“A arquitetura é a mais social de todas as artes”

17-02-2025 | Pedro Costa | Fotos: Nuno Gonçalves

1 / 3

Prémio de Mérito Científico da UMinho 2025 é entregue hoje a Maria Manuel Oliveira, professora da Escola de Arquitetura, Arte e Design e investigadora do Lab2PT.




Maria Manuel Oliveira, professora associada com agregação, formou-se em Arquitetura pela Escola Superior de Belas-Artes do Porto - ESBAP (1985) e, desde 1997, é docente na Escola de Arquitetura, Arte e Design da Universidade do Minho (EAAD), onde se doutorou e da qual foi presidente entre 2015 e 2018. Tem lecionado pontualmente noutras universidades como professora visitante ou convidada, tendo iniciado o seu percurso docente no Departamento de Arquitetura da Faculdade de Engenharia da Universidade de Angola, ao abrigo de um protocolo com a ESBAP, e na Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto, onde integrou, como investigadora, o seu Centro de Estudos.

Desenvolve prática arquitetónica e consultoria no âmbito do Centro de Estudos da EAAD, que fundou em 2009 e em cuja direção participou até 2018. Membro do Laboratório de Paisagens, Património e Território (Lab2PT) e pesquisadora colaboradora no grupo TOPOS | FAU-Universidade de Brasília, centra atualmente a investigação no campo da Arquitetura Moderna em territórios lusófonos, encontrando-se envolvida em projetos relacionados com a reabilitação de espaços e edifícios cujo contexto se revela crítico para a construção da memória urbana coletiva.

Exerceu ofício liberal em atelier próprio entre 1988 e 1999, tendo anteriormente trabalhado no Gabinete de Planeamento Urbanístico da Câmara Municipal de Guimarães, sob orientação de Nuno Portas. Ao longo da sua carreira desempenhou vários cargos em instituições externas à academia, tendo sido, designadamente, vice-presidente do conselho diretivo da Fundação Côa Parque entre 2017 e 2019 e presidente da assembleia de delegados da Ordem dos Arquitetos no mandato 2020-2023. A par com a prática profissional tem procurado exercer, ativamente, o seu papel enquanto cidadã, defendendo causas que considera essenciais à equidade social em democracia, como a igualdade de todos os géneros, a não discriminação étnica, religiosa e social e o direito universal à saúde, à educação e à cidade.



Quem é Maria Manuel Oliveira, o que é que lhe ocorre dizer sobre si?
Sou uma pessoa com uma vida já longa, uma mulher que cresceu num meio predominantemente masculino, mas a quem, apesar dessa circunstância, sempre foi possível definir e escolher os caminhos que quis seguir, um privilégio que reconheço profundamente.
 
Foi uma criança feliz?
Fui, de facto, uma criança muito feliz. Tive a sorte de crescer no campo e de pertencer a uma família grande. Como quase todas então, era uma família bastante conservadora e tradicional. Vivíamos várias gerações numa casa enorme [na freguesia de Ronfe, Guimarães], com um quintal também muito grande, sempre com imensa gente e muitas crianças. Eu sou a mais velha de sete irmãos. Crescemos todos ali, a ir de manhã a pé para a escola com os nossos vizinhos, de onde demorávamos horas a voltar para casa pois vínhamos a brincar pelo caminho. As férias eram imensas e lembro-me de uma infância muito solta, cheia de espaço e tempo livre.
 
Essa liberdade e vivência fê-la uma pessoa pouco enraizada, ou precisa sempre de voltar à base?
De alguma maneira eu tive de sair muito cedo de casa. A partir do momento em que, com 10 anos, fui para o liceu, precisei de ir para a cidade e a relação quotidiana com a aldeia alterou-se substancialmente. Por outro lado, deu-me a noção, para mim essencial, da importância de ter uma casa. Preciso de um sítio onde pendurar o chapéu, como diz Bruce Chatwin. A partir daí posso andar pelo mundo todo o tempo que quiser, mesmo durante períodos dilatados, que a existência desse abrigo me dá segurança. É verdade que sinto ainda certa nostalgia do campo: vivo no centro da cidade, mas tenho um terraço cheio de plantas, porque preciso de coisas verdes à minha volta, que crescem e se modificam, acompanhando as épocas do ano; não é já o quintal com batatas e ameixas, mas é, apesar de tudo, uma referência ao chão e à terra que me é fundamental.
 
