Marcas criam estratégias para prender os clientes

22-12-2023 | Nuno Passos

O fenómeno de ficarmos grudados a marcas ou aplicações designa-se internacionalmente como "sticky experiences"

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Primeira portuguesa com o Prémio Hunt/Maynard da Associação Americana de Marketing, Cláudia Simões mostra como o consumidor se "cola" a novos desafios das marcas e como isso mexe a sociedade.




As marcas estão a quebrar as regras usuais do marketing, em que o cliente mal controla o percurso de adquirir bens e serviços do seu interesse. Quem o diz é Cláudia Simões, presidente da Escola de Economia e Gestão (EEG) da Universidade do Minho, num artigo publicado no Journal of Marketing com coautores dos EUA e Reino Unido. “Na prática, as marcas constroem impérios a manter os clientes quase viciados, através de desafios que os deixam ‘colados’ a uma montanha-russa de experiências intencionalmente emocionantes e imprevisíveis”, diz a investigadora.

O artigo permitiu aos autores vencerem o Prémio Hunt/Maynard, da Associação Americana de Marketing, que é atribuído há quase 50 anos e destaca teorias que tendem a tornar-se essenciais. Aliás, isso já sucedeu neste trabalho de Cláudia Simões. A sua equipa tinha recolhido dados em Inglaterra e Alemanha para formular um modelo, que tem sido aplicado por marcas de lazer tão díspares como Netflix, Tinder, Nintendo ou CrossFit, mas pode estender-se a outros setores.

Vamos a exemplos desta teoria. A maioria dos videojogos já não tem fim como antes; há metas diárias, que muitas vezes só se atingem a pagar ou ver publicidade. Séries como Game of Thrones também têm reviravoltas épicas na narrativa, levando a maratonas frente ao ecrã. E os ginásios lançam treinos ainda mais variados e envolventes, passando-se do exercitar à obsessão.


Público fascinado e em sobressalto contínuo

“O gamer do Pokémon Go não joga, fica ali preso. Séries de TV previsíveis como ‘Lei e Ordem’ são trocadas pelas que encantam e enfurecem a audiência. Na Starbucks, qual o sabor de café novo que vou tomar ou qual o menu surpresa que vou experimentar a cada dia? Na Zara, que moda é lançada a cada quinzena ou mês? E as empresas como Spotify, TikTok e Facebook também mudam a indústria dos media, com opções e design que motivam as pessoas a partilharem e produzirem conteúdos e a consultarem as apps a toda a hora; até na cama, antes de dormirem”, enumera Cláudia Simões. “Não se trata aqui de tornar os serviços convenientes, satisfatórios ou leais. Há, sim, uma ‘espiral de envolvimento’ que mantém o público fascinado, em experiências caóticas, cheias de suspense e de busca permanente pela novidade e surpresa”, reforça.

As marcas procuram assim ficar donas do nosso tempo. Como? A primeira etapa é permitir a entrada rápida no seu serviço presencial/online, com acesso grátis e poucas perguntas. A segunda etapa é dar uma "variação infinita" de experiências, baseada em três técnicas: número amplo de elementos (exercícios no CrossFit, criaturas no Pokémon Go, usuários no Tinder); somar, subtrair e alterar com frequência esses elementos; e propor configurações exclusivas, incitando à compra ou mensalidade. A terceira etapa consiste em iniciar novos desafios para os clientes, logo que os atuais desafios percam força. A marca pode ainda cruzar “espirais de envolvimento” com as clássicas experiências previsíveis que conduziam à lealdade do cliente com o tempo.

Haverá aqui uma dependência tóxica do consumidor, como no jogo a dinheiro? Supostamente, as pessoas podem desvincular-se do vício recreativo a qualquer momento, como quando já têm parceiro. Porém, muitas não conseguem desligar-se. “A fronteira entre vício e lazer é ténue. Abre-se uma reflexão social sobre o papel de nos vigiarmos, o que estamos a produzir e para onde evoluímos como sociedade”, nota Cláudia Simões. Manter a autodisciplina diária é difícil. Para consumidores compulsivos, a resposta é cancelar a assinatura, excluir a app e ligar a alguém amigo. As marcas creem que a maioria dos clientes não o fará.



Nota biográfica

Doutorada em Estudos Industriais e Empresariais pela Universidade de Warwick (Reino Unido), Cláudia Simões é professora catedrática do Departamento de Gestão da EEG e investigadora do Núcleo de Investigação em Políticas Económicas e Empresariais (NIPE) da UMinho. Foi investigadora visitante no Instituto de Tecnologia da Geórgia, na Universidade Loyola Marymount (EUA), nas Escolas de Negócios de Warwick, de Henley e da Open University (Reino Unido) e na Universidade de Melbourne (Austrália). Colaborou com a AICEP Portugal Global, o Eixo Atlântico e o Advanced Institute of Management (Reino Unido), entre outros. É membro do Conselho de Curadores da Fundação Bracara Augusta, conselheira não executiva da InvestBraga, além de editora associada do European Journal of Marketing e do International Journal of Consumer Studies.