Recorda-se do seu primeiro dia na UMinho? 

Perfeitamente. O dia em que fiz a matrícula está perfeitamente gravado, mas confesso que foi um dia bastante normal. Uns dias mais tarde, aquando do inicio das aulas, foi uma experiência mais desafiante, já que mostrou que os anos seguintes iam ser muito diferentes. Tudo era diferente, as pessoas, os professores e a adaptação demorou alguns meses. Não foi difícil, apenas diferente do contexto do ensino secundário.

 

A "academia minhota" foi a primeira opção? O que o levou o escolher o curso de Engenharia Mecânica? 

Sim, foi a minha primeira opção. Antes de ingressar, e ainda jovem, esse curso já "corria" na família, mas essencialmente tive uma grande curiosidade em querer compreender o funcionamento de sistemas complexos, como automóveis e aviões, vindo a materializar-se efectivamente nas turbinas eólicas, que são sistemas bastante complexos.

 

Como nos descreveria o seu processo de integração na UMinho?

Julgo que foi bastante normal. Participei nas praxes o suficiente para conhecer muitos colegas novos, mas, mais importante, tive a sorte de partilhar os anos seguintes com um grupo de colegas bom e dedicado, que puxava uns pelos outros para o sucesso comum. 

 

Da aprendizagem adquirida na universidade, o que se revelou mais importante para enfrentar os desafios da vida profissional? Encontrou grandes obstáculos na transição para o mercado de trabalho?

Desde o 2º até ao 5º ano tive a sorte de participar, integrado num pequeno grupo de colegas, num projeto único na altura, orientado pelo professor Heitor Almeida. Mal eu sabia, enquanto jovem, que este professor incrível iria impactar tanto a minha carreira profissional. Este grupo trabalhava em vários projectos no domínio da aerodinâmica industrial, como projetar e construir modelos funcionais de aeromodelismo para competições internacionais, passando por testes aerodinâmicos em túnel de vento, até à participação em projetos de investigação internacionais para desenvolvimento de UAVs. Foi sob a orientação desse professor que nasceu todo o interesse por aerodinâmica aplicada ao desenvolvimento de produto, no meu caso em turbinas eólicas. O professor desafiou-me e marcou-me, o que foi fundamental para criar uma visão para o futuro como engenheiro. A transição para o mercado não foi complicada, mas foi trabalhosa. Envolveu muito estudo complementar sobre uma nova área que, na época, não estava desenvolvida de todo em Portugal. Acabei por sair para a Dinamarca para aprender mais sobre o domínio de turbinas eólicas, especificamente sobre aeroelasticidade e controlo. As bases académicas eram boas, logo foi uma questão de muitas horas dedicadas a estudar, experimentar e testar.

 

Como foi a sua jornada profissional ao longo dos últimos 15 anos na criação de tecnologia para energias renováveis? 

Iniciei o meu trajecto profissional em 2007, ainda em Portugal. Estava a terminar a tese de mestrado quando comecei a estagiar numa empresa de consultoria no domínio da energia eólica. Mas o meu interesse e motivação era o domínio da aeroelasticidade e tecnologia de aerogeradores, nomeadamente aprender todo o processo de design de conceito inicial, maturação de arquitetura de sistemas, testes e validação. Queria aprender a projetar um aerogerador do princípio ao fim. Nos oito anos seguintes trabalhei na dinamarquesa Siemens Wind Power (hoje Siemens Gamesa) e passei por quase todas as fases do processo. Tive a sorte de encontrar pessoas incríveis, com vontade de ensinar e extremamente orgulhosas pelo conhecimento que partilhavam. Foi uma experiência incrível.

Regressou a Portugal.
Sim, em 2016. No ano seguinte, fui contactado pela Vestas Wind Systems para iniciar um centro de tecnologia no Porto. Aceitei o desafio de construir um departamento dedicado a aeroelasticidade, controlo e software - e foi uma viagem incrível. Quando começamos a atividade, estávamos quatro pessoas numa sala a fazer um plano estratégico a três anos. Passados seis anos, estão mais de 700 pessoas nesse mesmo centro tecnológico a desenhar as soluções de energia sustentáveis do futuro da Vestas. Entretanto, assumi desde 2020 a responsabilidade de vice-presidente em Loads & Control e passei a liderar uma organização global de cerca de 150 pessoas, dividida entre a Europa e a Ásia, que é responsável por toda a estratégia de otimização, performance e simulação de produto, assim como o desenvolvimento de novas tecnologias disruptivas da Vestas, seja para aplicação no mercado onshore ou offshore.

 

Quais são os principais desafios e oportunidades que vê no setor?

Os maiores desafios que a indústria está a ultrapassar são essencialmente divididos em dois elementos. Um é interno à própria indústria, fruto do rápido crescimento da última década, que levou a que todos os grandes fabricantes acelerassem o desenvolvimento e o lançamento de novos produtos, o que, em alguns casos, resultou em produtos que precisam de tempo para maturar a performance a longo prazo, assim como estabilizar as cadeias de produção e fornecimento, montagem e transporte. Já o elemento externo prende-se com as limitações da cadeia de valor para acompanhar o crescimento; por exemplo, o ritmo a que os navios de instalação offshore necessitam de ser atualizados para produtos maiores, o aumento de custos de matéria-prima e transportes pós-pandemia e, por último, precisamos de uma estratégia europeia que premeie a aceleração da transição energética, que promova as energias renováveis no mix energético do país.

