A maquilhagem é prejudicial para os olhos?

22-12-2023 | Beatriz Mendes

Rute Macedo de Araújo é licenciada, mestre e doutorada em Optometria e Ciências da Visão pela UMinho, onde é investigadora no Centro de Física e pós-doutoranda no Laboratório de Optometria Clínica e Experimental (CEORLab) da Escola de Ciências

Foto: Sean Patrick/Pexels.com

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Secura ocular, conjuntivite e inflamação da pálpebra são queixas comuns nas consultas de visão, por vezes devido ao uso incorreto da maquilhagem, explica a investigadora Rute Macedo de Araújo.




Quais os fatores que tornam a utilização de maquilhagem prejudiciais aos nossos olhos?
O uso incorreto dos produtos de maquilhagem, higienização inadequada e reações de hipersensibilidade a certos ingredientes são algumas das causas do aparecimento destes sintomas. Na verdade, é muito comum que pequenos resíduos provenientes do eyeliner, máscara de pestanas, sombra de olhos ou base entrem em contacto com a superfície ocular, quer por uma colocação inadequada dos produtos, colocação acidental diretamente no olho ou por coçar os olhos com maquilhagem colocada. Estas partículas podem levar a desconfortos, sensação de corpo estranho e irritações da superfície ocular.
 
Quais são as suas consequências a longo prazo?
A longo prazo, pode levar a uma desestabilização do filme lacrimal e, consequentemente, a sintomatologia de secura ocular. Estes sintomas podem também ocorrer em resposta a alguns dos constituintes das formulações cosméticas, como fragâncias, conservantes, antioxidantes, parafina, resinas, pigmentos com níquel e outros aditivos que podem levar a inflamações do chamado epitélio corneal ou a queratites. Se não forem adotados cuidados de higiene rigorosos, pode levar a consequências oculares graves. Por último, mas não menos comuns, temos os traumas corneais derivados de um mau manuseamento do produto, nomeadamente máscara de pestanas ou eyeliner.

O que pode levar a estes sintomas?
O uso de maquilhagem de forma não responsável é uma das causas de infeções oculares, principalmente em mulheres. A maquilhagem está livre de contaminação aquando da sua compra, mas o seu uso frequente pode levar à transferência de bactérias que já se encontram na nossa pele ou nos pincéis e esponjas. O uso de lápis/eyeliner perto da zona das pestanas pode levar ao bloqueio das glândulas de Meibómio (secretoras dos lípidos presentes na película lacrimal), reduzindo assim a sua qualidade e estabilidade, culminando em queixas de secura ocular. Não retirar totalmente a maquilhagem, nomeadamente a máscara de pestanas, pode favorecer o aparecimento de blefarite, um processo inflamatório caracterizado pela famosa “caspa” na base das pestanas.

Quando é que este problema se torna mais frequente?
Em usuários de máscara de pestanas “à prova de água”, uma vez que é mais difícil de remover totalmente e exige o uso de produtos mais específicos. Algumas soluções desmaquilhantes apresentam também componentes muito agressivos que, entrando em contacto com a superfície ocular, podem afetar a qualidade do filme lacrimal e levar a sintomas de irritação e secura ocular. 

 
Partilhar maquilhagem não é aconselhável

Há formas de tornar a utilização diária de maquilhagem menos prejudicial?
Embora nunca possamos garantir um uso 100% seguro e livre de complicações, é possível adotar uma utilização mais consciente e menos prejudicial. O principal conselho é manter sempre uma higiene adequada: a maquilhagem deve ser sempre completamente removida à noite com produtos adequados (hipoalergénicos), os produtos de maquilhagem devem estar sempre corretamente fechados e limpos, e as mãos devem ser sempre lavadas antes de colocar a maquilhagem. Outro ponto fundamental são os aplicadores de maquilhagem.

Pode detalhar?
É de extrema importância manter os pincéis, esponjas ou outros aplicadores perfeitamente higienizados para evitar propagação de microrganismos para a pele e superfície ocular e desenvolver complicações oculares severas. É fundamental também estar sempre atento ao prazo de validade dos cosméticos para os descartar e substituir. Alguns produtos, como máscaras e eyeliner, devem ser trocados a cada três meses (por progressiva perda de eficácia dos conservantes).

E se os problemas oculares persistirem mesmo com estes cuidados?
Se tiver tido algum problema ocular, como conjuntivite ou semelhante, todos os produtos devem ser descartados, sob risco de estarem contaminados e voltar a contaminar a superfície ocular. O uso de maquilhagem junto das pestanas e de glitter ou produtos com brilhantes deve ser abandonado ou reduzido. Outro ponto importante é o uso de maquilhagem em usuários de lentes de contacto. Nestes casos, o paciente deve ser informado que poderá haver um risco acrescido de complicações, pelo que a maquilhagem deve ser aplicada depois de colocar as lentes de contacto e a higiene das lentes deve ser rigorosamente mantida. E lembre-se: nunca, em momento algum, partilhe a sua maquilhagem ou aplicadores de maquilhagem com terceiros!



Estudos em curso

Está a desenvolver estudos nesta área?
Especificamente sobre os impactos da maquihagem na visão, de momento não. No Laboratório de Optometria Clínica e Experimental (CEORLab) do Centro de Física e na Escola de Ciências da UMinho tem-se feito muita investigação em superfície ocular, filme lacrimal, lentes de contacto e sintomatologia relacionada com olho seco. Sempre que desenvolvemos alguma investigação cuja sintomatologia ocular seja avaliada, torna-se essencial perceber os hábitos dos pacientes no que respeita ao uso de maquilhagem, cremes faciais, entre outros, pelo que a problemática do uso inadequado da maquilhagem acaba por estar presente em muitas vezes nas investigações.

Em que projetos está a trabalhar atualmente?
Na compensação visual de pacientes com patologias ou irregularidades corneais com lentes de contacto especiais, nomeadamente lentes esclerais. Estudo essencialmente a sua eficácia, segurança,  qualidade ótica e visual, sintomatologia e metodologias para melhorar a adaptação das lentes aos olhos. Estou também a iniciar um projeto que pretende alterar a superfície destas lentes para que seja possível avaliar vários fatores durante o seu uso, como a pressão intraocular, a fim de aferir a sua segurança para todos os usuários.