"Tipo imagina..." como está a evoluir a fala e escrita?

27-05-2024 | Nuno Passos | Fotos: DR

José Sousa Teixeira é investigador do Centro de Estudos Humanísticos da UMinho e professor associado do Departamento de Estudos Portugueses e Lusófonos da Escola de Letras, Artes e Ciências Humanas da UMinho

A presença dos telemóveis entre adolescentes e jovens massificou-se

Exemplo de conversa pelo telemóvel

A palavra "tipo" tem sido repetida na oralidade adolescente

Expressões comuns nos jovens

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Com múltiplos ecrãs e a IA, os jovens comunicam mais rápido e em mais meios, mas com menos concentração, explica o linguista José Teixeira.


“Se o cirurgião estivesse a operar e, em simultâneo, a ver um vídeo qualquer no smartphone, algo poderia falhar – e na comunicação atual dos jovens passa-se isto, têm mais capacidade de estar em vários assuntos ao mesmo tempo, mas com menor grau de concentração e foco”. O resumo é de José Teixeira, da Escola de Letras, Artes e Ciências Humanas (ELACH) da UMinho. Nos anos 90, este professor foi um dos primeiros portugueses a publicar sobre as novas formas de escrever trazidas pelos telemóveis da época. Hoje somam-se ecrãs multiplataforma, a inteligência artificial e a “internet das coisas”, com contextos físicos e/ou virtuais sempre interconectados.

Várias palavras-muleta dos jovens também mudaram: de bazarbuébaril ou tótil para cringebueda niceganda fail ou swag. Há muitos tipo ou imagina a intercalar frases e na escrita troca-se estás por tás ou quê por q. Aliás, carrega-se na pontuação (!!!!), nas siglas (bff, de best friend forever), na inclusão (todxs) e em emojis hashtags em catadupa. Mau uso da língua ou uma espécie de código que cria palavras e significados e adapta estrangeirismos? Yahh, tipo, é mêmo esse o mindset, mano, diria um adolescente. A linguagem cresce e muda com eles, influenciando outras faixas da sociedade; é um ser vivo em renovação, acelerada pelo discurso digital. Brasileirismos ou anglicanismos via redes sociais e séries Netflix são quase um update de novelas e filmes dos anos 90. Na prática, os jovens são mais flexíveis a modas, a ideias, a atitudes, a riscos – e a comunicação interpessoal é parte disso.

“A simplificação nas palavras e na construção frásica não é um défice cognitivo, é a ânsia de comunicar rápido e há uma clara oralização no contexto interativo digital”, anui José Teixeira ao NÓS. Com as novas formas de comunicação, as coisas mudam de modo mais veloz e intenso. “A chegada das SMS gerou polémica entre académicos, mas eu preferi desmitificar a sacralidade da língua, pois esta ultrapassa a mera escrita formal, realidade que na cultura ocidental tem 3000 anos”, defende. A expressão “pôr o preto no branco” significando "fixar algo para a eternidade" existia porque a escrita tinha esse caráter, mas perdeu-o pela primeira vez com os SMS. Surgiram até dicionários online de SMS e, com o boom das redes sociais, o cenário complexificou-se. Os próprios emoticons/emojis representam a oralidade que a escrita não parece conseguir materializar, continua o investigador do Centro de Estudos Humanísticos da UMinho (CEHUM).





A escrita não é sagrada

Escrevemos mais do que antes, não tenha dúvidas – não é verdade que os jovens ‘não leem nada nem escrevem nada’, fazem-no é de forma mais rápida e breve, menos definitiva”, frisa. “A nossa capacidade de atenção diminuiu, ou seja, abordam-se mais assuntos simultaneamente, mas com menos concentração/entrega e já não decoramos tanto, pois o Google diz-nos o que queremos e, há quem defenda, está a provocar uma revolução cognitiva, com o próprio cérebro e os dedos da mão a alterarem-se quase sem notarmos”, sublinha José Teixeira. Resta saber os efeitos positivos e negativos, mas o mundo mudou nesse aspeto.

