Quer acabar com a pobreza no mundo. Mas primeiro vai começar pelo Quénia

14-10-2022 | Catarina Dias

Madalena Santos já deu conferências sobre pobreza, empreendedorismo social e desigualdades sociais em vários países do mundo (na foto, numa conferência no México)

Em representação da endPoverty, numa iniciativa que teve lugar no Quénia

Conferência sobre empreendedorismo social em Nairobi, capital do Quénia

A liderar o processo de medição do impacto social, casa a casa, no Bangladesh

Com a equipa da Kua Ventures, ONG que coordena desde 2020

Visita a centro de formação e qualificação vocacional para jovens no Bangladesh

Visita a parceiros nas Filipinas

Workshop promovido pela endPoverty para parceiros do continente africano, no Uganda

Com parceiros quenianos

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Formada em Psicologia, Madalena Santos dirige a Kua Ventures, que apoia micro-negócios em África. A portuense de 35 anos já teve cargos na International Care Ministries e endPoverty, entre outras.





Madalena Santos é licenciada em Psicologia e mestre em Psicologia da Justiça pela UMinho. Tem também uma especialização em Investimento de Impacto pela Universidade da Cidade do Cabo (África do Sul) e um MBA pela Porto Business School. Já passou por várias organizações e geografias, desde a Europa, Ásia, África e América.


Recorda-se do seu primeiro dia na UMinho? Conte-nos como foi...
Lembro-me bem dos primeiros dias... Entre atividades de integração e muita gente nova, foram dias intensos. A liberdade de viver e estudar numa cidade nova entusiasmava-me!
 
O que a levou a escolher o curso de Psicologia? E o mestrado em Psicologia da Justiça?
Sabia que queria trabalhar com pessoas e para pessoas. Por isso, a formação em Psicologia pareceu-me ser a mais indicada para o meu futuro. A área da Justiça, em particular, foi uma escolha óbvia, pois sempre quis trabalhar com grupos de pessoas menos privilegiadas. Acreditava que como psicóloga seria capaz de contribuir para a criação de oportunidades para os mais desfavorecidos.
 
Que momentos deixaram mais saudades?
São tantos… Trabalhos de grupo até às tantas da manhã, grandes noites no Enterro da Gata e, claro, aquelas amizades que perduram no tempo.
 
Foi na CrescerSer – Associação Portuguesa para o Direito dos Menores e da Família que deu os primeiros passos como psicóloga. Correu bem?
A experiência foi muito gratificante! Porque ia exatamente ao encontro do que me tinha levado a estudar Psicologia: criar condições e munir as pessoas de ferramentas para se desenvolverem na sua plenitude. Trabalhar aos 22 anos numa casa de acolhimento para menores que já tinham passado por tanto, apesar da idade, fez-me crescer enquanto profissional e enquanto pessoa.
 
Seguiram-se experiências profissionais em ONGs como a International Care Ministries (ICM), que apoia pessoas a viver em pobreza extrema nas Filipinas. Que momentos a marcaram mais?
Foram três anos de muitas aprendizagens! O que sempre me marcou mais na pobreza é a falta de oportunidades. A minha primeira viagem de trabalho às Filipinas foi, em novembro de 2013, logo a seguir ao furacão Haiyan, uma das catástrofes naturais que mais mortes e estragos causou no mundo. Foi devastador visitar aldeias piscatórias em que os habitantes perderam tudo, ficaram sem familiares, amigos, casas, barcos e até sem a praia que os separava do mar. Pior ainda foi conhecer famílias que, sem nunca terem sofrido algum desastre natural, já viviam na pobreza há várias gerações. Pais sem esperança que os filhos consigam algum dia viver melhor. Esta pobreza intergeracional, que priva o ser humano de esperança, é o que mais mexe comigo!
 
E como chegou à endPoverty?
A endPoverty surgiu através de um colega com quem tinha trabalhado na ICM. Assumi o cargo de diretora de operações, supervisionando os projetos da associação nos nove países em que estávamos presentes na Ásia, na América Central e na África. A endPoverty trabalha num modelo de parcerias com ONGs locais na área do microcrédito e do apoio a micro-empreendedores.



