Foi no curso de Arquitetura na UMinho que descobriu a sua paixão e adquiriu as bases para se lançar na área. De maquetista para designer de cenários de cinema, é a partir de Londres que Olavo Abrantes coloca no papel o seu imaginário.
Lembra-se como foi o seu primeiro dia na UMinho?
O primeiro dia foi libertador. Era o início de uma nova etapa, com todas as possibilidades em aberto. Tive a sorte de criar grandes amizades que mantenho ainda hoje. Os restantes dias foram um misto de felicidade e ansiedade. O curso marcou-me imenso, principalmente por me ter ajudado a descobrir a minha verdadeira vocação: cinema.
O que o levou a escolher o curso de Arquitetura?
Foi um acaso ou, melhor, uma consequência do que era o campo artístico em Portugal. Sempre gostei da ideia de criar algo e de transformar ideias em realidade. Por isso é que o mundo da banda desenhada, do cinema e dos videojogos sempre me cativou! Num país em que ser artista não era garantia de estabilidade, optar pela licenciatura em
Arquitetura pareceu-me ser o mais sensato, permitindo-me colocar em prática a minha criatividade.
Que momentos da vida académica recorda com mais saudades?
Tenho muitas saudades dos jantares de turma, dos momentos de convívio e das longas sessões de trabalho em grupo para a entrega de projetos. Também sinto falta das discussões e da partilha de ideias entre colegas. O curso promovia, naturalmente, esta a interação entre todos.
Em 2013 começou a enviar candidaturas para o Reino Unido. Foi o primeiro passo para chegar mais perto do que queria realmente...
Exatamente! Estava a escrever a minha dissertação de mestrado quando comecei a encarar o cinema como uma possibilidade, tendo perfeita consciência das dificuldades e dos sacrifícios da profissão, nomeadamente sair de Portugal. E assim foi: em 2015 mudei-me para Londres. Comecei por trabalhar na construção de maquetas de arquitetura, só depois é que passei para a área cinematográfica.
É como set designer que ocupa parte dos seus dias. Em que consiste a sua função?
Sou responsável pela produção dos desenhos técnicos que dão vida aos cenários dos filmes. Trabalho diretamente com o designer de produção e os diretores de arte.
Os atores Robert Pattinson e Zoë Kravitz nos cenários sombrios e misteriosos de "The Batman" (2022)
“Será que consigo trabalhar a este nível?”
Mas não faz só isso… Conte-nos mais.
Fazia parte do meu sonho ser designer de produção num projeto cinematográfico de grande escala. Por isso, para adquirir experiência, comecei a assumir essa função em produções mais pequenas. A vantagem deste tipo de projetos é que permite uma maior experimentação ao nível de ideias e soluções criativas, já que não estão sujeitos aos constrangimentos das produções com orçamentos mais elevados.
Como foi destacar-se numa área tão peculiar?
A maior dificuldade sentida foi a de me mentalizar que estava a trabalhar com os melhores profissionais da indústria do cinema. Pessoas que eram uma referência para mim. Aquele sentimento de inferioridade, “Será que consigo trabalhar a este nível?”, acompanhou-me durante algum tempo, mas já passou.
Foi um início de percurso incrível! Tive a felicidade de começar a minha carreira na altura certa e de conhecer profissionais que já conheciam o meu trabalho de produções mais humildes. Recordo-me de, no primeiro dia de trabalho em “Morbius”, me ter sentido um privilegiado ao ter acesso a informação sigilosa sobre todos os cenários. Tinha deixado de ser um simples espectador de filmes para trabalhar diretamente na produção dos mesmos.
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Hello, good afternoon!
Alguma história caricata que queira partilhar?
Há dois momentos que me marcaram imenso! O primeiro foi quando bati de frente com o ator Robert Pattinson nas filmagens do “The Batman”. Estava a chover em estúdio e o Robert já estava disfarçado de super-herói. Não estava à espera, foi um choque vê-lo! Mesmo sabendo que era fictício, há sempre um lado de nós que se perde na fantasia. Ver tudo a ganhar vida depois de meses de trabalho é muito gratificante. Poder interagir com todos os cenários e cumprimentar Batman com um "Hello, good afternoon!" está definitivamente na minha lista de histórias para contar [sorriso].
E o segundo episódio?
Receber o telefonema do supervising art director James Lewis, a convidar-me para um novo projeto, sem referir o título e o tipo de produção. Só me disse que teria de conduzir cerca de 140 quilómetros por dia para chegar aos estúdios e, para me convencer, acrescentou que a história envolvia sabres de luz. Aceitei, claro [risos]!
Contou este ano com várias nomeações no British Film Designers Guild – e levou para casa um dos principais galardões. É sentimento de missão cumprida?
Ser reconhecido por alguns dos melhores profissionais da indústria é compensador! Ainda por cima quando são eles a votar. Além de ter vencido o “Best Production Design”, com a curta-metragem “
Recursive Dreams”, duas das minhas produções ficaram entre os três grandes finalistas num total de dez projetos submetidos. Este voto de confiança por parte dos meus pares deu-me ainda mais força para acreditar que estou na profissão certa e ajudou-me a ultrapassar o receio inicial que me levava a questionar se seria bom o suficiente.
É nesta área que se imaginava a trabalhar em criança?
Estaria a mentir se dissesse que sim. Trabalhar em cinema era algo tão inalcançável que a ideia nunca me passou pela mente até ao 4.º ano do curso de Arquitetura.
Em que projeto teria gostado ou gostaria de trabalhar?
“The Batman” e “
Star Wars: The Acolyte” já foram projetos de sonho! Fica apenas a faltar um projeto para a Marvel Studios para encher um pouco mais a lista de projetos incríveis, talvez num futuro próximo...
Onde se vê daqui a dez anos?
Espero ser designer de produção num projeto de grande dimensão e ter em paralelo outros projetos pessoais a decorrer.
Regressar a Portugal faz parte dos planos?
Não de forma permanente. Trabalhar no mundo do Cinema obriga a alguma flexibilidade. Por exemplo, tive de viver cinco meses em Belfast, na Irlanda do Norte, para gravar a série “
School for Good and Evil”, da Netflix. Em “Star Wars: The Acolyte” fui enviado como representante do Departamento de Arte da Disney+ para supervisionar os cenários filmados na Madeira. Foi espetacular poder estar no meu país durante a produção de uma série desta escala. Em Portugal, existe um enorme potencial para se criar uma indústria de cinema robusta, mas são necessárias algumas mudanças, quer ao nível da formação técnica e da mentalidade, quer ao nível dos incentivos, para que quem queira trabalhar na área não tenha de escolher entre uma indústria nacional precária ou o sonho além-fronteiras.
Filmes e mais filmes. E se forem de Christopher Nolan melhor!
Um livro. “Neuromancer”, de William Gibson.
Um filme. “Inception”, de Christopher Nolan.
Uma série. “For All Mankind”, de Ronald D. Moore, Matt Wolpert e Ben Nedivi, da Apple+.
Uma música. “Sacrifice of Tradition”, de Ilan Eshkeri.
Uma viagem. Islândia e um desejo muito grande de ir ao Japão.
Um passatempo. Desenhar e construir novos adereços para filmes.
Um vício. Filmes.
Um prato. Ramen.
Uma personalidade. O realizador Christopher Nolan.
Um momento. Ver pela primeira vez o meu nome nos créditos de um filme no cinema.
Um sonho. Produzir um grande projeto de cinema em Portugal.
UMinho. Partilha de conhecimentos e experiências.
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