A escrita e oralidade também refletem a globalização, mas não há (ainda) lugar para alarme. Para o docente, as línguas interpenetram-se umas nas outras e destacam-se aquelas com mais poder económico-cultural a cada época, como foi o latim, o francês, o inglês. O chinês é a língua materna mais falada do mundo, mas para já ainda regional, e ao árabe falta unidade, considera o professor da ELACH. A importância do português deve-se a ser falada em quase todos os continentes e por mais de 250 milhões de falantes nativos, logo “augura-se um futuro risonho, mas, se o Brasil se quiser autonomizar, o português global pode perder importância”, pondera.

A afirmação real de uma língua vê-se cada vez mais pela presença digital e os usos à distância, seja em trabalho ou lazer. “Dizia-se que uma língua teria que ter boa literatura para sobreviver, mas hoje ela tem é que estar em formatos online, em que multinacionais como Google, Meta ou Microsoft têm influência nesse futuro e, creio, tendem a preocupar-se em especial com as línguas mais usadas…”, ilustra. É no online que os cidadãos tendem também a fazer mais contactos, preterindo o lado presencial. “Basta ver um jantar de família em que todos estão no seu telemóvel. Enfim, há momentos para abraçar, rir, olhar o outro, mas vivemos numa época em que as pessoas estão a adaptar-se e as próprias empresas de publicidade consideram o lado presencial relevante… Não sou pessimista nem otimista sobre o tema, porque a comunicação já foi gravada na pedra, por lápis, depois nos teclados e com a IA será outra coisa”, sorri.





E como é nas aulas?

O contexto letivo é desafiante. José Teixeira lembra que nos anos 90 nenhum estudante trazia computador portátil para a universidade. Poucos anos depois, ele proibiu o uso de telemóveis nas suas aulas. “Agora, é quase impossível, entre os alunos que estão a olhar para o seu telemóvel, alguns complementam a informação do professor, que está a ser sempre checkado e não pode dizer coisas à sorte”, clarifica. As aulas são dadas de forma diferente e “seria útil” haver uma disciplina sobre Literacia da Atenção, como lidar com novas tecnologias e o que é (des)informação e "noções estranhas como 'factos allternativos'". “A desinformação é algo falso ou diferente, há alunos de mestrado a pensar que o que está na net é sempre verdadeiro, por vezes pegando em duas coisas opostas”, lamenta.

José Teixeira admite que se vive numa sociedade da informação por “bolhas”, com informação que aceitamos e outra que preferimos rejeitar ou não ver, e que os algoritmos das redes sociais precipitaram. A islamofobia ou russofobia é então algo temporário ou já parte da identidade politico-cultural internacional? “A informação colocada ao público pode ser para os próprios ou para terceiros, mas as atitudes dos governos em épocas de guerra procuram contagiar a forma de viver e a cultura que é reconhecida a certos países”, refere. “Dei aulas na Universidade de Moscovo e adorei a cultura e o povo, que espero não sejam responsabilizados no mundo pelas opções militares do seu Presidente e é deplorável que na UE se proibisse uma TV russa de transmitir ou até atuações de artistas, obras e cursos de línguas russos”, anui.

Sobre a importância das interações do quotidiano, o investigador do CEHUM realça que o discurso é a forma mais evidente de a sociedade fazer estratificações sociais, de se importar ou de aceitar/rejeitar melhor o outro. Exemplifica com as praxes académicas, em que autointitulados doutores simulam um discurso para criar posição. Se é levado a sério ou a brincar, depende dos intervenientes: “As universidades, ao afastarem essas atividades oficialmente dos seus campi, mostram que a brincadeira, o discurso e a forma de o usar é variado e interligado com certas práticas que podem atentar os valores éticos”. Para José Teixeira, o ser humano sobrepôs-se às outras espécies pela sua capacidade de adaptação e também de comunicação, informação e conhecimento, “a tríplice que a academia tem o papel de saber aprofundar”, para que a humanidade seja mais feliz, próspera e pacífica.