Arnaldo Vieira, o primeiro diplomado da nossa Escola de Engenharia

18-02-2023 | Catarina Dias | Fotos: Nuno Gonçalves

Arnaldo Vieira nasceu em 1956 em Moçambique. Chegou a Portugal em 1974

Foi um dos 240 alunos que formaram as primeiras turmas da UMinho, que abriu as suas portas em 1975

Arnaldo Vieira olha para a evolução da UMinho com bons olhos. “A região deve muitíssimo à Universidade do Minho”, realça o ex-aluno de Engenharia Têxtil

O mapa das instalações da academia, conforme o "Guia da Universidade do Minho 1980-1981"

O balcão de informações gerais para alunos funcionava na ala direita do edifício da Reitoria, a atual Galeria do Paço

Pormenor de dois espaços laboratoriais na altura

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O aluno nº 30 da UMinho fez história a 30 de dezembro de 1979, ao concluir o bacharelato em Engenharia Têxtil.





Em 1975/1976 entraram em funcionamento os cursos de Engenharia Têxtil e Metalomecânica, de Línguas Vivas e Relações Internacionais, bem como de Formação de Professores de Francês-Português, Inglês-Português, Matemática e Ciências da Natureza. No ano seguinte abriu o curso de Formação de Professores de Ciências Sociais e o de Engenharia de Produção - ramos de Têxtil, Metalomecânica e Sistemas. Em 1977/1978 iniciou o ramo de Transformação de Materiais Plásticos do curso de Engenharia de Produção. Ainda segundo o Relatório do Conselho Pedagógico da UMinho publicado em março de 1979, os cursos de bacharelato viriam a ser extintos no final do ano 1980/1981, dando gradualmente lugar a licenciaturas.

Recorda-se do seu primeiro dia na UMinho?
Lembro-me dos meus primeiros dias, que foram de alguma confusão e novidade em relação ao que era a Engenharia Têxtil. Foi também uma fase de habituação aos colegas. O nosso grupo era relativamente heterogéneo, com algumas pessoas da minha idade, outras mais novas e um número considerável de colegas mais velhos que não tinham ingressado no ensino superior por causa de alguns adiamentos causados pelo 25 de Abril. A entrada na Universidade é sempre um choque, mas a integração foi muito fácil e rápida.
 
Como era a UMinho naquela altura?
Conheci vários “polos” da Universidade. As primeiras aulas foram dadas no Largo do Paço, que não tinha grande conforto térmico. Também tivemos aulas em instalações da UMinho, na Rua D. Pedro V, em Braga, e no Palácio de Vila Flor, em Guimarães, o que gerou polémica na altura porque não era suposto termos aulas nas duas cidades. Recordo-me de sentir dificuldade em perceber alguns dos professores que tinham metodologias de ensino muito diferentes do que estava habituado no liceu. Em alguns casos até parecia que davam a matéria em língua estrangeira [risos].



“Não houve festas no 1º ano porque éramos muito ingénuos”
 
Como era a relação com os professores e funcionários?
O contacto era muito próximo. Aliás, foi dada a oportunidade a alguns professores e funcionários para morarem naquela que foi a primeira residência universitária da UMinho, situada Rua do Forno, em Braga. Lembro-me do professor Jaime Rocha Gomes ter sido meu companheiro de residência durante um ou dois anos. Devo muito ao dr. Armando Osório, então administrador dos Serviços de Ação Social, porque sem ele não teria chegado onde cheguei, ao dr. Aguilar Monteiro, diretor dos Serviços Académicos, bem como aos professores Mário Duarte de Araújo, Jaime Rocha Gomes, Chainho Pereira e Hernâni Maia, com quem tive as primeiras aulas de Física e Química no ensino superior, respetivamente. Com o professor José Esgalhado Valença aprendi muito sobre computadores e com o professor Carlos Couto sobre Eletrónica. Sem eles não teria chegado onde cheguei!
 
Já se organizavam convívios?
Não houve festas no 1º ano, porque éramos muito ingénuos e bem-comportados e não sabíamos bem ao que vínhamos [risos]. Começaram a realizar-se no ano seguinte na residência universitária. Foi lá que conheci a minha mulher, que frequentava o curso de Formação de Professores em Inglês-Português. A imagem mais forte que ficou dessa época foi a da proximidade e da informalidade, porque éramos todos amigos. Éramos pouco mais de 200 estudantes no total, entre cursos de Engenharia e de Ensino. A UMinho abriu-me caminhos para a vida, para o mundo de trabalho e para o convívio com pessoas extraordinárias que se tornaram amigos íntimos. Organizamos ainda hoje encontros semestrais e falamos todos os meses.