E é a partir desse ponto de referência que viaja. Isso é muito profissional ou também é seu?
A viagem é uma condição muito estimulada – e desejada – no nosso meio disciplinar. Em arquitetura, precisamos de ir aos sítios, de nos colocarmos no espaço e de o percorrer, pese embora todas as fotografias, imagens imersivas e projetos que deles conheçamos. Gostamos de sentir os locais e os edifícios, a sua escala, a luz e as matérias que os compõem, a forma como o corpo com eles se relaciona. Estudamo-los no local. A experiência da arquitetura é sensorial, mas é, em simultâneo, uma experiência interior. Há arquitetura que nos emociona profundamente e é só quando a visitamos, quando a conhecemos fisicamente, que essa sensação nos toca de forma inesquecível. Mas também existe a apetência pessoal e eu, de facto, talvez por desde muito pequena ter tido de sair de casa, sempre senti uma grande curiosidade em conhecer outros contextos para além daqueles que culturalmente me são próximos. Viajar por lugares e por sítios onde as geografias são diferentes, onde as vidas ocorrem tão distintas das nossas, é-me muito importante. São experiências extraordinárias, por vezes bastante duras. Essas viagens recentram-me, fazem perceber o meu lugar relativo numa Terra tão vasta, onde viver confortavelmente, em liberdade e com possibilidades de opções de vida é um privilégio raro, que temos que reconhecer e apreciar.

As viagens trazem-lhe uma noção de mundo, em contraponto com o mundo que lhe chega todos os dias nos meios de comunicação. Como observa o mundo?
Eu sou um ser político, naturalmente. Vivo imersa no mundo, atenta ao mundo, e posiciono-me perante o que se vai desenrolando nele. Algumas vezes envolvo-me diretamente, quando as questões me tocam mais de perto. Tendo, por caráter, a ser positiva, mas o momento atual não aponta nesse sentido. Apesar de tudo, penso que não podemos desistir de um otimismo com rigor crítico, que acredita que não perdemos a capacidade de conseguir reformular e inverter caminhos, abrindo novos futuros favoráveis à equidade global. Confesso que nunca me ocorreu assistir à multiplicação de acontecimentos tão absolutamente trágicos como os que vivemos: a guerra sofrida na Ucrânia e a destruição de Gaza (acompanhada pela inaceitável violência na Cisjordânia), onde encontramos uma situação de desumanidade total e genocídio explícito; em África, onde há povos sob circunstâncias terríveis, como no Sudão, por exemplo; ou no Bangladesh, onde cada vez que o nível da água sobe alguns milímetros fruto do novo regime climático, milhões de pessoas são obrigadas a deslocarem-se. Enfim, não desenvolvo um discurso de preocupação para com o planeta, porque ele sobreviverá. Mas se a Terra não tem esse problema, a nossa espécie e o seu ecossistema vital sim, estando perante opções existenciais. Julgávamos viver um progresso civilizacional em trajetória segura, apesar de claramente desequilibrado. Porém, apresentam-se-nos sérias ameaças de uma tecnodistopia autoritária avassaladora e destrutiva. E é exatamente por essa razão que não podemos desistir de construir - e lutar por - um projeto de futuro, otimisticamente acreditando na inteligência da espécie humana.
 




