Homenagem a Santos Simões

19-05-2023

Wladimir Brito

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Wladimir Brito

O saudoso professor, político e agente cultural nasceu há 100 anos. Esteve na comissão instaladora da UMinho (1975-81), presidiu a Sociedade Martins Sarmento (1990-2004) e ajudou a criar a Casa de Sarmento, a unidade diferenciada da UMinho em Guimarães, entre tantos feitos.



1. Joaquim Santos Simões, ainda como estudante na Universidade de Coimbra, tomou consciência de que se impunha lutar contra a ditadura salazarista que amordaçava política e culturalmente o país, iniciando a sua luta política contra a ditadura, que fazia também através de organizações culturais. Nos anos 50 do século passado veio viver para Guimarães, onde como professor do ensino secundário prosseguiu essa luta, agora como pedagogo e como político integrado num grupo de cidadãos que ficou conhecido por Democratas de Braga.

2. Ao longo da sua luta contra o fascismo, e mesmo após o derrube da ditadura, com o 25 de Abril de 1974, Santos Simões assumiu sempre que a luta política teria de ser sempre acompanhada pela luta cultural orientada para a consciencialização dos jovens, por entender a formação de novas mentalidades era determinante para a consolidação da democracia. Para tanto, não só desenvolvia actividades no terreno da luta política e cultural, como teorizava a pedagogia e questões culturais em livros, artigos e em discursos intencionados para objectivos práticos. Numa palavra antes e depois do 25 de Abril, Santos Simões orientou toda a sua actividade política, no sentido lato, nessa dupla prática, a que o filósofo francês Louis Althusser denominou de prática-prática e pratica-teórica, em que articulava a política e a cultura.

3. Na prática política, desenvolveu com os seus companheiros de luta um conjunto diversificado de combates contra o fascismo, nas frentes clandestina, eleitoral e pública, combates de que resultaram a sua expulsão da função pública onde exercia a função de professor, seguida pela sua prisão pela PIDE/DGS. A coragem, a seriedade, a frontalidade e a dignidade com que desenvolvia essa sua prática política, bem como o seu papel nessa luta foram reconhecidos por todos os Democratas de Braga e, em Guimarães, por aqueles que nela não participavam e por aqueles afectos ao regime fascista, sendo de notar que a própria polícia política o considerava um líder carismático com forte influência sobre a juventude viamaranense. Santos Simões granjeou, assim, a nível local e nacional o respeito e o reconhecimento de todos. Considerado um político sério, corajoso e virtuoso (no sentido e com a relevância cívico-política que os filósofos gregos davam à virtude), não hostilizava, mas combatia por ideias.

4. Mas a luta de Santos Simões é também na frente cultural. Podemos mesmo dizer que ele põe em prática a tese de António Gramsci sobre o papel da cultura na luta política e nas transformações sócio-políticas. Nessa frente, Santos Simões revelou através dessa sua prática cultural, dos seus escritos e intervenções públicas que a luta cultural não podia dissociar-se da luta política, que o processo transformador das mentalidades pela via cultural era mais lento do que o político e que a intervenção da área da cultura era essencial para o efeito. Este entendimento gramsciano da imbricação da política com a cultura leva-o a dedicar a sua atenção aos jovens, em especial aos alunos, estimulando-os para a realização de actividades culturais no seio de associações cuja criação promovia e em cujas actividades participava. Pela via da acção cultural formava novos quadros de que a consolidação da democracia viria a necessitar. No quadro dessa sua luta, Santos Simões traçou como objectivo democratizar a Sociedade Martins Sarmento, o que implicava a luta eleitoral pela conquista da direcção dessa Sociedade, que ele liderou com enorme mestria, acabando por ser eleito e por assumir essa tarefa. A sua acção como presidente da direcção foi decisiva para reactivar as diversas dimensões culturais e científicas dessa Sociedade. A acção cultural de Santos Simões transformou radicalmente o panorama cultural vimaranense, de tal forma que alguém dizia numa conferência sobre a sua figura: a partir dos anos 50 do século XX, em Guimarães, não há associação cultural de relevo que não tenha sido criada por proposta sua ou com a sua participação. Reconhecimento maior é difícil de se conseguir.

5. Santos Simões integra a Comissão Instaladora da Universidade do Minho, transportando com ele essa sua concepção da cultura como agente transformador de mentalidades, que irá orientar toda a sua acção como membro dessa Comissão. Através da sua prática-teórica, consubstanciada em discursos e outros textos escritos, revela as suas qualidades de pensador também do ensino superior e dos modelos da sua democratização; através da sua pratica-prática, desenvolve acções de natureza cultural, propõe a realização de um conjunto de actividades culturais relevantes para a formação dos estudantes e para a difusão da cultura. Essa sua intervenção contribuiu para que no meio académico fosse reconhecida a relevante qualidade e importância da sua prática-teórica no domínio da pedagogia crítica, como, aliás, numa Homenagem que lhe foi feita, realçou o professor Lícinio Lima numa excelente intervenção escrita adrede feita.

6. Finalmente, importa dizer que Santos Simões, como líder político, não era consensual, nem estava muito preocupado em pôr em prática a teoria do diálogo para o consenso defendida por Habermas. A sua forte personalidade e determinação levou-o, na luta política local em plena democracia a duros combates, quer em épocas de eleições quer no quotidiano da vida política, que causaram sérios choques políticos com alguns dos seus opositores, que afirmaram a sua estatura cívico-política e o respeito que granjeara, tendo sido agraciado com a Medalha de Ouro da Cidade de Guimarães e com o Grande-Oficialato da Ordem do Infante D. Henrique.


Professor jubilado da Escola de Direito da UMinho e membro da comissão dos Democratas do Distrito de Braga