Próximo destino? A selfie ajuda a decidir!

22-12-2023 | Daniel Vieira da Silva | Fotos: Anatolii Stepanov / AFP

Os selfie sticks já são objetos proibídos em alguns locais turísticos (fotografia: João Sarmento)

Selfie sticks já são objeto impresncindível para alguns dos turistas (Fotografia: João Sarmento)

Selfies são cada vez mais utilizadas pelos turistas (fotografia: Freepik)

Existem locais que já proibem as selfies para garantir segurança ou tranquilidade

Eunice Ribeiro é professora do Departamento de Estudos Portugueses e Lusófonos da Escola de Letras, Artes e Ciências Humanas da UMinho

João Sarmento é professor do Departamento de Geografia do Instituto de Ciências Sociais da UMinho

Beatriz Casais é professora do Departamento de Gestão da Escola de Economia e Gestão da UMinho

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Serão as selfies decisivas no processo de escolha de um destino turístico? Professores de Ciências Sociais, de Economia e Gestão e de Letras e Artes confirmam-nos esta tendência.




É cada vez mais comum haver uma decisão acerca do destino de férias em função “daquela selfie” que se viu numa qualquer rede social. O melhor enquadramento, a conjugação de cores, o estar onde os outros estiveram assume-se como determinante na hora de escolher o próximo destino turístico.

Mas tudo isto é resultado de várias mutações nos últimos séculos. Desde logo pela forma como os retratos se posicionaram na história da fotografia e como são interpretados. Há também um contexto geográfico associado e que se liga ao local e às suas valências e particularidades. Por fim, importa entender as selfies como fonte de rendimento para diversos locais e como estes são explorados economicamente por gestores de territórios que usam e abusam do enquadramento instagramável do seu espaço. Em suma, o autorretrato (do qual a selfie faz parte) ganhou uma expressão nunca antes vista em locais que cresceram e se mediatizaram por serem apetecíveis a quem por lá passa.

Para percebermos como o fenómeno evolui, ouvimos nesta edição do NÓS a opinião dos professores Eunice Ribeiro, da Escola de Letras, Artes e Ciências Humanas (ELACH), João Sarmento, do Instituto de Ciências Sociais (ICS), e Beatriz Casais, da Escola de Economia e Gestão (EEG) da UMinho.

 


“Muitos eliminam, desvalorizam ou desfocam atributos dos locais onde posam”

João Sarmento, docente do Departamento de Geografia do ICS, é especialista em Geografia Cultural e analisou nessa qualidade a importância crescente que o espaço assumiu e como se traduz na fotografia a ser tirada. Desde o século XVIII, existiu uma migração do sentido na prática da viagem. Passou-se da audição para a visão. “São as imagens visuais que moldam e dão significado à antecipação, experiência e memória das viagens”, anuiu. E há uma segunda dimensão: as alterações que ocorreram na sociedade digital. Sarmento recordou os postais ilustrados enviados há décadas por correio e hoje substituídos por imagens digitais instantâneas. Ambas cumprem a função de dizer “Eu estive aqui”. Hoje, sublinhou, “o turista, o viajante, é o centro da imagem” e “paisagens e lugares instagramáveis são mais procurados”.

O geógrafo afirmou que, no conjunto de um destino urbano, há locais específicos procurados para fazer fotografias, sejam ou não selfies, e os turistas deslocam-se a estes locais "porque já os viram algures, e querem repetir, alguns com variações, imagens, mas colocando-se no centro dessa imagem”. No entanto, lembrou, “diversos estudos mostram que nas selfies de turistas o mais importante são mesmo os próprios, e muitos eliminam, desvalorizam ou desfocam mesmo alguns atributos dos locais onde posam, desde que a sua imagem seja por eles considerada boa".

Ainda assim, importa lembrar que os destinos competem entre si e promovem a proliferação de espaços ou estruturas que indicam a toponímia do local. Vemos esses exemplos em I <3 Berlin, I amsterdam ou em porto.. Outros exemplos podem ser contemplados nos cada vez mais abundantes baloiços panorâmicos, nas molduras gigantes e, como no Natal, estruturas iluminadas desenhadas para o efeito. “Estas imagens, ao circularem velozmente pelas redes sociais, alimentam o olhar turístico coletivo e são parte central da nossa sociedade de consumo”, referiu.

"Existem alguns rankings dos lugares turísticos em que se fizeram mais selfies, construídos, por exemplo, através das imagens publicadas no Instagram e rotuladas como selfies. Ainda que possa haver variação na ordem das atrações fotografadas por selfies, elas não são muito diferentes das atrações mais visitadas em termos gerais: Torre Eiffel, Disney World, Big Ben, Sagrada Familia, Coliseu de Roma (que até proíbe os selfie sticks)...", enumerou.

Questionado sobre se se deveria impedir a captação de imagens em locais específicos de forma a mantê-los mais "puros" e "limpos", o investigador explicou que “o exótico e o proibido são geralmente atrações importantes no turismo” e certamente que um museu onde não se pode fotografar pode perder interesse para muitos turistas. Aliás, continuou, existe um número crescente de museus e atrações culturais que proíbem o selfie stick, enquanto outros destinos têm proibido que os turistas parem em determinados lugares para tirar selfies, pois criam congestionamento. Ainda assim, há lugares onde não se pode tirar fotografias por questões de segurança ou de direitos de autor, podendo ser “lugares de desafio”. “Desafio para quem quer transgredir o permitido e ter o prazer, partilhado ou não, de conseguir uma imagem de uma estrutura militar, do interior da Abadia de Westminster ou do Taj Mahal”, salientou.
 