"Eu sou um ser político" 

Quando é que sentiu que a arquitetura chamava o seu lado investigativo?
Eu diria que pela primeira vez me confrontei com a investigação em arquitetura, sistematizada de uma maneira muito clara e intensa, quando trabalhei na Câmara Municipal de Guimarães, com o professor Nuno Portas. Ele estava a chegar ao Vale do Ave para explorar o território difuso - ou o território do disperso, como então dizíamos -, que era uma categoria inexistente no léxico do planeamento contemporâneo. Foi um trabalho que começou de raiz, a procurar a identidade específica e as razões de ser daquela forma de assentamento, que não era institucionalmente reconhecida até então, e que sabíamos ser preciso investigar. Com Nuno Portas abriu-se uma trajetória inquieta e luminosa, que permitiu interpretar a realidade de uma maneira completamente diversa daquela com que a olhávamos até então. E esta aproximação exigiu, na verdade, a criação de novos conceitos e categorias de planeamento, de grande robustez e que perduram ainda hoje, que resultaram de muita e persistente investigação.
 
A Arquitetura enquanto ciência assumida e reconhecida também é uma inquietação?
A Arquitetura é um campo científico integrado academicamente, mas vive na tensão entre a pacificação que a academia lhe proporciona através do seu reconhecimento e o desassossego que é a sua condição existencial. Debate-se, também, entre a especialização que a ciência tem exigido aos investigadores e a perspetiva de uma prática de espetro largo, que acompanha, ou acompanhava, a sua abordagem preferencial. A área da Arquitetura não se restringe ao desenho e à construção, ampliando-se por múltiplos campos teóricos e tecnológicos que desenvolvem investigação segundo metodologias académicas canónicas. Mas as fronteiras entre investigação aplicada e investigação fundamental são aqui especialmente fluidas, sendo certo que o desenho como instrumento de conceção/interpretação/fixação do espaço está no cerne da disciplina, constituindo o seu âmago. Defendemos que o desenho em arquitetura é uma forma de conhecimento que implica pesquisa. O que significa que associamos o desenvolvimento do projeto – sempre um caminho de estudo e colmatação de conhecimento – a um processo de investigação que utiliza instrumentos disciplinares próprios. Há projetos em que esse pendor investigativo se revela muito sensível e crucial, porque abordam temas que obrigam à procura de soluções com elevado grau de complexidade. A prática da arquitetura reconhece os seus paradoxos, que aceita como parte integrante do universo em que se move, vendo neles, frequentemente, um importante estímulo à sua criatividade. De uma forma geral, é através do projeto que procura pacificar o sentimento de inquietação que lhe é intrínseco, construindo visões comprometidas com o reordenamento da realidade, que busca melhorar. Em qualquer dos casos, a Arquitetura é, sempre, um projeto de futuro, uma síntese desenvolvida em cooperação com outras disciplinas.
 
O caráter interdisciplinar e multidisciplinar também é fator de enriquecimento.
Sem dúvida. É não só um fator de enriquecimento, mas uma conjugação indispensável à produção arquitetónica, apenas possível pelo concurso de várias áreas. A multidisciplinaridade implica claramente negociação e confiança nos especialistas e equipas com quem trabalhamos, de forma a decidir o que é que, em termos de importância e fundamentação, deve prevalecer nas decisões de projeto. Mas a cooperação multi e interdisciplinar não é um processo regular. Tem picos de intensidade muito diferentes: em alguns momentos encontramo-nos absolutamente mergulhados apenas na nossa área e, logo depois, estamos a trabalhar muito intensamente com as entradas que vêm de outras disciplinas. É uma das razões que faz com que o projeto de arquitetura seja sempre um campo muito interessante de ampliação do conhecimento, porque estamos, sistematicamente, a aprender em interação com vários saberes. Nesse processo, o arquiteto é quem deve fazer a coordenação e, em última instância, é quem toma decisões que vão compatibilizar as soluções das especialidades com as suas próprias exigências disciplinares, construindo uma síntese que confere caráter ao projeto. Grande parte da dificuldade está exatamente aí, em integrar no desenho todos estes inputs que vão chegando – e que muitas vezes são contraditórios entre si –, decidir da sua importância relativa e trabalhá-los de forma a que eles contribuam para a coerência formal, funcional, técnica que é própria a cada projeto e que, evidentemente, é que garante a sua qualidade e a do futuro que antecipa.
 
