O autarca que viu nascer Azurém

24-04-2024 | Nuno Passos

Foto: Mais Guimarães

Momento da primeira pedra do campus de Azurém, com o ministro da Educação, João de Deus Pinheiro, a 24 de novembro de 1985

Cerimónia aquando da primeira pedra do campus de Azurém, a 24 de novembro de 1985

Inauguração do campus de Azurém, a 29 de novembro de 1989

Inauguração do campus de Azurém, a 29 de novembro de 1989

Inauguração do campus de Azurém, a 29 de novembro de 1989

Inauguração do campus de Azurém, a 29 de novembro de 1989

O Diário de Lisboa noticiou em dezembro de 1970 a grande manifestação em Guimarães pela criação de um Instituto Tecnológico e pelo alargamento da cidade

Convite à participação na sessão pública em defesa da instalação dos cursos tecnológicos em Guimarães, em junho de 1976

O "Notícias de Guimarães" noticiou a gratidão ao ministro Veiga Simão aquando da tomada de posse do primeiro reitor e da comissão instaladora da UMinho, em fevereiro de 1974

António Xavier num grupo cívico vimaranense (foto: Mais Guimarães)

António Xavier com Mário Soares, que foi primeiro-ministro e depois Presidente da República

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António Xavier presidiu a Unidade Vimaranense, decisiva para a UMinho ter dois polos, e o Município de Guimarães, adquirindo e inaugurando o campus de Azurém em 1989.




Com 91 anos de uma vida cheia, António Xavier esteve também ligado à direção da Assembleia de Guimarães, d’A Oficina, d’A Muralha, da Sociedade Martins Sarmento, do Lar de Sto. António, do Infantário Nuno Simões, da Fraterna, da CERCIGUI, da Unidade - Sociedade de Empreendimentos, da OID Vale do Ave, bem como das assembleias-gerais do Vitória SC, do Círculo de Arte e Recreio, da União das IPSS do Distrito de Braga e da Associação Portuguesa da Indústria de Plásticos, entre outras. Com o arquiteto Fernando Távora criou as bases para Guimarães vir a ser Património Mundial da UNESCO. Geriu ainda a empresa XAVI, que até incluía escola, ação social e andebol e voleibol federado.
 
 
Qual foi o seu primeiro contacto com a Universidade do Minho?
Em fevereiro de 1974, em Braga, aquando da tomada de posse de Carlos Lloyd Braga [primeiro reitor]. Fui convidado para intervir como cidadão representante de Guimarães, a par do representante de Braga e de outras individualidades.
 
Porque foi escolhido?
Foi uma surpresa para mim. Eu tinha com o meu pai uma empresa de 800 trabalhadores. Alguém na Câmara Municipal convidou-me, mas eu não tinha ligações à autarquia nem sequer imaginava que viria a presidi-la [1980-82 e 1986-89]. Aquela foi a minha primeira intervenção pública! Não me recordo se foi no Governo Civil de Braga ou na Reitoria, mas estava cheio e com muitos empresários de Guimarães, cujo presidente da Câmara era Manuel Abreu.
 
Lembra-se do que disse?
Pelas declarações que se fizeram, começou ali a sentir-se problemas, não estava determinado onde iria ficar a implantação da universidade e havia fortes expectativas de cada cidade. O representante de Braga manifestou a quase exigência de que seria um polo e naquela cidade. Na minha intervenção, não contestei, mas “dei uma bofetada de luva branca”. Disse que Guimarães é um centro industrial e que o primeiro ar que as crianças respiravam ao nascer já cheirava a algodão. Portanto, era fundamental a UMinho não esquecer esta relevância, em especial nos estudos das tecnologias (“as engenharias”). O próprio ministro Veiga Simão tinha vindo a Guimarães antes da criação da universidade, falou-se dessas áreas e do grande empenho da população pelos estudos superiores.
 
A Comissão Instaladora da UMinho mandou fazer um estudo técnico de localização.
Sim, à Profabril, uma empresa especializada, que apontou a solução para a vila das Taipas, entre as duas cidades, por considerar ser a área ideal para o seu crescimento. Foi quando começou a luta de verdade. Guimarães não contestou, mas Braga discordou por não ser no seu concelho e por as novas universidades estarem a ser instaladas em capitais de distrito.
 




