“Muitos eliminam, desvalorizam ou desfocam atributos dos locais onde posam”
João Sarmento, docente do Departamento de Geografia do ICS, é especialista em Geografia Cultural e analisou nessa qualidade a importância crescente que o espaço assumiu e como se traduz na fotografia a ser tirada. Desde o século XVIII, existiu uma migração do sentido na prática da viagem. Passou-se da audição para a visão. “São as imagens visuais que moldam e dão significado à antecipação, experiência e memória das viagens”, anuiu. E há uma segunda dimensão: as alterações que ocorreram na sociedade digital. Sarmento recordou os postais ilustrados enviados há décadas por correio e hoje substituídos por imagens digitais instantâneas. Ambas cumprem a função de dizer “Eu estive aqui”. Hoje, sublinhou, “o turista, o viajante, é o centro da imagem” e “paisagens e lugares instagramáveis são mais procurados”.
O geógrafo afirmou que, no conjunto de um destino urbano, há locais específicos procurados para fazer fotografias, sejam ou não selfies, e os turistas deslocam-se a estes locais "porque já os viram algures, e querem repetir, alguns com variações, imagens, mas colocando-se no centro dessa imagem”. No entanto, lembrou, “diversos estudos mostram que nas selfies de turistas o mais importante são mesmo os próprios, e muitos eliminam, desvalorizam ou desfocam mesmo alguns atributos dos locais onde posam, desde que a sua imagem seja por eles considerada boa".
Ainda assim, importa lembrar que os destinos competem entre si e promovem a proliferação de espaços ou estruturas que indicam a toponímia do local. Vemos esses exemplos em I <3 Berlin, I amsterdam ou em porto.. Outros exemplos podem ser contemplados nos cada vez mais abundantes baloiços panorâmicos, nas molduras gigantes e, como no Natal, estruturas iluminadas desenhadas para o efeito. “Estas imagens, ao circularem velozmente pelas redes sociais, alimentam o olhar turístico coletivo e são parte central da nossa sociedade de consumo”, referiu.
"Existem alguns rankings dos lugares turísticos em que se fizeram mais selfies, construídos, por exemplo, através das imagens publicadas no Instagram e rotuladas como selfies. Ainda que possa haver variação na ordem das atrações fotografadas por selfies, elas não são muito diferentes das atrações mais visitadas em termos gerais: Torre Eiffel, Disney World, Big Ben, Sagrada Familia, Coliseu de Roma (que até proíbe os selfie sticks)...", enumerou.
Questionado sobre se se deveria impedir a captação de imagens em locais específicos de forma a mantê-los mais "puros" e "limpos", o investigador explicou que “o exótico e o proibido são geralmente atrações importantes no turismo” e certamente que um museu onde não se pode fotografar pode perder interesse para muitos turistas. Aliás, continuou, existe um número crescente de museus e atrações culturais que proíbem o selfie stick, enquanto outros destinos têm proibido que os turistas parem em determinados lugares para tirar selfies, pois criam congestionamento. Ainda assim, há lugares onde não se pode tirar fotografias por questões de segurança ou de direitos de autor, podendo ser “lugares de desafio”. “Desafio para quem quer transgredir o permitido e ter o prazer, partilhado ou não, de conseguir uma imagem de uma estrutura militar, do interior da Abadia de Westminster ou do Taj Mahal”, salientou.
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