Estes caminhos e conhecimentos novos estimulam-na...
Na verdade, ao longo da vida - e de uma já longa carreira profissional – percebo um padrão de opções pessoais que, de alguma forma, sempre me ligaram ao início de novas atividades, em circunstâncias criadas mais ou menos de raiz. Não posso dizer que tenha sido uma escolha deliberada nesse sentido, mas suponho que terá a ver com a minha predisposição para montar e organizar novas estruturas, de variadas tipologias. E é também verdade que quando, depois, o sistema já está a funcionar, a rotina me aborrece. A esta distância, consigo perceber que ao longo do tempo exerci em muitas áreas e em muitas circunstâncias diferentes e fiz, por vezes, mudanças de rumo radicais. Essa trajetória foi um pouco errática e teve, sobretudo, a ver com curiosidades novas que, entretanto, surgiam e às quais eu não resistia.
Suponho que muita da apetência pela investigação passa pelo reconhecimento das nossas ignorâncias, e por uma curiosidade grande em compreender como é que podemos lidar com elas e testar onde nos conduzem. Talvez o mais interessante seja exatamente isso: não se chega propriamente a um fim ou a uma conclusão definitiva, mas atinge-se um determinado ponto de síntese que, encerrando um ciclo, abre novos e prometedores caminhos.
 
Mas os modelos de avaliação também podem ser “pouco simpáticos” para alguém com o seu perfil. Concorda?
As disciplinas como a Arquitetura e as áreas mais puramente artísticas entraram na universidade muito recentemente. Eu, por exemplo, formei-me na Escola Superior de Belas Artes do Porto, junto com os cursos de Pintura e Escultura. A Arquitetura tem uma componente artística que é reconhecida, confere caráter ao desenho e articula as suas vertentes formal, funcional e técnica. Mas a universidade estava habituada a áreas disciplinares e científicas estruturadas de uma forma mais circunscrita, muito ancoradas a um sistema de avaliação cartesiano e especializado, sendo difícil para nós, que nos movemos no território da síntese e, frequentemente, em campos generalistas, conseguir – ou até, na verdade, querer – acompanhar essas métricas. Mas estar hoje alguém do campo da Arquitetura nesta situação de reconhecimento [o Prémio de Mérito Científico] revela que a Universidade do Minho está atenta e disponível a outras possibilidades, o que é uma bela notícia. Simultaneamente, a permeabilidade à sociedade que as áreas artísticas e de fronteira implicam é realmente fértil, alimentando a academia e o conhecimento que produz, só tendo a ganhar se conseguir, ela própria, absorver a informação que lhe chega do exterior, não se encerrando no seu universo mais asséptico.
 
Como vê então o espaço de afirmação da arquitetura?
A acção da arquitetura abrange escalas muito diversas. Tem um espaço de afirmação, tanto teórico como prático, que se move “entre a colher e a cidade” e percorre também o território e a construção da paisagem, ancorando-se no mundo real. Sendo uma disciplina com óbvia dimensão criativa, que integra uma componente pragmática e técnica essencial, a sua proposta não é inócua, de alguma forma contendo sempre uma visão de cidade e de sociedade. Assume, ainda, responsabilidades ambientais cada vez mais presentes e urgentes. A arquitetura tem assim, perante a comunidade, uma responsabilidade ética fortíssima: é, primordialmente, um meio de melhorar a qualidade de vida das pessoas. Uma asserção já antiga diz que a arquitetura é a mais social de todas as artes. Nessa lente alargada de ação, tem a seu cargo – em articulação com múltiplos outros atores, entre os quais as próprias comunidades – o desenho do espaço coletivo e do espaço público. A arquitetura sempre esteve presente na configuração da cidade e na caraterização da sua vida urbana, de uma maneira mais evidente ou mais anódina. E num momento em que sabemos que já predamos demasiado o chão que nos acolhe e que não devemos edificar de novo senão o estritamente imprescindível, a arquitetura investiga também sob essa perspetiva, procurando qualificar o presente e preparar o futuro dos territórios que nos acolhem. 

