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Podem os pais ajudar ou prejudicar a formação desportiva dos seus filhos?

24-11-2022 | Daniel Vieira da Silva

Liliana Fontes tem escrito diversos artigos sobre este tema

O Grupo de investigação Adaptação, Rendimento e Desenvolvimento Humano da UMinho

Liliana Fontes na entrega de um prémio da Sociedade Portuguesa de Desporto para Pessoas com Deficiência, em 2019

Nos Prémios de Mérito Desportivo da UMinho em 2017, com uma atleta premiada e colegas da equipa de investigação

A investigadora durante a participação no evento de formação Alto Rendimento Futsal, com o selecionador nacional Jorge Braz

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Liliana Fontes, investigadora do Centro de Investigação em Psicologia, responde face a esta problemática que tem tido reflexos na evolução dos jovens.

Certamente já todos vimos comportamentos de pais, que, perante a competição onde o seu filho ou filha está inserido/a, nos deixam envergonhados. Desautorizar o treinador, incentivar comportamentes menos éticos, promover o individualismo são algumas das ações com influência negativa na evolução desportiva de crianças e jovens. Mas, naturalmente, nem tudo é mau no papel que os progenitores assumem neste processo. Fomos à procura de respostas, numa entrevista a Liliana Fontes, do Centro de Investigação em Psicologia (CIPsi), unidade de investigação da Escola de Psicologia da Universidade do Minho (EPsi).


Liliana Fontes fez o mestrado integrado em Psicologia - ramo Psicologia Experimental e suas Aplicações e o doutoramento em Engenharia Têxtil, ambos pela UMinho. Atualmente, é gestora de projetos na Escola Competências de Vida, um projeto do Grupo de Investigação Adaptação, Rendimento e Desenvolvimento Humano do CIPsi, que se dedica a investigar temas distintos com um denominador comum: compreender os processos psicológicos envolvidos na adaptação, rendimento e desenvolvimento em diferentes contextos de funcionamento humano. Nos últimos tempos tem assumido algumas análises em relação ao papel dos pais na formação desportiva.


De que forma podem os pais desempenhar um papel prejudicial na formação desportiva dos seus filhos?
A influência parental pode ser decisiva na formação desportiva de crianças e jovens. É importante reforçar que esta influência pode ser, e é frequentemente, positiva! Traduz-se em jovens atletas com elevada autoestima, que se sentem realizados e encontram no desporto uma fonte de prazer e diversão. Do outro lado da moeda, os comportamentos negativos dos pais, como a sobrevalorização das vitórias, a crítica constante e os comportamentos de controlo, têm um impacto negativo nos filhos.

Que consequências são essas?
Levam a uma maior pressão face ao desporto, a um maior medo de falhar (e, consequentemente, maior ansiedade competitiva) e a uma redução na perceção de competência. Pais com atitudes excessivamente críticas contribuem para termos atletas ansiosos e desmotivados, que podem eventualmente abandonar o desporto.

A pressão que colocam aos filhos afeta psicologicamente estas crianças?
Sem dúvida que sim. O medo de errar aumenta com a pressão parental e o desporto passa a ser visto como algo ameaçador para o atleta. Consequentemente, é comum um aumento da ansiedade e tensão face ao desporto, sentimentos de descontentamento e menor diversão na prática do desporto. Os atletas, no geral, tendem a reportar emoções mais negativas, poucas emoções positivas e uma desmotivação que pode levar ao abandono da prática desportiva.

Deduz-se por isso que algo fica pelo caminho quando um jovem é submetido a esta pressão parental?
Em última instância, dadas as relações que se estabelecem entre envolvimento parental negativo, emoções, saúde mental, motivação e rendimento, todas as facetas da vida destas crianças e jovens podem ser afetadas. Este impacto estende-se também no tempo, com consequências a curto, médio e longo prazo. Um atleta sob constante pressão parental experiência emoções negativas que, ao longo do tempo, vão tendo um impacto negativo na sua saúde mental. Os seus níveis de motivação começam a baixar e o seu rendimento desportivo também. É possível a desistência e abandono da prática desportiva. Em última instância, este hábito mantém-se na vida adulta, contribuindo para os baixos índices de atividade física que encontramos no nosso país, com todas as consequências negativas para a saúde mental e física que isto acarreta.

Conseguimos identificar que tipo de comportamentos estão associados aos pais na busca por “um novo prodígio” no desporto?
Geralmente, são pais que apresentam um nível de envolvimento excessivo na atividade desportiva dos filhos. Este tipo de envolvimento carateriza-se pela sobreposição entre as necessidades e expectativas pessoais dos pais e a atividade desportiva dos filhos, com os pais a serem presença assídua nos treinos, a terem tendência a estabelecer objetivos irreais e, consequentemente, pressão para que estes sejam alcançados. São pais que tendem a sobrevalorizar as vitórias, demonstram comportamentos de punição ou crítica constante e comportamentos de controlo face ao rendimento dos filhos.


"É necessário garantir um ambiente competitivo positivo"

E que tipo de comportamentos são esses?
Por exemplo, estes costumam apresentar crenças erradas, como:
- Se o meu filho/a ganhar, está a progredir e vai ter sucesso; se o meu filho/a perder, não está a fazer nada no desporto!
- Ter sucesso logo desde pequenino aumenta as hipóteses de ser um atleta de sucesso!
- Quanto mais cedo for a especialização desportiva, maiores são as hipóteses de ser um atleta de sucesso.
- Os pais é que sabem o que é melhor para os filhos, por isso deve-se indicar o que eles devem fazer!

