Estudantes da UMinho mostram que a ciência não está de passagem nas redes sociais

28-03-2024 | Daniel Vieira da Silva

Os desenhos da Mariana Pinto ajudam a explicar estrutura muscular do nosso corpo

ScienceWave é o projeto desenvolvido por Andreia Pinho

Inês Guimarães é a nossa "MathGurl"

Amália Carvalho junta duas das suas paixões no Podcast que fundou

Mariana Pinto dá uso ao pincel para desenhar o nosso corpo

A "MathGurl" tem sido convidada para algumas palestras e workshops e já foi oradora no TedX Guimarães

Andreia Pinho está no último ano do doutoramento em Medicina

Amália Carvalho estudos no ICS e agora vive e trabalha em Lisboa

Andreia Pinho do ScienceWave criou um podcast na Rádio Universitária do Minho

Mariana Pinto utiliza os seus desenhos em trabalhos académicos

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Matemática, medicina e inteligência emocional são alguns dos temas que abordam em diversos projetos nos meios digitais.




Não se consideram influencers, mas a influência em quem as segue é inquestionável. Andreia Pinho, Inês Guimarães, Mariana Pinto e Amália Carvalho são três estudantes e uma ex-estudante da Universidade do Minho que promovem o trabalho desenvolvido em torno dos seus estudos e hobbies em diversas plataformas sociais. Talvez estes nomes não digam muito, mas se falarmos nos projetos ScienceWave, MathGurl, Drawing_Mariana ou Podcast Bela Questão, aí o cenário pode ser diferente. Na edição de março do NÓS fomos conversar com estas entusiastas, que aproveitam a presença nas redes sociais para partilhar vivências e conceitos, enquanto tentam ensinar algo a quem por lá passa. Tudo isto de uma forma divertida.



Uma onda de ciência que até chegou ao éter

“O ScienceWave nasceu a partir de uma necessidade imensa de comunicar o que faço como cientista... O que é que um cientista faz quando entra naquelas portas do laboratório?”, começou por explicar Andreia Pinho, que se encontra na Alemanha a concluir o doutoramento em Ciências da Saúde. O projeto que desenvolve “é o retrato do percurso como cientista” e, devido a isso, o conteúdo produzido é muito dependente do que está a viver e a fazer no laboratório nesse período.

O projeto vai mostrando situações caricatas, peripécias, momentos bons e menos bons de uma cientista. Tudo é feito dentro de uma lógica e integrado numa imagem que tenta ser o mais cuidada possível. Os seus seguidores são estudantes como ela, jovens que ainda não definiram aquilo que vão querer fazer no futuro, mas também médicos e outras pessoas que em nada se aproximam da Medicina. “Muitas vezes acabo até por promover discussão entre a comunidade científica e não científica”, sublinhou Andreia Pinho. Mantém uma relação próxima com os seus seguidores nas redes sociais, considerando-os “já parte da aventura”. No entanto, a estudante reiterou que sente a responsabilidade pelo conteúdo que partilha e pela forma como este pode influenciar vários seguidores: “Sempre que preparo um novo conteúdo reflito sobre a importância dele e que mensagem quero transmitir. Apesar de a ideia do ScienceWave ter nascido com o coração, o conteúdo foi sempre pensado com todos os neurónios do cérebro”, vincou.

No último ano, Andreia abraçou vários desafios e um deles foi saltar do Instagram (onde nem sempre consegue "contornar" os algoritmos) para a rádio. Criou o podcast Ciência no Feminino, onde entrevistou mulheres cientistas de variadas áreas. O podcast ganhou espaço no éter, sendo difundido nas ondas hertzianas da RUMRádio Universitária do Minho. Foi lá que se sentou atrás do microfone para privar conversas com as convidadas que partilharam aquilo que é ser cientista nos dias de hoje. Foi nesse estúdio que concretizou a máxima “É a conversar que a gente se entende”. Andreia tem ainda promovido e sido convidada para workshops, webinars e apresentações de diferentes formatos. “Isso mostrou-me o quão importante é interagir diretamente com o nosso público e confesso que também adoro fazê-lo, assim como conhecer quem está do outro lado do ecrã e conectar não por likes, mas pelo olhar”, descreveu.

