Spin-off da UMinho recorre ao cânhamo para promover a bioconstrução

30-11-2023 | Daniel Vieira da Silva

Natura Matéria é uma spin off da Universidade do Minho

César Cardoso é o responsável por esta spin off que trabalha em torno da bioconstrução.

Exemplo da utilização de cânhamo para produção de paredes.

Pormenor da Casa Moinho de Água, em Fafe.

Projeto da casa social em betão de cânhamo com apoio da Esposende Solidário, Município de Esposende e Portugal Inovação Social

Betão de cânhamo para produção de painéis prefabricados no âmbito da Pós Graduação em Arquitetura Sustentável 2023

Blocos de Cânhamo resultado da parceria de I&D com a empresa Cânhamor, Lda.

Betão de cânhamo em piso de madeira num moinho de água em Fafe

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Natura Matéria aposta na construção sustentável e o cânhamo pode garantir conforto térmico, regulação de humidade, flexibilidade e adaptabilidade.

“O cânhamo é, verdadeiramente, uma alternativa verde”. Foi por aqui que começou a conversa do NÓS com César Cardoso, gerente da Natura Matéria, uma spin-off da Universidade do Minho (UMinho) que tem desenvolvido várias soluções baseadas no conceito de economia circular e habitação saudável.


Mas afinal o que é, quais as caraterísticas e onde pode ser utilizado o cânhamo?

Comecemos pelas aparas de cânhamo. Estas precisam sempre de um aglutinante para que se possa fabricar a mistura compósita que se designa por betão de cânhamo que tem características isolantes e acústicas, de regulação hídrica e térmica, de proteção e resistência ao fogo, ao mesmo tempo que permitem que seja aplicado como solução construtiva com função integrada de isolamento em paredes, coberturas, pisos. É importante salientar que o betão de cânhamo não tem propriedades estruturais, mas pode ser usado com uma estrutura integrada de madeira, aço ou betão armado. Outro aspeto a salientar é que no exercício da arquitetura e dentro dos cenários frequentemente encontrados o material permite muita flexibilidade e adaptabilidade.

Quando utilizada numa construção nova, uma parede de fachada simples em betão de cânhamo ou blocos de cânhamo, esta pode ser uma solução alternativa às paredes simples com sistema de isolamento térmico pelo exterior “ETICS”, vulgarmente conhecido por sistema capoto. Em reabilitações o material pode ainda ser aplicado para reforçar o isolamento térmico de paredes, pisos e cobertura e tem sido bastante usual aplicar-se em argamassas pelo interior de edifícios antigos para aumentar o conforto térmico e regulação de humidade. Ou seja, muitas vantagens na utilização deste material.

Em conversa com o NÓS UMINHO, o ex-aluno da UMinho, explicou que o cânhamo, sendo uma planta de rápido crescimento, com pouco consumo de água, "pode atuar como captador de dióxido de carbono podendo ser potencialmente utilizado na indústria da construção e do isolamento apresentando um desempenho semelhante à madeira, o que é extraordinário considerando o curto período entre início do cultivo e a colheita e o volume de produção”. É por esta razão que a Natura Matéria considera esta solução construtiva “uma alternativa às soluções tradicionais existentes menos sustentáveis para aplicações em paredes exteriores”, uma vez que dispensa a aplicação de isolamento térmico e, com isso, dispensa também argamassas de colagem, rede de reforço e acessórios de fixação.

Mas e se continuarmos a perceber que vantagens se conquista com a aplicação do cânhamo, rapidamente percebemos que estas formam uma vasta lista. Uma das mais visíveis é a de que a utilização do cânhamo, para além das claras vantagens ambientais, pode permitir construir com “Carbono Zero” com a vantagem de ter a possibilidade de um único pano de parede poder cumprir com as maiores exigências de desempenho térmico impostas pelos regulamentos em elementos de envolvente opaca em Portugal, sem necessidade de isolamento térmico adicional. Paralelamente, a utilização deste material representa um bom desempenho acústico com soluções leves e elevada absorção sonora, um elevado desempenho térmico para espessuras superiores a 25 cm através de uma parede que respira devido à elevada permeabilidade ao vapor de água do material. A aposta no cânhamo apresenta, por isso, na opinião de César Cardoso, “soluções construtivas simples e de rápida de montagem, sem necessidade de outros sistemas integrados e potencia a redução das camadas de construção".