População parou para reivindicar a universidade
 
Isso levou à criação da Unidade Vimaranense.
Exatamente. Nasceu para reivindicar a universidade e enfrentar o poder central. Foi na sequência dessa luta que se instalou um polo na cidade-berço. O palacete do Vila Flor foi posto à disposição até a universidade ter as suas instalações definitivas, em 1989.
 
Porquê esse edifício?
Belmiro Jordão era membro da direção da Unidade Vimaranense e proprietário desse palacete praticamente desabitado. Colocou-o à disposição da UMinho e o município ficou encarregue de pequenas obras e da limpeza. A Assembleia de Guimarães também cedeu o seu espaço para docentes da UMinho conviverem, pois a maioria deles estava deslocada. Houve igualmente gente a deixar ficar esporadicamente na sua casa diversos alunos. Ou seja, a sociedade civil e o município vimaranense sempre acarinharam a universidade, tiveram que a conquistar e receberam-na de braços abertos, enquanto Braga parece ter estado mais de braços cruzados, como capital de distrito. A seguir a mim na autarquia de Guimarães, António Magalhães e Domingos Bragança mantiveram esse legado de proximidade.
 
Em 1975, na imprensa havia debate aceso e movimentações de vários setores da sociedade civil.
Em Guimarães, um era Fernando Alberto Ribeiro da Silva (veio a ser governador civil e uma figura nacional), que comigo e outros encabeçámos esse grupo motivador que se transformou na Unidade Vimaranense, com personalidade jurídica.
 
Havia panfletos a apelar à participação popular em defesa da localização da UMinho. Por exemplo: “Assegura o futuro dos teus filhos preenchendo já o teu telegrama na Unidade Vimaranense”.
Sim, é verdade, telegramas, comunicados, ofícios, reuniões…
 

Inaugurar o campus “foi a coroa da glória”
 
O Diário de Lisboa noticiou uma manifestação para a instalação de um instituto tecnológico na cidade, que juntou 20 mil pessoas em dezembro de 1970 em frente aos Paços do Concelho. Houve também aí, por exemplo, uma tomada de posição pública em junho de 1976.
Nessas manifestações públicas de solidariedade por Guimarães estiveram milhares de pessoas. O concelho parou, o comércio fechou portas, operários e jovens vieram para a rua. Havia pessoas de todos os quadrantes ideológicos. Isso marcou e “assustou” os decisores no distrito e no país. No pós-25 de Abril, a nível nacional os governos também eram provisórios e havia muitas incertezas.
 
Conta-se que Lloyd Braga queria muito iniciar as aulas (foi em dezembro de 1975), para ser mais difícil caso algum governo tencionasse recuar e terminar com a universidade.
Isso mesmo, apesar de o reitor e a comissão instaladora terem tomado posse. Creio que, sem o 25 de Abril, a solução de dois polos não teria existido, não teria contemplado Guimarães. Felizmente tudo se resolveu. Foi o melhor para a região e o país. Juntos somos mais fortes.
 
A UMinho abriu com oito cursos e 240 alunos, mas Guimarães só recebeu aulas a partir de 1977/78, para o 3º ano (o último) dos cursos de Engenharia, em que os alunos vinham de autocarro de Braga.
Assim foi. O corpo docente vivia afastado de Guimarães, teríamos talvez dois professores e um auxiliar meio esquecidos. As coisas mudaram muito com a inauguração do campus de Azurém, em novembro de 1989, no final do meu último mandato na autarquia. Foi um momento festivo e uma coroa da glória. Lutei por muitas coisas e esta foi das que mais me orgulho em ter participado, sinto que está ali parte de mim.
 
Como autarca, esteve na negociação desse terreno?
Sim, fica já fora do centro histórico e ao lado do castelo. A freguesia de Azurém tinha a área necessária e o município adquiriu essa zona agrícola, oferecendo-a à UMinho.
 