Selfies em destaque para operadores turísticos

O uso das redes sociais como importante forma de comunicação entre as pessoas, nomeadamente de socialização e de expressão de sucesso e felicidade perante os outros, leva a que as estratégias de marketing turístico e territorial envolvam as redes sociais como especial meio para posicionar destinos através da imagem. A garantia é de Beatriz Casais, professora auxiliar em Marketing e Estratégia na EEG. Essas estratégias são então "uma forma de afirmar a notoriedade e o posicionamento de lugares, cidades ou países para retenção e captação de residentes, investimento e turistas, usando a imagem nas redes sociais como forma de comunicação dos atributos desses lugares”.

Tal como João Sarmento, a professora justificou o aparecimento cada vez mais regular de “quadros, molduras ou letras gigantes com o nome do lugar para apelar a que se fotografe”. "Serve como prova de presença através dos social media, na expectativa de que isso seja reconhecido pelos outros e tenha um efeito de retorno social", acrescentou. "A visita a lugares passa a ter um valor simbólico de estatuto social com um elevado efeito de contágio nos outros", realçou.

Nas redes sociais, ao publicar-se uma selfie "está a legitimar-se a presença e a validá-la num local perante os outros” e os proprietários dos territórios onde as selfies são tiradas sabem e exploram isso. “Os miradouros desenhados por arquitetos que são por si só instagramáveis, as paredes de comunicação em eventos, restaurantes ou hotéis são técnicas para promover as selfies, passando a marca e o lugar de forma viral - isso tem um capital de marketing muito valioso”, contextualizou Beatriz Casais.

A investigadora analisou a forma como figuras públicas e influencers aparecem nesta equação de promoção do local. “Dada a importância do endorsement de celebridades e influenciadores, principalmente os digitais, esta é uma excelente forma de promoção de um local, pois estes influenciadores têm um valor muito significativo para as marcas territoriais e são fortemente incentivados pelos gestores dos destinos a visitar e a promover locais através de selfies, havendo um retorno financeiro nessa atividade", frisou. “Na verdade, os cidadãos tendem a copiar as práticas dos influenciadores, nomeadamente as selfies nos sítios onde os famosos já estiveram”, concluiu.



Mas afinal... qual é a origem da selfie?

Eunice Ribeiro, professora catedrática do Departamento de Estudos Portugueses e Lusófonos da ELACH, dedica parte da sua investigação ao retrato. “Do ponto de vista histórico, as formas de autorrepresentação, em particular o género artístico do autorretrato, assumiram motivações distintas”, vincou. Desde finais do século XIX, sucedendo a uma profunda crise do sujeito e da sua imagem, que nos "habituamos a pensar o autorretrato como uma via de autoconhecimento, de investigação interior ou de exercício de indagação de si mesmo”. Assumindo a necessidade de o indivíduo se representar, uma das expressões utilizadas foi a de “se dar a ver publicamente com intenções autocelebrativas ou autopropagandísticas, sejam elas de teor socioprofissional e estatutário”, frisou.

A docente acrescentou que “as selfies, geralmente partilhadas online, exibem nesse hall of fame virtual e ilimitado, imagens fragmentárias de um indivíduo e respondem a uma certa ansiedade de exposição, de afirmação de presença, caraterística do mundo digital contemporâneo onde quem não consta na internet, não existe...”. A investigadora focou que, ao compor uma selfie, "pensa-se cuidadosamente na pose, na expressão, nos cenários e subvertem-se as mais básicas expectativas do meio fotográfico como inerentemente ‘verdadeiro’". Ou seja, a fotografia e o fotografado já não são a verdade, mas uma combinação de facto e ficção, enalteceu. Neste sentido, “aquilo que a selfie promove poderá não ser exatamente o ‘indivíduo’, mas uma máscara, uma persona dramática, promove o ilusório e o decetivo”.

Para Eunice Ribeiro, é por isso que a selfie, pela facilidade técnica e a economia de meios que conjuga, aliada a uma projeção social exponenciada pela sua possível difusão através da internet, permite romper com uma certa tradição elitista do autorretrato. A promoção do ‘eu’ possibilitada pela selfie pode entender-se “como uma forma de inclusão e de democratização das anteriores políticas restritivas no que toca à produção e à circulação da imagem própria”, acentuou. A especialista lembra que vivemos hoje "numa cultura da convergência" e que "em nenhum outro século os retratos conheceram uma tão grande expansão mediática ao ponto de se materializarem em praticamente todos os suportes e todas as linguagens, inclusive linguagens não visuais".

A professora da ELACH atestou que a "moda" da selfie pode bem coexistir com outras formas retratísticas mais ou menos convencionais, na fotografia e noutros média, como alternativa possível e não exclusiva numa investigação que se adivinha provavelmente interminável. Concluiu que, “no caso das selfies comuns atuais, movidas pela autopromoção do ‘eu’, a escolha dos cenários e dos espaços responderá mais provavelmente a meras intenções ‘decorativas’ e/ou a uma exibição de geomundanidade do que a preocupações filosóficas e autorrepresentativas mais subtis”.