A mentora do ScienceWave acredita que não é difícil descomplicar a ciência e mostrar o lado humano do cientista, mas o mais complicado é saber “comunicá-la de forma eficaz e sem margem para interpretações erradas”. A estudante acrescentou que este modelo por si utilizado poderia ser aproveitado em contexto educativo, nomeadamente nas escolas. “Exemplo disso foi a notícia do Público sobre o ScienceWave passar a fazer parte do manual de Português do 8º ano. Recebi muitos estudantes na página que questionam imenso o conteúdo que partilho! Algo também muito giro foi uma das professoras colocar os alunos a fazer-me um convite para ir à escola. Treinaram a escrita profissional via Instagram e no dia em que cheguei à sala de aula de bata e lhes expliquei o meu projeto de doutoramento ficaram a conhecer as células que estudo e, no fim, já não achavam que ciência era algo aborrecido”, partilhou.


Além do ScienceWave, Andreia Pinho criou o podcast "Ciência no Feminino" na Rádio Universitária do Minho
 

 

A matemática que ganhou vida e alegria no ecrã

Chama-se Inês Guimarães, mas é mais conhecida como MathGurl. Natural de Guimarães, divide o tempo entre a licenciatura em Ciências da Computação na UMinho e o canal de YouTube que criou quando tinha 17 anos. É neste espaço que tenta encontrar um lado divertido na matemática e explicar que esta, tal como outras ciências, não é um “bicho-de-sete-cabeças”. Naquele que se auto-intitula como o "primeiro canal do YouTube sobre Matemática em Portugal", aborda-se a álgebra abstrata, a teoria dos números, a geometria, mas também se lançam questões aos seguidores... obrigando-os, sempre, a utilizar a matemática para os solucionar. Neste momento são mais de 110 mil os seguidores que se aventuram com a Inês no mundo dos números e da ciência. Viajam através de cerca de 170 vídeos criados e que já geraram mais de 5 milhões de visualizações.

Inês, que já concluiu um mestrado em Matemática antes de chegar à UMinho, explicou-nos que quando criou o canal de YouTube “não tinha muitos amigos com quem falar sobre a matemática”. Juntou a isso o gosto pela comunicação e decidiu enfrentar uma câmara. “Queria mesmo que as pessoas percebessem que a matemática existe para além das quatro paredes da sala de aula e pode ser fascinante e divertida”, realçou. O processo criativo que cumpre para lançar mais um vídeo "é muito natural”, confessa. Aponta a ideia, investiga-a, consulta mais fontes de informação e elabora um guião do vídeo a produzir. “É obrigatório ter sempre um toque humorístico e uma narrativa descontraída. Gosto de falar sobre curiosidades matemáticas, paradoxos, história da matemática e até mesmo expor tópicos avançados de uma forma simples”, exemplificou.

Será assim tão complicado descomplicar a matemática? “Sim e não”, respondeu. “Descomplicar a matemática em si não é o mais complicado, difícil sim é conseguir levar esses conteúdos às pessoas que gostam menos da área”, argumentou. “Há sempre tendência de a matemática ser consumida por quem já gosta de matemática, formando-se uma espécie de bolha, e por isso tento fazer vídeos dinâmicos e divertidos, abordando outros temas pelo meio. Pode ser que os que têm aversão à matemática consigam aprender qualquer coisa sem se aperceberem disso”, sustentou. “É como misturar xarope em sumo para disfarçar o sabor amargo”, gracejou. No entanto, tal como Andreia, sente responsabilidade pelo material audiovisual que produz: “Tenho que ter cuidado para não dizer algo cientificamente incorreto e, também sei, não tocar em tópicos sensíveis como religião ou política, mesmo sendo na brincadeira”. Ainda assim, congratulou-se por saber que a sua voz e as suas ideias são ouvidas. “Fico contente por contribuir significativamente para que mais pessoas desenvolvam uma relação positiva com a matemática e com o conhecimento em geral”, afirmou.

