Filhos de Abril

24-04-2024 | Catarina Dias

Licenciado em Gestão de Empresas, Gonçalo Sobral é gestor comercial da Mapfre Seguros, no Porto

Com formação em Educação de Infância, Saidatina Dias é mediadora cultural na Câmara Municipal de Braga e preside à Associação de Imigrantes Senegaleses em Portugal

Pedro Tinoco terminou o curso de Direito em 2006. É hoje inspetor tributário junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga

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Gonçalo Sobral, Saidatina Dias e Pedro Tinoco nasceram a 25 de abril de 1974, formaram-se na UMinho e partilham visões sobre o país e a democracia.




Nesta edição especial dedicada aos 50 anos da Revolução dos Cravos, estivemos à conversa com três alumni da Universidade do Minho nascidos exatamente há meio século, para falar de democracia e do estado do país e do mundo. 


“Ainda há liberdades por conquistar”

GONÇALO SOBRAL
Licenciado em Gestão de Empresas (1997). É gestor comercial da Mapfre Seguros, no Porto.

O que significa ter nascido a 25 de abril de 1974?
Ter nascido no dia da Revolução significa, antes de mais, poder olhar para os dois períodos com a independência de quem não nasceu em nenhum deles! Em jeito de brincadeira, posso dizer que a minha opinião não é influenciada pelas ideias e políticas defendidas antes ou depois do dia mais marcante da nossa história recente [sorriso]. 1974 ficou também marcado por outra efeméride que passou a fazer parte integrante do meu percurso pessoal e profissional: o quase início das atividades letivas da Universidade do Minho, que me formou na área de estudos que sempre desejei: Gestão de Empresas. Por isso, a UMinho está igualmente de parabéns por ter completado em fevereiro o seu 50º aniversário.

Na sua opinião, o que trouxe a Revolução de Abril e o que ainda pode permitir?
A Revolução trouxe-nos liberdade e democracia. A liberdade é um direito que as sociedades souberam conquistar e perde sentido se não a soubermos capitalizar. É uma questão de responsabilidade e consciência de cada um. Já Sartre dizia que “ser livre não é fazer o que se quer, mas querer o que se pode”. O surgimento da democracia em Portugal deu a todos a possibilidade de participar em igualdade e “eleger” os seus representantes, validando, com regularidade, essas escolhas. É um grande privilégio! Sendo a democracia o resultado da sabedoria coletiva e do poder do povo, é importante sermos ativos na sociedade, privilegiando a educação, com destaque para o papel das escolas e dos adultos no processo educativo. Ainda há liberdades por conquistar, tantas são as regras que temos de respeitar, numa sociedade democrática em que a privacidade dos cidadãos não está garantida e o Estado é demasiado paternalista e interventivo, com muito peso, mas pouca eficiência.

Quais são os desafios atuais da democracia?
O objetivo de promover um ambiente propício ao desenvolvimento, o respeito pelas opiniões diversas e uma sociedade mais justa e responsável são desafios contínuos num mundo cada vez mais complexo e dinâmico. Há 50 anos foi a Revolução, hoje estamos em plena evolução para consolidar os pilares que conquistamos e que tanto nos devem orgulhar: liberdade e democracia.




“Quando o sol nasce é para todos”

SAIDATINA DIAS
Licenciada em Educação de Infância (2005), é mediadora cultural da Câmara Municipal de Braga e presidente da Associação de Imigrantes Senegaleses em Portugal.

Natural do Senegal, vive em Portugal há 25 anos. O seu dia de nascimento é uma data-chave deste país. Isto traz um significado especial para si?
Quando cheguei a Portugal, era o primeiro comentário que me faziam quando apresentava o meu documento de identificação. Esse espanto suscitou em mim uma curiosidade acentuada sobre os acontecimentos do 25 de Abril. O sentimento da maioria dos portugueses relativamente a essa efeméride é equiparado ao do dia 4 de Abril de 1960, data que assinala a independência do Senegal.

Como viveu o período dos primeiros anos de independência do seu país natal e em África o que se falava sobre Portugal?
Lembro-me perfeitamente da efervescência com que se celebrava esse dia quando era mais pequena. Na escola primária, costumávamos, após uma semana de treino, participar no desfile da independência na praça principal da cidade e perante o governador civil da região. Íamos todos fardados com lindos uniformes. Não sendo o Senegal uma antiga colónia portuguesa, Portugal não tinha tanta atenção da nossa parte, a não ser quando se abordava o tema dos descobrimentos. Neste caso em particular, era descrito como um país aventureiro, ideia reforçada nos manuais escolares.

Quais são os desafios atuais da democracia?
Refletindo sobre os desafios da democracia e do mundo atual, o sentimento que mais me invade é o da incerteza. O facto de vivermos há tanto tempo num clima de paz faz com que a maioria das pessoas, nomeadamente as novas gerações, encarem a democracia como um dado adquirido quando o redobrar de esforço para manter o equilíbrio é mais do que necessário. Por exemplo, encaro com alguma perplexidade o discurso de retrocesso sobre os direitos e as liberdades que as mulheres foram conquistando em Portugal. Mais inquietante ainda é o surgimento cada vez maior de pessoas que defendem estes ideais como a única maneira de ser e estar na sociedade. Quando o sol nasce é para todos. O 25 de Abril trouxe às mulheres a liberdade de escolha e estamos dispostas a lutar para preservar isso.
 





As pretensões da maioria e os anseios da minoria

PEDRO TINOCO
Licenciado em Direito (2006). É inspetor tributário junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga

O que significa ter nascido a 25 de abril de 1974?
Significa estar associado a um momento marcante da democracia portuguesa, à conquista da liberdade e ao início de um percurso de enormes alterações económicas, sociais e culturais.

Na sua opinião, o que trouxe a Revolução de Abril e o que ainda pode permitir?
Trouxe com ela um estado de direito democrático, liberdades, igualdade de direitos e oportunidades entre homens e mulheres, bem como um significativo e progressivo bem-estar social e económico. A Revolução pode também ajudar a esbater a pobreza e as desigualdades ainda existentes na nossa sociedade.

Quais são os desafios atuais da democracia?
Os desafios da democracia e do mundo atual traduzem-se essencialmente na capacidade de os eleitos satisfazerem as pretensões da maioria da população e ao mesmo tempo serem capazes de não esquecer os anseios das minorias. Só assim, na minha opinião, se poderá combater os populismos e autoritarismos em ascensão no mundo.