 Know-how da UMinho na base da Natura Matéria
 
A spin-off Natura Matéria surgiu logo depois da pandemia e após a empresa onde César Cardoso trabalhava ter sido forçada a fechar portas. A ideia na base da conceção da Natura Matéria foi a de desenvolvimento de materiais naturais adaptados à obra, algo que não existia a nível nacional, utilizando para isso alguma da tecnologia e conhecimento gerado na UMinho. Para César Cardoso foi “como voltar a casa após longos anos”, pois foi na academia que desenvolveu atividade de I&D e docência. A spin off tem como mentores o professores da UMinho, Aires de Camões, Rute Eires e ainda Paulo Mendonça.

Entretanto, a ligação à UMinho continua bem presente no dia a dia da empresa que “continua a desenvolver atividades I&D juntamente com a Universidade”. No entanto, César Cardoso lembra que a I&D não se limita à indústria. Assim, a Natura Matéria tem atualmente um projeto de uma habitação nova de taipa estrutural de cerca de 130 m3 utilizando o solo local como material de construção e que será edificada em Melides, Grândola. O projeto de arquitetura é da autoria do Gabinete Studio 3ª e envolve o Laboratório de Estruturas da Universidade do Minho (LEST) e o Laboratório de Materiais de Construção da Universidade do Minho (LMC).

Neste momento a Natura Matéria é uma empresa que presta serviços de consultoria e comercializa produtos para a construção que respeitem as novas exigências do mercado, em termos de sustentabilidade. A sua prioridade passa por estimular uma cultura de inovação na arquitetura moderna, ao nível dos projetos e das obras, recorrendo a materiais naturais ou reciclados, de baixo impacto ambiental. O objetivo é transformar o conhecimento gerado em investigação e desenvolvimento em resposta a projetos específicos.
 

Preço não é entrave à utilização desta solução

Segundo César Cardoso, “existe a ideia generalizada que o custo de construção sustentável é bastante superior à construção tradicional, existindo a perceção que o custo extra pode variar entre 10 a 30%”, algo que se confirma, de facto. “No entanto essa diferença atenua-se quando comparamos com soluções equivalentes onde o preço pode até ser inferior”, explicou o responsável que lembrou ser importante ter em conta, para além dos aspetos económicos, “os critérios que direcionam a escolha do cliente e que devem incluir o desempenho térmico do edifício, a durabilidade, a facilidade de implementação e os impactos sobre o ambiente e saúde”.

Maior consciência ambiental na construção. É possível?

“Apesar de sabermos que na hora da escolha dos materiais nem sempre o mais em conta será o ideal para a obra, a questão económica ainda é o critério mais importante”, começou por reconhecer César Cardoso. O responsável considerou, por isso, que no caso do cânhamo, atendendo à margem de progressão, “faz falta o aumento da massificação do cultivo do cânhamo industrial em Portugal, com processamento para obtenção de aparas e fibras de qualidade para a construção e a um preço competitivo”. O gestor da Natura Matéria acredita que esse avanço, conjugado com novos e modernos processos de produção industrial pode, a curto prazo, "tornar o produto mais competitivo face às soluções mais tradicionais menos sustentáveis”, sublinhando que atualmente, face ao investimento em Portugal nessa matéria, "é de prever que o cultivo de cânhamo cresça, à semelhança do que acontece noutros países da europa, tornando oferta de preço mais competitiva”. “A forma de pensar na construção está a mudar e prevê-se que o mercado da construção sustentável cresça, considerando a consciencialização ambiental e maior exigência dos consumidores de edifícios mais eficientes, económicos e saudáveis”, frisou. “O mercado está naturalmente a abrir-se para estas soluções, também resultado do aumento de preços dos produtos, de uma maior consciência ambiental e por ser uma prioridade estratégica a nível Europeu.”, concluiu.


 Uma Casa Moinho d'Água reconstruída com base dos materiais naturais

  

É ao chegar a Guimarães que nos podemos deparar com uma casa que partilha dos métodos e materiais construtivos defendidos e utilizados pela Natura Matéria. O alojamento local HouseNatura - Moinho D'Água é um local onde se sente a consciência ambiental em toda a linha. Trata-se de um moinho antigo, provavelmente da era medieval ou da idade moderna, cuja habitação no piso superior terá sido construída em 1928 e se encontrava em estado de degradação.

O conceito de projeto foi de manter um compromisso entre o antigo e o contemporâneo, tanto nas técnicas de construção, como nos detalhes de arquitetura. A opção pelo uso de materiais naturais e tecnologias de construção baseadas nas técnicas tradicionais tiveram influência na arquitetura. Deste modo, foi possível construir com paredes  de espessura reduzida, mas mantendo um bom desempenho. A estrutura de madeira e taipa de fasquio continuam presentes, mas de uma forma mais contemporânea. O uso de betão leve de cânhamo industrial, selecionado pelo excelente conforto térmico e acústico que proporciona, tem uma forte presença na casa, mantendo-se à vista em algumas paredes e no revestimento do teto.