As ruas do futuro são para todos

30-11-2023 | Beatriz Mendes | Fotos: The Future Design of Streets

Ivo Oliveira

Capa do livro

Um pormenor do livro

A conferência anual

Momento de um webinar

Exposição na Ordem dos Arquitetos, no Porto (foto: Joana Graça/OASRN)

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O projeto “The Future Design of Streets” pretende dar uma nova vida às ruas: quase sem carros, para qualquer idade e para múltiplos fins, explica o professor Ivo Oliveira.




“The Future Design of Streets” nasceu num projeto de investigação, resultando em vários workshops, num livro, num curso breve e também numa associação, que quer contribuir para as políticas públicas e para o debate na sociedade. Os seus autores são Ivo Oliveira, professor da Escola de Arquitetura, Arte e Design (EAAD) e investigador no Laboratório de Paisagens, Património e Território (Lab2PT) da UMinho, o urbanista Daniel Casas-Valle e a arquiteta Catarina Breia Dias.

 
Como surgiu este projeto?
Partiu de um momento muito particular, quando estávamos confinados na crise pandémica. “Descobrimos”, à volta das nossas casas, um sistema de ruas que de repente perdeu grande parte da sua função. Por exemplo, grandes superfícies de asfalto que perderam o seu uso. De certa forma, para um arquiteto, esse vazio tinha um potencial qualquer. O que podíamos fazer com estas ruas? Surgiu então a componente digital. Eu tinha alguns trabalhos e proximidade com Daniel Casas-Valle, formado em Planeamento Urbano nos Países Baixos e doutorado em Arquitetura pela Universidade do Porto, que conhece bem quem atua no projeto das ruas no Norte da Europa. Dos encontros online, decidimos avançar com conversas regulares, em particular um webinar com especialistas que eu conhecia e outros que fui trazendo para falarmos sobre o futuro dos desenhos das ruas. A iniciativa tem uma edição anual.
 
Porque decidiram publicar o livro?
Andamos constantemente no espaço digital e a facilidade das conferências web tornou verdadeiramente ágil contactarmos colegas que estão mais longe. Por outro lado, sentimos que falta por vezes uma componente física, sobretudo para quem defende as ruas como um espaço de proximidade, de partilha, de encontro. Em 2022, decidimos avançar com duas iniciativas que têm uma componente física forte importante. A primeira foi uma conferência internacional com 200 pessoas, num auditório no Porto. Para aproximar experiências de diversos países e introduzir as nossas práticas nacionais, juntámos especialistas internacionais e muitos técnicos municipais, das divisões do urbanismo e do espaço público. A publicação do livro é outra dimensão. É verdade que temos muitos conteúdos online, muitas intervenções, mas torna-se algo difícil encontrar ou dar visibilidade aos denominadores comuns. Temos material registado em vídeo sobre intervenções nas ruas e que está no YouTube e na página oficial do projeto. Este património vai crescendo com o envolvimento das pessoas.
 
Quais as principais conclusões do livro?
Há temas recorrentes no desenho das ruas e o livro tenta dar visibilidade a tópicos transversais à maioria das intervenções, apesar de não serem forçosamente novos. Aqui, o contributo foi fazê-lo de uma forma mais sistematizada e pragmática. Não podemos dizer que seja um livro científico, ele tenta ser quase tático. A segunda parte da obra tem 10 tópicos sobre o futuro do desenho das ruas, que são centrais da mobilidade: a caminhabilidade, o andar a pé, as bicicletas, as trotinetes… Fala-se das ruas enquanto espaços de jogo, de participação, de biodiversidade, um tema fulcral para nós. As ruas não são só canais, são também as faixas de asfalto ou de outros pavimentos, arborizados, onde deve haver lugar para a flora e fauna. Se pensarmos hoje em tudo o que é a resposta da cidade, as ruas podem ter um papel único. Para mim, é também relevante o livro ser em português, porque se queremos transformar a forma como cá projetamos [e na lusofonia] é importante fazê-lo de uma forma mais acessível.
 

Municípios interessados

Este projeto pode contribuir para políticas públicas (a nível local, nacional ou supranacional)?
Acho que sim. O livro juntou duas pessoas: um arquiteto e um urbanista… entretanto, junta ainda a arquiteta Catarina Breia Dias, que ganhou uma bolsa para a Fundação para a Ciência e Tecnologia e vai ser aluna de doutoramento na EAAD. Percebemos que, desde que avançámos nestas atividades, temos recebido muitos pedidos de municípios. Por um lado, para apresentar o trabalho em eventos e aos técnicos municipais e até mesmo para organizar pequenos workshops sobre o desenho das ruas. Com o livro, com algum suporte nomeadamente da investigação do Lab2PT, e se tivermos capacidade de resposta a alguns destes desafios – dando formação, introduzindo o tema na agenda –, ele vai chegar junto dos decisores políticos. Com a pandemia, os municípios perceberam que a resposta de hoje e a adaptação das cidades não passa, seguramente, por fazer ruas iguais às dos anos 80 e 90. Acho que há disponibilidade para este tipo de projetos, construindo e implementando, definindo essas estratégias para que eles depois se concretizem.
 
Quantas pessoas já estiveram envolvidas no projeto?
Cada sessão tem três participantes e, ao longo de cinco meses, tivemos 45 especialistas investigadores, projetistas e cidadãos que desenvolvem projetos comunitários sobre o uso das ruas.
 
Qual tem sido o envolvimento do Lab2PT?
Desde o primeiro momento, tem mostrado disponibilidade para apoiar, da forma possível, o projeto, a própria publicação, a criação da página web e atribuiu uma pequena bolsa no âmbito da organização da conferência internacional.
 
Da parte da UMinho, quem tem participado?
Neste momento, sou o grande elo de ligação à UMinho. Nos webinars, participaram vários docentes da EAAD, levando experiências exemplares de investigação e de projeto nas ruas. Por exemplo, a arquiteta Maria Manuel Oliveira teve um papel importante na requalificação do Toural e da Alameda em Guimarães, no âmbito do Centro de Estudos de EAAD; e a arquiteta Marta Labastida está ligada à requalificação do espaço público no centro cívico da Vila das Taipas.
 
Em que está a trabalhar atualmente?
Associada ao projeto, avancei na EAAD com a proposta de um curso breve em Desenho de Ruas, previsto para o início do segundo semestre deste ano letivo. É uma oferta que fazemos para a comunidade. Trata-se de um curso curto, de 30 horas, esperamos receber técnicos municipais e todos os interessados nestes temas. A ideia é dar alguma formação e, progressivamente, robustez técnica e capacidade de resposta a estes desafios. Em novembro de 2024, contamos ter a segunda edição da conferência. Os webinars são também elementos essenciais do “The Future Design of Streets”, a par das solicitações dos municípios, onde vamos continuar a divulgar o projeto e a promover espaços de reflexão.