 



As sociedades precisam de se abrir mais à diferença

Nesta entrevista visitamos vários espaços especiais para si, em Guimarães.
Estivemos numa escola [EAAD] e num museu [Sociedade Martins Sarmento], edifícios [respetivamente] da autoria de Fernando Távora e Marques da Silva, arquitetos de grande renome no panorama arquitetónico português do século passado. Visitámos também um outro edifício radicalmente diferente [Centro para os Assuntos da Arte e Arquitectura], uma antiga fábrica que cumpriu um papel fundamental no tecido socio-industrial do século passado e que, com o impulso da Guimarães 2012, se transformou num lugar muito especial e único na cidade. Em todos coabitam vários usos, de trabalho e de investigação, de conhecimento e de divulgação artística e cultural, mais perene ou mais fugaz. São espaços que se enriquecem simultaneamente, com temporalidades e perspetivas diferentes, comprovando que a trajetória da cidade e dos edifícios e a trajetória da vida social e cultural se vai construindo em movimentos complementares, atualizando o devir da História...
 
...num espaço comunitário que é cada vez mais multicultural e diverso.
As sociedades precisam de se abrir cada vez mais à diferença, têm que ser progressivamente mais acolhedoras da diversidade. A multiculturalidade, quando aceite e integrada, enriquece o tecido social e não existem motivos para a temer. Pelo contrário, esse compósito deve ser olhado como algo que alimenta a nossa identidade, os nossos lugares, as nossas cidades, constituindo, também, um ingrediente da nossa plenitude enquanto seres culturais. Suponho que é essa a grande a batalha a travar hoje em dia, pela coesão e permeabilidade do mosaico social urbano, procurando fazer do espaço público e dos espaços de cultura lugares que, de alguma forma, favoreçam o encontro e o reconhecimento mútuo, dando expressão ao direito à cidade e à vida democrática. E se o desenho do espaço não resolve, por si, as tensões e as barreiras existentes, pode ser um poderoso facilitador através da criação de lugares de harmonização social. A arquitetura, porque incorpora sempre uma ideia de cidade, tem um inevitável compromisso com essa missão mediadora face a uma sociedade em permanente transformação.
 
Onde é que está o seu foco, a sua curiosidade, enquanto investigadora neste momento?
Acabou há alguns meses a obra de reabilitação do convento de São Francisco de Real, em Braga, um projeto de arquitetura desenvolvido no Centro de Estudos da EAAD, que exigiu investigação intensa e um estudo muito profundo e interdisciplinar. Neste momento estou a fechar um trabalho que iniciei em Zanzibar [Tanzânia], numa sabática, sobre a hipótese de reabilitação e readaptação de edifícios Omanitas altamente degradados – e ocupados por diversas famílias com condições socioeconómicas muitíssimo frágeis –, que são peças arquitetónicas muito interessantes. Aí, para além do objetivo prioritário de, através de um projeto, defender a permanência dessas famílias no centro da cidade em condições dignas, interessa-me perceber os elementos espaciais que efetivamente têm significado na construção da memória coletiva, procurando depurar o excesso de patrimonialização que vivemos hoje em dia, que se confunde, muitas vezes, com um fetichismo tradicionalista e conservador.
 
