Caminhamos para o fim da liberdade? No ano de 2018 o historiador e professor da Universidade de Yale, Timothy Snyder, publicou um livro cujo título apresenta como uma afirmação o que ousamos agora transformar numa interrogação. Nesta obra, o citado autor busca compreender a crise política, ou melhor, a crise da política, num cenário contemporâneo à escala mundial. De acordo com a conclusão do estudo, seguimos para uma nova forma de política, que substantiva a desresponsabilidade, a negação da verdade, a desinformação, a manipulação, a vitimização, a compreensão da vida como um espetáculo, o acirramento dos discursos extremos cuja consequência direta é o crescimento das desigualdades económicas e sociais e a autoestrada para a ficção política.
Partindo deste ponto de vista, se por um lado alguns críticos podem considerar as conclusões de Snyder como uma perspetiva prematura, alarmista, por outro lado, os acontecimentos recentes deixam reticências no ar. O certo é que, pós-2018, coletivamente fomos confrontados com uma série de fatores que sem pretensão de exaustão enumeramos: i) crise de saúde mundial, ii) guerra de invasão na Europa, iii) reacender de um conflito armado no Médio Oriente, iv) guerras cibernéticas, v) acentuação da multipolaridade e de novas rotas económicas, vi) uma irritação crescente e instabilidade nas relações sino-russo-americanas e vii) a escancaração em todas as latitudes dos discursos extremistas que pregam o nacionalismo, o fim da separação de poderes, a antiglobalização, a perseguição às minorias, o silenciamento de uma comunicação social independente e a violência, vendendo a fantasia de um passado glorioso de progresso e riqueza, e que vangloriam a ostentação da alcunha de iliberais.
Para além destes fatores de risco, a vulnerabilidade da liberdade torna-se premente com os novos desenvolvimentos da indústria tecnológica, que na procura por soluções inovadoras desenvolve algoritmos que, independentemente do consentimento humano, incidem sobre a capacidade de decidir e fazer escolhas, o que leva ao questionamento da própria autodeterminação individual. A inteligência artificial e a personalização de uma experiência imersiva demonstram ser o mais novo vetor a condicionar a liberdade, especificamente apontada pela doutrina jurídica como violação à liberdade cognitiva e à autodeterminação mental, que vem completar o quadro das conceções da liberdade.
Com um cenário que se acortina não muito positivo, devemos recordar enquanto humanidade que fazem meros duzentos anos que procuramos através de lutas, sangue e suor, conquistar e consolidar a liberdade como um valor – entendida enquanto proteção contra a tirania, de não-interferência e não-dominação –, como um princípio que rege a interação entre a sociedade e o indivíduo e como um direito que em verdade consiste na chancela de uma série de liberdades – liberdades coletivas, civis ou individuais, políticas ou de participação e económicas –, fundamento da ordem política e da paz social.
Próximo a nós, em meio a este cenário distópico, comemora-se em Portugal o cinquentenário do fim do regime denominado de Estado Novo, considerado como a mais longa ditadura do século XX no ocidente, que seguindo a cartilha tradicional do modelo absolutista, concretizou, institucionalmente, um poder político concentrado nas mãos do executivo e um parlamentarismo amordaçado, aboliu as liberdades políticas e civis, implantou a perseguição aos adversários através da polícia política – para a qual a violência era um instrumento preventivo e punitivo –, abraçou o nepotismo, o clientelismo local e o colonialismo, restando como opção à população a anomia, o exílio, a perda da vida ou a perda do modo de vida (da dignidade humana). Conscientes sobre o passado e observando as fragilidades do presente, faz-se necessário relembrar a Revolução de Abril, que com suas conquistas e contradições, “exótica” para uns, “inacabada” para outros, permitiu-nos a liberdade de expressar esse mesmo pensamento. Para que num futuro não equidistante não nos questionemos sobre o fim da liberdade, 25 de abril sempre! Sempre em liberdade!
Professora da Escola de Direito da UMinho e investigadora do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov)