recebeu e que cedo acatou. Daí até à inscrição na UMinho foi um pequeno passo e, neste momento, está na reta final do doutoramento em Ciência da Cultura, que versa sobre a relação entre o teatro brasileiro dos anos 70 e os estudos de género - o queer e o camp.

Viajou então até Portugal e para uma universidade que não conhecia, mas logo ficou rendida. “Fiquei encantada com o lugar, com a academia e com a nova orientadora da minha tese”, frisou Maria Teresa Amaral, em entrevista ao NÓS. “Vêm-me logo à cabeça dois exemplos da abertura da UMinho: na entrada do campus há uma saudação em várias línguas e, também, um seminário em que participei mesmo antes de me inscrever, que decorria em Português, Francês e Inglês, sem tradutor. Talvez não calculem a sensação de liberdade que isso dá para quem vem de França”, explicou.



O teatro e o estudo ao longo da vida

Além do doutoramento, nunca parou a carreira profissional. É diretora artística da Compagnie Aléatoire de Théâtre, em França, onde já dirigiu seis espetáculos, estando neste momento a ensaiar o sétimo. “Nunca tive na cabeça ter uma vida académica para sempre”, reconheceu Maria Amaral, que foi docente universitária durante dez anos. Combinava a vida artística com a académica e depois de um longo dia de aulas deslocava-se rapidamente para ensaios, que se prolongavam madrugada dentro. No Brasil, chegou a tentar realizar mestrados por duas ocasiões, mas acabava sempre por desistir, pois o espetáculo, o palco, as artes roubavam-lhe a maioria do tempo.

Esteve envolvida com o palco desde os seus 20 anos e, agora, reconhece que o que gosta mesmo de fazer é “extrair factos, atitudes que não foram ou foram pouco relacionados antes e criar histórias, mundos e verossimilhanças. Isso, com métodos diferentes é claro, dará para fazer num espetáculo e numa tese”, explicou. A estudante acrescenta: “Gosto de investigar, de escrever ou de montar teatralmente a pesquisa, que é depois encarnada em texto (na tese) ou no corpo e falas das atrizes e dos atores (no teatro)”.

O seu percurso regista ainda uma passagem por cargos governamentais. Durante mais de dez anos, desempenhou várias funções de serviço público, tendo sido, no Rio de Janeiro, responsável por instituições de educação e cultura nos governos de Leonel Brizola e Marcelo Alencar. Foi aí que teve necessidade de interromper a carreira universitária para se dedicar ao estudo aprofundado sobre a forma como essas instituições poderiam ser geridas de uma forma eficiente e, ao mesmo tempo, renovadora.

Por fim, quando chegou a França, debruçou-se sobre os gender studies e escolheu como assunto para a dissertação em Reims uma pessoa que sempre a interessou: Marlene Dietrich, a atriz e cantora alemã que se naturalizou norte-americana e se tornou numa das figuras maiores do cinema clássico de Hollywood.
 


Porta de igualdade

Na UMinho, nunca sentiu qualquer tratamento diferenciado por parte de colegas e professores. “Nem da parte da orientadora nem em seminários organizados no NIEP”. Ainda assim, explicou que, “talvez pelo acumular de saberes e experiências”, sente algumas facilidades em abordar a sua investigação, embora, por outro lado, admitindo que a sua memória “não é tão fotográfica como antigamente”. O que não sofre qualquer consequência é o seu processo criativo: “No teatro trabalho dias e noites inteiros. A minha capacidade de criação penso que até melhorou”, destacou.

A estudante fez questão de tecer elogios à forma como a UMinho se adaptou para os tempos de Covid-19: “Fez esforços extremamente louváveis no que ao virtual diz respeito”, sublinhou, mostrando-se, ainda assim, algo desiludida por “não ter tido mais oportunidades para ter uma enriquecedora convivência universitária entre os mais jovens”.

Neste momento faltam-lhe cem páginas para terminar a tese doutoral. “Muitas delas já estão em rascunho e a bibliografia está toda lida. Depois, já só falta a correção final e a edição”, garantiu, evidenciando ao mesmo tempo o “enorme prazer” em fazer este trabalho. “Claro que há dias de nervos, quando delicadamente tento explicar o meu ponto de vista sobre a importância de uma parte do trabalho que considero absolutamente necessária. Mas a 'negociação' com a professora Francesca é sempre prazeirosa”, confessou.



A importância do seu estudo e o "peso da responsabilidade"

"A minha vivência dá-me o direito de fazer uma tese-testemunho, e o que faço, sobre o que faço, parece-me útil porque ninguém o fez antes e porque para mim as relações eram evidentes entre um teatro - mesmo mainstream - brasileiro dos anos 70 e as questões de género, principalmente por um modo camp de montar espetáculos”, descreveu a nossa “anciã” (como se auto-intitulou).

“Depois, penso que estudar e investigar são experiências necessárias ao longo da vida e que podem ser usadas para o prazer pessoal, para o ensino nas suas várias formas, para publicar, para criar espetáculos ou outras formas de arte”, considerou a investigadora, sublinhando a necessidade de se fazer acompanhar de livros ao longo da vida. “Em resumo, deve-se estudar enquanto se tem vontade, preferencialmente procurando devolver à sociedade aquilo que o estudo nos proporciona”, sustentou.

“Apesar de ser mais ou menos óbvio, confesso que nunca tinha pensado que era a estudante com mais idade na UMinho, mas agora que me disseram o evidente, a primeira palavra que me vem à cabeça é responsabilidade”, afirmou. Maria Teresa Amaral explicou que quando utiliza esta palavra fá-lo pela “consciência de tentar devolver aquilo que a universidade proporcionou”. “A UMinho acolheu-me tão gentilmente, sem preconceitos, de uma forma igualitária e deu-me a possibilidade de colocar no papel, em forma de tese, um testemunho que penso que será útil para as pessoas do meu país e, talvez, para as de Portugal, uma cultura diversa, mas irmã”, acrescentou. Em relação ao seu futuro nos estudos, deixou como nota de rodapé um simpático cliché: “Veremos o que o futuro nos reserva”.