Recentemente, a jovem tem optado pela produção de vídeos mais curtos no Instagram, relegando a produção de conteúdos no YouTube para um segundo plano. Consegue “estabelecer uma maior proximidade com os seguidores” e com eles “trocar diariamente várias mensagens”. "Seria interessante os professores passarem mais vídeos curtos sobre um determinado tópico no início ou durante a aula, por forma a motivar os alunos para o tema”, admitiu. Explicou que seria relevante ver docentes a adotar “alguns dos truques” que usa nos seus vídeos durante a aula, com o intuito de captar a atenção dos alunos. No entanto, a MathGurl lembrou que “para alguém ser bom a matemática tem que estudar bastante e resolver muitos problemas" e "não basta ver vídeos na Internet de forma passiva". Ou seja, tem que haver espaço para a “matemática da escola”, que pode ser um pouco mais aborrecida e repetitiva, mas "é também mais sólida", concluiu.



Inês Guimarães (MathGurl) já lançou um livro, tem um canal de sucesso no YouTube e ainda ministra/participa em workshops e palestras
 

 

Os músculos que cabem na ponta de um pincel

Mariana Pinto é responsável pelo projeto Drawing_Mariana, que tem cerca de dois mil seguidores na rede social Instagram. É lá que os seus desenhos ganham espaço, se projetam e chegam a um maior número de seguidores. A estudante do 3° ano do mestrado integrado em Medicina na UMinho referiu ao NÓS que começou a combinar Arte e Medicina quando estava no 10° ano. “Descobri que queria seguir Medicina logo após acabar o secundário”, disse.

Os seus trabalhos têm duas facetas. São dois tipos distintos de desenhos anatómicos, explicou a estudante, que se mudou na adolescência para Portugal. “Por um lado, há desenhos de estruturas anatómicas embelezadas com a adição de elementos (flores, por exemplo) e, por outro lado, faço desenhos anatómicos com a identificação e anotação de estruturas”, elucidou. Sobre esta distinção, frisou que “os desenhos de estruturas anatómicas e outros elementos têm um âmbito totalmente artístico, mas os desenhos de estruturas anatómicas legendadas podem ser um suporte de estudo para colegas, ajudando-os a visualizar a anatomia humana”.

Numa entrevista ao jornal "UMDicas", a propósito de produzir a imagem da UMinhoSports dos Serviços de Ação Social da UMinho em setembro de 2022, a estudante deu conta que - ao contrário do que possa parecer - não usa os seus desenhos para estudar, “pois representam apenas uma porção menor da matéria”. “Seria para mim impossível ilustrar uma aula inteira, mas permitem-me organizar as minhas ideias e planos de estudo, assim como ter uma visão mais clara de tudo o que tenho para estudar e é igualmente um método muito eficiente para estimular a memória visual”, expressou Mariana Pinto, revelando um "segredo" do seu método de estudo.

Voltando ao início desta sinergia, Mariana salientou que “o desenho anatómico era apenas um hobby”, mas com o passar do tempo e o aperfeiçoamento das técnicas, algumas pessoas ao redor interessavam-se pelo seu trabalho. “De facto, já fui convidada a dar aulas e workshops de anatomia, assim como a realizar bodypainting de forma a ajudar os participantes a visualizar melhor as estruturas abordadas", declarou. A estudante também já soube aproveitar o seu trabalho artístico em proveito próprio na atividade académica. "Usei os meus desenhos no quadro de um projeto integrado no meu percurso de Medicina para criar um livro de anatomia e patologia sobre o ombro”, avançou. “O meu objetivo é disponibilizar esta ferramenta de estudo para os colegas e todos os interessadas em explorar a anatomia do ombro”, acrescentou a estudante, frisando que os seus desenhos anatómicos estão muitas vezes relacionados com os temas que está a estudar ou com o sistema músculo-esquelético.



Bodypainting da autoria de Mariana Pinto que ajuda a perceber a estrutura muscular do corpo humano
 



Uma comunicadora que nos explica a inteligência emocional em podcast

Amália Carvalho concluiu em 2011 a licenciatura em Ciências da Comunicação no Instituto de Ciências Sociais da UMinho, onde depois terminou, em 2014, o mestrado em Comunicação, Cidadania e Educação com 19 valores. Ávida por comunicar, é nessa área que trabalha desde 2012. No entanto, foi em 2019 que algo mudou na sua vida, com a criação do Podcast Bela Questão. Amália já gravou mais de 100 episódios, vários com especialistas reconhecidos na área do desenvolvimento pessoal. Como isso ainda não chegava a esta empreendedora, pelo meio aventurou-se na publicação de um journal de desenvolvimento pessoal, “Escova da Mente”, que a enche de orgulho.