Qual é a posição da Vestas?
A de redefinir o mercado, introduzindo produtos com elevada capacidade de configuração, sempre promovendo a melhor solução para o cliente com a qualidade necessária, que é efetivamente uma vantagem da Vestas, mas que não implique necessariamente aumentar o tamanho ou potência do produto, para que a cadeia de valor tenha tempo de rentabilizar o seu investimento e para que haja um verdadeiro ciclo de vida de aprendizagem do produto ao longo do tempo. Já vemos o mercado a começar a mostrar sinais promissores nesta direção, como libertação de financiamento para novos projetos usando métricas para além do levelized cost of energy (LCOE), investimento em infraestrutura de rede elétrica e sinais de vontade política europeia para melhorar o sistema de leilões.

 

Na sua opinião, Portugal está no bom caminho no que respeita à transição energética?

Temos um longo caminho pela frente. No que respeita à energia eólica, Portugal foi altamente inovador vários anos, permitindo a aceleração da introdução de tecnologia onshore e assegurando uma capacidade bastante interessante no contexto europeu. Para dar o próximo grande passo, e acelerar mais a transição energética num período de tempo razoável, temos que nos assentar em tecnologias geradoras de valor para o país, que não sejam apenas criadoras de postos de trabalho por si, mas sim de postos de trabalho altamente qualificado e diferenciado para os próximos 10 a 30 anos. Julgo que a tecnologia offshore poderia ser o veículo para esse passo. Precisamos de um efeito aglutinador da tecnologia e competências únicas que Portugal disponibiliza para o mercado mundial. Temos empresas com um sucesso incrível em áreas complementares às energias renováveis, que seriam incrivelmente benéficas de participar ativamente na transição energética, mas não existe incentivo para estas o fazerem. Por exemplo, temos no país algumas das empresas mais avançadas do mundo na inteligência artificial e aplicação em resolução dos problemas e desafios de saúde e finanças, mas muito limitada em resolver os desafios e limitações da transição energética em Portugal e pelo mundo. Há um mar de possibilidades para se motivar e alinhar as competências cá disponíveis para o objetivo comum de criar um futuro sustentável para as próximas gerações. 

 

Como um líder na engenharia equilibra o desenvolvimento de planos estratégicos com a inovação e a agilidade?

Eu diria uma definição muito clara do que não queremos fazer... Os planos estratégicos servem apenas como linha orientadora para acompanhar o desenvolvimento a longo prazo. Todas as empresas com algum sucesso se vão reinventando e ajustando continuamente, mas são muito claras sobre o que não querem fazer. Tentamos sempre balançar o desenvolvimento das pessoas, dos métodos e dos processos com respostas rápidas a desafios imediatos. Por exemplo, aumentar a competitividade de um produto através da maturação de uma tecnologia, que vai permitir aumentar a margem de lucro para nós e um maior benefício para o cliente, mas sem perdermos de vista os objetivos a longo prazo: desenvolver soluções sustentáveis para gerar mais energia verde. 

 

Enquanto responsável pelo desenvolvimento de novas tecnologias e produtos, que mensagem quer transmitir a quem vai entrar no mercado de trabalho?

Sejam curiosos, aprendam, perguntem. Repitam. Não necessariamente por esta ordem. O "não" como resposta é garantido, mas não se arrependam nunca de terem perguntado.

 

Poderia partilhar alguma experiência profissional que o tenha inspirado ou desafiado significativamente?

Sim, o desenvolvimento do primeiro protótipo de um aerogerador flutuante no mundo, Hywind, na Noruega, em 2009. Incrivelmente desafiante e uma lição de aprendizagem sobre como projetar, fazer, errar, testar e aprender.

 

É um dos mentores do Programa Mentorias UMinho. Que mais-valias acha que traz aos estudantes no desenvolvimento das suas competências transversais e na própria transição para o mercado?

Exposição a uma realidade muito diferente da académica. Aprenderem as competências humanas necessárias no contexto de trabalho e a orientação em casos práticos, desde como preparar um CV até como ter uma discussão enriquecedora numa entrevista de trabalho.

 

Para o setor em que trabalha, que importância tem a ligação às universidades?

Muito grande - e precisamos de muito, muito mais. A energia eólica vai continuar a fazer parte da indústria das renováveis durante muitos anos. Portugal tem um potencial único para se desenvolver e se envolver mais no futuro tecnológico da energia eólica, com uma meta clara: acelerar a nossa transição enérgica para um futuro melhor das próximas gerações.

 

Ainda mantém ligação com colegas da UMinho?

Sim, com antigos colegas de Engenharia Mecânica e de outros cursos, assim como de alguns professores.

 
 

As suas preferências   Um livro. "Medium raw", de Anthony Bourdain. Um filme. "Cinema Paraíso", de Giuseppe Tornatore. Uma série. "True Detective - Season 1". Uma música. "Fake plastic trees", dos Radiohead. Um clube. SL Benfica. Um desporto. Longboard. Uma viagem. Laos. Um vício. Cozinhar para amigos e familia. Um prato. Qualquer prato regional do Minho. Uma personalidade. O meu pai. Um momento. O nascimento da minha filha.