Susana Cerqueira, a cientista coreógrafa

31-03-2023 | Catarina Dias

Susana Cerqueira tem várias paixões na vida, além da ciência. Nos seus tempos livres, aproveita para dançar, algo que a inspira desde criança. Descobriu mais recentemente a escrita escrita.

No dia em que recebeu o Prémio "Woman in Neurotrauma Research VISA Award", atribuído pela National Neurotrauma Society

Depois da apresentação de um poster numa conferência sobre Neurociências na Califórnia, nos EUA

Na Madeira numa conferência com colegas do i3Bs - Instituto de Investigação em Biomateriais, Biodegradáveis e Biomiméticos da UMinho

Em Bonn, na Alemanha, durante a estadia no DZNE - German Center for Neurodegenerative Diseases

Jantar com amigos da UMinho no início do doutoramento

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Licenciada e doutorada pela UMinho, a bracarense de 39 anos está na Universidade de Clemson, EUA. É ainda professora de ballet, bailarina, coreógrafa e mentora internacional de alunos da UMinho.




Susana Cerqueira trabalhou no Centro Alemão para Doenças Neurodegenerativas (Alemanha) e na Miller School of Medicine (EUA), dedicando-se aí ao estudo de lesões na medula espinal. Foi conselheira em Miami Dade para o (re)abrir de escolas na era covid, pivô local da Portuguese American Postgraduate Society e está agora na Universidade de Clemson, ainda na costa leste dos EUA. 

Recorda-se do seu primeiro dia na UMinho?
Tenho memória de fazer a minha inscrição no curso numa sala do CP2, no campus de Gualtar, em Braga, e de achar que a arquitetura do edifício era peculiar e interessante. Recordo-me também dos primeiros colegas de curso que conheci. São amizades que duram até hoje.
 
O que a levou a escolher Biologia Aplicada?
O fascínio e a curiosidade em perceber como todos os processos que ocorrem na Natureza estão interligados de forma perfeita. O meu professor de Biologia no ensino secundário era um apaixonado pelo tema e contagiou-me com o seu entusiasmo. Quando comecei a ter aulas práticas e percebi como se podem manipular os sistemas biológicos, quer para compreender, quer para tentar reverter erros ou patologias, senti que queria explorar essas possibilidades no futuro. O facto de o curso de Biologia Aplicada na UMinho ter uma componente mais aplicada diferenciou-o dos tradicionais cursos de outras faculdades.
 
Como passou de Biologia Aplicada para o doutoramento em Engenharia de Tecidos, Medicina Regenerativa e Células Estaminais?
O que me motiva mais em investigação científica é encontrar soluções para problemas médicos. Este doutoramento do I3Bs pareceu-me ser uma boa opção para aprender e desenvolver tecnologias inovadoras, nomeadamente o uso de biomateriais multifuncionais como agentes terapêuticos e, também, como meio para direcionar medicamentos a tecidos patológicos. As tecnologias que estão a ser desenvolvidas nas áreas de engenharia de tecidos são muito promissoras!
 
Que momentos da vida universitária deixaram mais saudades?
As relações de amizade e a rede de apoio construída durante o percurso académico são o que deixa mais saudades. Fiz grandes amigos durante a licenciatura e o doutoramento. Continuo ligada à academia agora como mentora internacional de alunos da UMinho, o que é um privilégio. Poder contribuir na formação dos mais novos é, sem dúvida, uma retribuição pelo excelente ensino que tive em Portugal. Tenho muito gosto em estabelecer pontes através de iniciativas que aproximam os EUA e Portugal, porque me mantém ativamente ligada ao meu país de origem.



Lugar para a criatividade na Ciência
 
Como surgiu o seu interesse pela carreira científica?
Em criança nunca me imaginei a ser cientista. Achava que ia viver do meu lado mais criativo [risos]. Mas cedo percebi as dificuldades da carreira artística em Portugal, o que me levou a seguir os conselhos de familiares e amigos e a enveredar por um percurso “com mais saídas profissionais”. Nesse processo descobri uma paixão pela Ciência, onde consigo também fazer uso da minha criatividade.
 
De que forma?
O processo criativo pode ter um papel importante na busca de soluções inovadoras em investigação científica. Grandes descobertas podem ser fruto de uma procura de explicações para fenómenos, fazendo uso da criatividade. O processo de avaliação é depois muito informado e segue regras definidas, mas a colocação de hipóteses pode ser um processo altamente criativo.
 
Em que fase da sua vida surgem os EUA? Fez várias escalas pelo meio...
Os EUA surgem por acaso durante o meu doutoramento, numa conversa sobre um projeto que estava a apresentar numa conferência internacional de neurociências, na Califórnia. A cientista Mary Bunge, muito reconhecida na área, demonstrou interesse no meu trabalho. Como eu tinha uma bolsa da Fundação para a Ciência e a Tecnologia que me permitia fazer estadias internacionais, pedi aos meus orientadores para visitar o instituto onde ela desenvolvia o seu trabalho nos EUA. A Eslovénia e a Alemanha vieram mais tarde como resultado de prémios e apoios para colaborações internacionais entre laboratórios. Acredito nas mais-valias da ciência colaborativa e interdisciplinar, por isso tento sempre procurar oportunidades de visitas a laboratórios para explorar e aprender novas técnicas.
 