Criar emprego para combater desigualdades sociais
 
Foi com base nesta organização que decidiu lançar o projeto Kua Ventures no Quénia?
A Kua Ventures é uma spin-off da endPoverty e surge da necessidade de investir em negócios em crescimento como forma de combater a desigualdade social e a pobreza a longo prazo, através da promoção de oportunidades de trabalho. Investimos em negócios pequenos e em crescimento (entre 50 a 100 mil euros) com o objetivo de criar emprego e impacto social. Tem sido uma grande aprendizagem e uma enorme fonte de satisfação poder criar oportunidades para empreendedores empenhados em resolver os problemas do próprio país.
 
Porquê o Quénia?
Porque reunia muitas das condições que procurávamos. Trata-se de um país com um elevado índice de pobreza, mas ao mesmo tempo com estabilidade política e legislativa que permite investir de modo a gerar riqueza local e sustentável.
 
Desloca-se para lá com frequência?
Antes da covid-19, viajava mensalmente para a capital Nairobi. Ultimamente, tenho viajado a cada dois ou três meses, o que se vai ajustando à medida que a equipa no Quénia cresce.
 
Vê-se a lançar um projeto do género em Portugal?
Ando sempre a sonhar com possíveis projetos em Portugal. Depois de alguns anos a trabalhar na área de investimento de impacto, imagino-me um dia a “passar para o outro lado” do empreendedorismo, com uma empresa que faça a diferença.
 


O sentimento de impotência de quem trabalha na área
 
De onde vem esta preocupação pelo outro e por um mundo melhor?
Da minha família, da forma como fui criada e da minha fé. Acredito no potencial das pessoas e no facto de o ser humano conseguir fazer o bem com as condições certas.
 
Qual é o maior desafio para quem trabalha em projetos de cariz social e humanitária?
Um dos maiores desafios é o sentimento de culpa. As pessoas que me rodeiam comentam muitas vezes que devo sentir-me em paz por saber que estou a contribuir para um mundo melhor. Mas não é assim tão linear. Quanto mais conhecimento temos sobre determinada injustiça, maior é o sentimento de impotência. Tornamo-nos mais sensíveis a essa realidade, à sua imensidão e à nossa pequenez. Ainda assim, é muito gratificante poder contribuir para o desenvolvimento de outros seres humanos, de outros negócios e de outras nações.
 
Que episódios marcaram mais o seu percurso?
Recordo-me de há uns anos ter passado pela associação CrescerSer, num dia 24 de dezembro, percebi que algumas pessoas, neste caso crianças e jovens, não tinham ninguém na vida, nem na véspera de Natal. O que me fez confusão não foi elas passarem o Natal na instituição, foi sim tomar consciência do isolamento em que viviam e da falta de oportunidades que tinham. Esse momento, de que me lembro de forma muito vívida, tem influenciado o modo como me relaciono com os outros, como acolho em minha casa e como me imagino a viver nos próximos anos.
 
Onde se vê daqui a 15 anos?
Em Portugal, com uma casa aberta para os que precisam (de forma mais ou menos permanente) e a apoiar (de forma mais ou menos direta) pequenos negócios que geram riqueza, criam trabalhos e têm impacto na sociedade.



  As preferências de Madalena
 
  Um livro. “Purpose, Incorporated: Turning Cause Into Your Competitive Advantage”, de John Wood/Amalia McGibbon.
  Um filme. “Voando sobre um Ninho de Cucos”, dirigido por Milos Forman.
  Uma série. “Breaking Bad”, de Vince Gilligan.
  Uma música. “Home”, de Edward Sharpe & The Magnetic Zeros.
  Um clube. Futebol Clube do Porto.
  Um desporto. Basquetebol.
  Uma viagem. Nova Zelândia, de autocaravana.
  Um vício. Café.
  Um prato. Bacalhau espiritual.
  Uma característica. Forte.
  Um momento. Estar.
  UMinho. Grandes memórias.