Ligação exemplar entre o Município e a UMinho
 
Entretanto surgiu o Avepark nos anos 2000 e, na última década, o campus de Couros.
Exato, com o envolvimento direto do município e Couros está também numa área agora Património Mundial da UNESCO [inclui o Centro de Formação Pós-Graduada, Instituto de Design, Curtir Ciência, Teatro Jordão/Garagem Avenida e prepara-se o Aeroespacial na fábrica do Arquinho]. Bem, isto já não tem a ver comigo, mas com o trabalho dos autarcas que me sucederam.
 
Surgiu ainda a Universidade das Nações Unidas, o Instituto Cidade de Guimarães, sendo que se perspetiva duas residências universitárias, a Escola-hotel do IPCA, a academia de transformação digital em Pevidém, o Laboratório da Paisagem em Creixomil faz dez anos…
Na minha opinião, tem havido um trabalho continuado na área do ensino e da inovação, sempre com o espírito de colaboração e de boas relações. Vemos a universidade como algo precioso e a apoiar, isso ninguém contesta.
 
Imaginava que, 50 anos depois, a UMinho e Guimarães estivessem assim?
A universidade tem uma série de cursos no concelho [engenharias, biomateriais, arquitetura, geografia, física, estatística, design do produto] e recentemente até na cultura [artes visuais e teatro]. Fala-se também do novo curso de Engenharia Aeroespacial [tem a média mais alta de entrada do país, com 18.86 valores]. Às vezes não tenho bem a perceção da evolução da UMinho, nem sei se outras universidades terão a mesma pujança, mas acho que fomos muito além dos projetos que se previam para ela, não é? Estou reformado e desliguei-me um pouco. Mas Couros, por exemplo, que eu conhecia bem e tinha ali uma fábrica, ficou agora muito bem aproveitado. Como disse, a Câmara Municipal tem um cantinho para a UMinho, é como se estivesse presa a ela e vê sempre o que pode fazer para ajudar. Os êxitos desta universidade são como se ainda estivesse a participar neles. Nela formaram-se igualmente muitos familiares meus.
 


Homem de causas
 
O que sucedeu à Unidade Vimaranense?
Esteve ligada a outras questões, como a implantação de espaços industriais pela tutela, que Braga teria e Guimarães não. Tal como no caso da UMinho, criou-se depois um espaço dedicado em cada concelho. Entretanto, a Unidade Vimaranense deixou de ter vida. As pessoas envolvidas ligaram-se à fundação de partidos das mais diversas áreas. E o 25 de Abril veio resolver muitos dos problemas que se punham na altura da representatividade e até do risco que era de conquistar essas instituições. Não sofremos consequências graves, porque já havia uma abertura da sociedade e, no caso da UMinho, até do próprio ministro Veiga Simão, que veio do ultramar. Tinha sido reitor da Universidade de Lourenço Marques [Moçambique], onde “começou a ser preparada” a UMinho, pois de lá também vieram muitos professores com os quais lidei, como Lloyd Braga e Carlos Bernardo, que tiveram em mim um “braço direito”.
 
Teve ligação a várias associações cívicas.
Sim, faz parte procurar o equilíbrio, fazer chegar as coisas aos órgãos próprios, estar ao lado da população. Fui para a Câmara Municipal numa altura complicada, já existiam os partidos. Eu não era filiado e tinha recusado um convite. Geria a produção da empresa, uma atividade pesada – e livre de mim em pensar abandoná-la. No verão de 1979, Ribeiro da Silva telefonou para eu interromper as férias no Algarve, pois queriam falar comigo de um assunto urgente. Eram 9 horas de viagem e adiei. Quando voltei, ao descarregar as coisas, várias pessoas vinham dar-me os parabéns. Perguntei porquê. Afinal, eu seria candidato à Câmara Municipal pelo PSD e nem sabia! Não consegui recusar, seria muito complicado para as pessoas envolvidas. Na política, ou se é ou não é. Isto mudou a minha vida. Por exemplo, na empresa eu estava habituado a ditar as regras, mas na área pública é muito diferente, eu não tinha experiência e as regras eram as aprovadas pela Assembleia da República. Ainda assim, o percurso foi positivo e, pensando nas causas e instituições por onde passei, sinto-me realizado.