Explique-nos o que investiga e o que pretende alcançar com o seu trabalho?
Desde que comecei a fazer investigação que a minha motivação é desenvolver soluções terapêuticas para problemas neurológicos. Neste sentido, tenho explorado estratégias que permitem controlar ambientes neuro-inflamatórios que, por vezes, obstruem o processo regenerativo. Dedico-me, por exemplo, a investigar o uso de nanomateriais que permitem a libertação controlada de agentes terapêuticos de forma temporal e espacialmente definida, o que no sistema nervoso central é difícil. Tenho também estudado o potencial de terapias celulares em lesões neuro-traumáticas e proposto formas de maximizar o impacto da administração de diferentes células autólogas [feitas com material do corpo do próprio paciente] nestas patologias. O modelo de doença que mais tenho usado na minha investigação é o de lesões medulares. De uma forma muito idealista, o que pretendo é ajudar a encontrar melhores formas de diagnóstico e tratamento de doenças que afetam o sistema nervoso central.
 


Com a pandemia descobriu a escrita criativa
 
Neste mês do Dia Internacional da Mulher, que dicas deixa às alunas que desejam apostar numa carreira internacional ou que querem ser cientistas no futuro?
Valorizo muito experiências internacionais. Por isso, a minha primeira dica seria para procurarem oportunidades de estágios fora do país. Estejam abertas a aprender e a interiorizar novas formas de ver e viver o mundo segundo a perceção de outras culturas, sem julgamento. A minha experiência internacional tem sido muito enriquecedora nesse sentido de alargar perspetivas. Mais: quando descobrirem a vossa paixão e o que vos motiva, sigam esse percurso sem hesitar. Não se deixem intimidar e desmotivar por pessoas que não acreditam no vosso projeto ou que simplesmente não vos apreciam. Pensem nos vossos porquês, para vos ajudar a manter o foco. Não prestem muita atenção aos desmotivadores e sejam graciosamente determinadas. É um conselho importante que me foi deixado há anos por uma das minhas mentoras. Invistam também na vossa vida pessoal, para que seja satisfatória e vos equilibre. Quando todas as esferas da nossa vida estão niveladas, tudo acontece de forma natural e fluída.

Quando não investiga, vira-se para a dança. Que outros hobbies a fazem sorrir?
A dança foi uma parte muito importante da minha formação. Surgiu de forma inocente quando os meus pais me inscreveram na Companhia de Dança Arte Total, em Braga, sem que eu quisesse. Fui um bocado forçada, na verdade, mas depois de começar nunca mais consegui parar. Até fiz o curso para professora de ballet e cheguei a dar formação vários anos. Embora não dê tantas aulas e espetáculos como quando vivia em Portugal, a dança continua comigo, onde quer que esteja, ocupando sempre espaço na minha vida. Tenho este ano alguns projetos neste âmbito, quer de estabelecimento de intercâmbios artísticos entre Portugal e os EUA, quer de planos de coreografia para uma peça de dança contemporânea em Portugal. Recentemente, comecei também a explorar um novo hobbie, a escrita criativa. Durante a pandemia participei em workshops com autores portugueses e fiquei surpreendida com a vontade que senti em descobrir a minha voz na escrita. É um interesse que continua a crescer e que também quero manter.
 
Gosta de morar na costa leste dos EUA?
Sim, gosto! Já considerei ir trabalhar para a Califórnia, na costa oeste, mas o facto de ser tão longe de Portugal desencantou-me. Optei por ficar deste lado e ter apenas um oceano de distância a separar-me de “casa”. A costa leste tem desde clima tropical no Sul até temperaturas mais frias na zona Norte, além de várias cidades e locais de interesse que vale a pena conhecer.
 
Portugal é uma paragem obrigatória quando está de férias? Pretende regressar de vez?
Absolutamente! Aliás, nem tenho explorado outros destinos turísticos recentemente, uma vez que dedico as minhas férias a visitar Portugal e as minhas pessoas queridas que por lá vivem. Não há nenhum outro sítio no mundo onde me sinta mais confortável e à vontade como em Portugal. Em relação ao regresso, talvez possa acontecer, mas penso que não será em breve. Neste momento da minha vida, faz sentido para mim continuar nos EUA.



  As suas preferências
 
  Um livro. “Memorial do Convento”, de José Saramago.
  Um filme. “Eternal Sunshine of the Spotless Mind”, de Michel Gondry.
  Uma série. “Ted Lasso”, de Jason Sudeikis, Bill Lawrence e Joe Kelly.
  Uma música. “Blackbird”, dos Beatles.
  Um clube. Sporting Clube de Braga.
  Um desporto. Escalada, uma descoberta recente.
  Uma viagem. Índia, com amigos e um casamento indiano.
  Um vício. Caramelo.
  Um prato. Arroz de tomate com sardinhas fritas.
  Uma personalidade. Rosalind Franklin, uma cientista britânica muito talentosa que nunca em vida recebeu reconhecimento pela sua contribuição crucial na descoberta da estrutura helicoidal da molecula de DNA.
  Um momento. Um pôr do sol visto do topo do Bom Jesus.
  UMinho. Crescimento.