E como surgiu o bacharelato de Engenharia Têxtil? Já tinha interesse pela área?
Não, Engenharia Têxtil surgiu primeiro no catálogo de cursos da UMinho [risos]. E como não tinha muita queda para o ensino, acabei por olhar mais para os cursos de Engenharia, até porque a minha família é maioritariamente constituída por engenheiros. A área de Metalomecânica não me dizia muito e Engenharia Têxtil despertou-me a curiosidade. Nem sequer sabia que existiam processos têxteis [risos]. Comecei a interessar-me pelo setor quando percebi que o fio, a malha, o tecido e o tingimento passavam por processos extremamente complexos e muito atraentes. Demorei mais tempo do que o normal a concluir o curso, porque comecei logo a trabalhar numa fábrica. Foi o professor Mário Duarte de Araújo que me levou para a especialização das malhas e deu um empurrãozinho para o meu primeiro emprego e, depois, para terminar o bacharelato - um bocado forçado por ele, confesso! Fui o primeiro aluno formado pela Escola de Engenharia, em 1979.

Naquela altura quase que bastava ter o canudo para conseguir um bom emprego...
Todos os alunos da Universidade do Minho da minha geração conseguiram emprego imediato. Era bastante mais fácil, comparativamente a hoje.
 


A Universidade que transformou a região
 
Ver nascer uma universidade nova em Braga e Guimarães foi motivo de esperança e orgulho para a região?
Sem dúvida! Foi uma revolução enorme no distrito de Braga. A região deve muitíssimo à UMinho. Houve uma grande transformação na sociedade, na cidade, no concelho e no distrito graças à UMinho que trouxe com ela um pensamento novo e uma abertura enorme em termos de relações sociais. A Universidade deu lugar a acontecimentos, comportamentos e relacionamentos novos. Não querendo ser exagerado na minha apreciação, éramos um bocado ingénuos e muito puros e solidários de uma maneira geral. Não havia grandes maldades, o que costuma ser mais natural em grupos mais pequenos.
 
Ingressou na UMinho em dezembro de 1975, poucos meses depois da queda da ditadura. Como descreve o ambiente?
Havia muita coisa a acontecer em Portugal. Surgiram novos comportamentos e formas de pensar, as manifestações ocuparam as principais cidades do país e novos partidos começaram a ganhar força. Em Braga sentiu-se alguma agitação, não como em Lisboa e no Porto. Houve sedes de partidos queimadas e momentos mais turbulentos. Tomei o meu partido, defendi a minha dama, mas nada que influenciasse extraordinariamente o meu quotidiano.
 
Como foi a sua integração no mercado de trabalho?
O meu primeiro emprego foi na Fábrica de Malhas do Mondego, que era a maior fabricante de malhas de interiores da Península Ibérica. Assumia um cargo de chefia. A empresa tinha 2 mil colaboradores e produzia 72 mil peças por dia. Depois fui trabalhar para a F.I.L. – Fiação do Leça, com mais de 700 pessoas. Cheguei a criar uma empresa de confeções, dar formação e prestar consultoria. Hoje faço inspeção de mercadoria destinada à exportação. Engracei por uma área que sempre me agradou muito, mesmo antes da Universidade, que é a área da qualidade. Aliás, a única cadeira de licenciatura que decidi fazer foi “Fiabilidade e Controle de Qualidade”. Trabalho cerca de 12-13 horas por dia e ao sábado faço seis horas. É um pouco extenuante, não me orgulho disso, mas enquanto tiver saúde, discernimento e força seguirei o comboio.
 
A UMinho de hoje deixa-o orgulhoso?
Sem dúvida! A UMinho tinha de crescer como cresceu, estando na região onde está inserida e tendo setores de atividade tão chamativos à sua volta.
 
A época de estudante deixou saudades?
Deixou saudades fortes, amizades fortes e experiências fortíssimas! Que saudades sinto dos convívios e das pessoas. Não tínhamos o Enterro da Gata e a Semana Académica, mas tivemos os nossos momentos. Como éramos poucos, tínhamos mais espaço para dançar e a concorrência não era tanta [risos].