Evidenciar o individualismo ao invés do coletivo pode estar a influenciar estas gerações?
Bom, se está a influenciar gerações é uma questão que só poderá ser verdadeiramente respondida no futuro! O próprio fenómeno da primazia do individual sobre o coletivo ultrapassa o contexto do desporto. Na verdade, especialmente em modalidades coletivas, é no desporto que as necessidades da equipa mais se sobrepõem às do indivíduo. Importa saber criar as condições necessárias para que a formação desportiva seja um contexto de aprendizagem destas competências coletivas. É necessário garantir que o ambiente competitivo é positivo, evitando atitudes individualistas e combativas e promovendo, entre outras, uma atitude de cooperação e crescimento pessoal.

Ter clubes a impedir a entrada dos pais nos treinos pode ser uma boa medida a adotar?
É uma medida que protege os atletas, a equipa técnica e o próprio clube. No entanto, não deixa de ser uma medida algo paliativa, ou seja, não procura resolver as causas. Os clubes continuam a ter que lidar com o problema fora dos treinos, nomeadamente em competições. Uma medida deste género não tem qualquer impacto no (muito) tempo que os atletas passam com os pais e sob a sua influência, principalmente quando são mais jovens. Ainda assim, este tipo de medidas consegue limitar o problema e excluí-lo de alguns contextos. Mas é uma medida muito curta, é imprescindível complementá-la com outras políticas, nomeadamente de formação, para conseguirmos fazer face a esta problemática.

Então o que se pode fazer mais?
No geral, podemos falar em três tipos de intervenção que os clubes podem ter nesta temática. Uma intervenção educacional, que passa por desenvolver planos de formação para pais e divulgar informação do clube. Uma intervenção instrumental, que promove reuniões gerais com pais (como sobre objetivos do desporto juvenil) e individuais com atletas e pais (como a análise dos progressos dos atletas). É fundamental clarificar a política do clube e o papel dos pais. Há ainda a intervenção experiencial, que se concretiza com a formalização de formas de colaboração (um clube de pais, por exemplo) e assinalar datas importantes (dias do pai, da mãe, dos avós…) para limitar e guiar a interação com os pais. A intervenção educacional é determinante – frequentemente, os comportamentos errados dos pais fundamentam-se em crenças erradas, que podem ser alteradas. Assim, a formação permite tirar partido destas boas intenções, direcionando-as para comportamentos corretos.

Há iniciativas já implementadas que se destaquem?
Sim! Saliento a bandeira da ética, o cartão branco, o compromisso dos pais no desporto escolar, a iniciativa “Não seja treinador de bancada”, bem como inúmeras ações de formação de diversos clubes, com apoio de documentação interna ou disponibilizada pelo Instituto Poruguês do Desporto e da Juventude. Temos vindo a percorrer o caminho certo nos últimos anos, mesmo sabendo o longo caminho que ainda temos pela frente.



Conselhos para pais
 
Os pais são figuras centrais e podem ter uma influência determinante na forma como os seus filhos vivem o desporto. O apoio dos pais divide-se em três grandes dimensões: apoio instrumental, que inclui aspetos como ajuda financeira e deslocações aos treinos; o apoio emocional, que se traduz durante as competições e o encorajamento; e o apoio por modelagem, quando crianças e jovens aprendem por imitação dos modelos que têm. Assim, os comportamentos e atitudes dos pais vão determinar, em parte, os dos filhos. Atletas cujos pais demonstram comportamentos de fair play, por exemplo, têm maior probabilidade de exibir os mesmos comportamentos.

- Encorajar a participação desportiva
- Perceber os objetivos do/a filho/a e envolver-se positivamente
- Manter o ganhar como um objetivo a longo prazo e focar antes o rendimento
- Colaborar com o treinador, sem se intrometer no seu trabalho
- Reforçar o comprometimento do/a filho/a no desporto e o assumir de responsabilidades
- Reforçar a evolução, progresso e esforço e não sobrevalorizar as comparações
- Representar um modelo positivo
 



Conselhos para treinadores e equipas técnicas

Treinadores e monitores têm um desafio pela frente. São frequentemente os que mais contacto têm com os pais e são, eles próprios, um modelo para as crianças e jovens que treinam, assumindo uma grande responsabilidade pelo seu crescimento e desenvolvimento.

Os treinadores devem estar em alinhamento com a direção do clube, garantindo a consistência na aplicação de regras. Qualquer treinador beneficiará da ação de um psicólogo do desporto, neste e noutros assuntos. O psicólogo pode assumir o papel de formador dos pais, equipa técnica, direção e dos próprios atletas, contribuindo para aumentar o conhecimento de todos os intervenientes. Ao mesmo tempo, as competências de comunicação que possui são úteis para negociar soluções e gerir conflitos.

Finalmente, há que ter em conta a influência que o treinador tem nos seus atletas, como líder e modelo. É fundamental que o treinador demonstre comportamentos e atitudes corretos, em todos os contextos, coerentes com o seu discurso. Acima de tudo, coerentes nos vários contextos – não adianta o discurso no treino enfatizar o fair play se no jogo incentiva os seus atletas a comportamentos violentos.