A especialista em comunicação explicou que criou o podcast aquando da sua mudança de Braga para Lisboa. “Esta realocação fez-me começar do zero no que diz respeito à minha rede de relações numa nova cidade. Queria ter um espaço meu, que permitisse explorar a minha criatividade, as minhas competências enquanto especialista em comunicação, mas ao meu ritmo e livremente, de acordo com os temas que mais me apaixonavam, neste caso a inteligência emocional e o desenvolvimento pessoal”, começou por explicar a alumna. Considera que o seu podcast é um “espaço de reflexão e crescimento pessoal, dedicado a explorar os enigmas de inteligência emocional, desenvolvimento pessoal, liderança e estilo de vida”.

Este é um "trabalho" que lhe gera satisfação e, de forma frequente, recebe feedback de quem a ouve, confessando que algumas mensagens a deixam “completamente sensibilizada”. “Já tive histórias de pessoas incríveis e algumas marcam: uma jovem estava prestes a desistir de uma tese de mestrado e um episódio fez-lhe o clique para continuar; algumas pessoas com depressão partilharam como os episódios as ajudam a encontrar estratégias e motivação para superarem a doença; e pessoas que decidiram mudar de emprego por finalmente encontrarem a coragem de que precisavam”, exemplificou. Ao longo de mais de 100 episódios, Amália conduz conversas com um entusiasmo bem visível e audível. Fá-lo em forma de entrevistas leves, divertidas (humorísticas por vezes) mas, ao mesmo tempo, informativas sobre o tema central em quase todas as conversas: a mente humana. Talvez seja por isso que o Podcast Bela Questão tem sido tão bem aceite pela crítica e já foi algumas vezes nomeado, como “Melhor Podcast de Informação e Educação” e “Melhor Podcast de Ciência, Tecnologia e Educação”, nos Prémios PODES - Festival de Podcasts.

Amália Carvalho deu ainda nota ao NÓS da vontade em continuar a cruzar áreas de conhecimento no seu espaço de podcast, pois acredita que isso constitui uma sinergia criativa e única para poder “levar o conhecimento sobre estas áreas a pessoas que não o consumiriam de outra forma”. “A jornada de procura de conhecimento na área da psicologia aliada àquilo que estudei e faço enquanto especialista em comunicação, onde aplico o conhecimento sobre o que motiva, atrai, cativa e move públicos, cria essa sinergia”, concluiu a autora, reforçando que a aventura pela área da psicologia também se faz (e muito) com vários psicólogos, os seus entrevistados mais frequentes.



Podcast Bela Questão abordas temas ligados à inteligência emocional de forma leve e divertida
 


Reações negativas? Guardam-se todas...

Gerar conteúdos deste tipo e estar-se tão exposto nas redes sociais pode, por vezes, ser uma tarefa árdua, pois as críticas podem não ser apenas construtivas. Para Andreia Pinho, “os seguidores por vezes esquecem ou não têm a noção do trabalho que está associado a uma produção de conteúdo e, por isso, acabam por facilmente criticar ou exigir demasiado”. Apesar de não ter ainda recebido muitas críticas negativas, a estudante de doutoramento confessou que no início “foi difícil” e que se deixou afetar por algumas dessas opiniões que lhe chegaram, mas neste momento olha para as mesmas como algo que a fará “melhorar mais, crescer mais”.

MathGurl disse que, felizmente, não tem muitos haters. “Recebo várias mensagens despropositadas e atrevidas, mas quase não recebo críticas negativas quanto aos conteúdos que produzo. Embora eu não faça os vídeos com o propósito único de ter muitas visualizações, fico sempre um pouco triste quando um vídeo não tem o alcance e a receção que eu achava que merecia ter. Para me animar, tento pensar que o mais importante é ter orgulho nos conteúdos que produzo, mesmo que a interação da audiência com o vídeo fique aquém do esperado”, explicou.

No que diz respeito aos desenhos da Mariana, a estudante deu conta que quando o conteúdo dos desenhos é principalmente teórico (os desenhos legendados), tenta “não cometer erros e verificar a informação nos livros de anatomia para transmitir a informação mais fidedigna possível”, evitando assim possíveis críticas. “Enquanto estudante de doutoramento e ilustradora, tenho a responsabilidade de divulgar a informação correta”, sublinhou.