De que forma é que, nessa trajetória, entram a burocracia e os cargos de gestão?
Considero fundamental o exercício de cargos de gestão e tenho o maior respeito por quem os executa bem e com parcimónia. Para mim, não é, de todo, uma tarefa fácil. Não está na minha natureza. Não me sinto atraída pela gestão e não tenho apetência por cargos. No entanto, por vezes, não tive alternativa senão ocupá-los; nesses momentos investi o meu melhor empenho e rigor em relação às orientações que julgava dever conduzir, inclusive implementando projetos novos. Nesse sentido, estarei sempre grata às equipas que tão bem me acompanharam, porque sem essa cumplicidade próxima não sobreviveria. Mas, definitivamente, sou mais um elemento da retaguarda do que da frente das organizações.
 
Mas o Centro de Estudos nasceu consigo e obrigou-a a uma liderança...
Sim, é verdade. Mas eu tinha imensa vontade de o montar e aproveitei a primeira oportunidade que surgiu. O Centro de Estudos sempre foi muito especial, uma espécie de pequeno ateliê, feito de entusiasmos voluntariosos, em que cada um era responsável pelo projeto que coordenava e pela forma como geria o financiamento, as pessoas que contratava, etc. E, dentro dessa autonomia, tornava-se bastante fácil a questão da organização, que era muito cooperativa. Tínhamos confiança uns nos outros e na autossuficiência e eficácia de uma gestão flexível e coordenada. Nesse sentido, o Centro de Estudos nunca foi uma estrutura pesada, pois sempre a conseguimos manter muito mais horizontal do que piramidal. E, sim, aí sentia-me confortável... Nesse ambiente pouco burocratizado, desenvolvemos muitos projetos – alguns dos quais de grande envergadura – e muita investigação. Trabalhámos para várias instituições, organizámos equipas com especialistas externos e com colegas de toda a universidade e demos estágio a muitos alunos recém-formados. Foi uma experiência fantástica e irrepetível.
 
Como vê o reconhecimento de lhe ser atribuído o Prémio de Mérito Científico?
Sinto-me muito honrada com esta distinção, evidentemente, e confesso que me foi totalmente inesperada. Especialmente pensando nas métricas usuais de avaliação da nossa produção científica, entendo o Prémio como o reconhecimento de áreas disciplinares que têm trajetórias de investigação um pouco diversas das mais canónicas. E não me refiro apenas à Arquitetura, pois a Universidade do Minho integra artistas plásticos, do teatro e da música, nomeadamente, cuja investigação também tem um sustentáculo muito denso na sua própria prática disciplinar. Estou a lembrar as áreas artísticas, porque elas são uma componente fundamental ao entendimento do mundo. Traduzem outros caminhos de leitura e interpretação da realidade, reflexo de uma peculiar consciência face ao mundo que habitamos, e são um suporte basilar ao progresso crítico do conhecimento e da ciência. Daí a importância da sua efetiva presença no tecido académico e o indispensável reconhecimento que merecem. Nesse sentido, vejo este prémio como uma porta que se abre...






  Lista de premiados

  Os Prémios de Mérito Científico são entregues na sessão do Dia da UMinho a cientistas ímpares desta academia.

  2009 | Nuno Peres (Escola de Ciências)
  2010 | Rui L. Reis (Escola de Engenharia, hoje no Instituto 3Bs)
  2011 | Carlos Mendes de Sousa (Instituto de Letras e Ciências Humanas)
  2012 | Odd Rune Straume (Escola de Economia e Gestão)
  2013 | Nuno Sousa (Escola de Medicina)
  2014 | Armando Machado (Escola de Psicologia)
  2015 | José António Teixeira (Escola de Engenharia)
  2016 | Moisés de Lemos Martins (Instituto de Ciências Sociais)
  2017 | Paulo Lourenço (Escola de Engenharia)
  2018 | José González Méijome (Escola de Ciências)
  2019 | Leandro Almeida (Instituto de Educação)
  2020 | Patrícia Jerónimo (Escola de Direito)
  2021 | António Vicente (Escola de Engenharia)
  2022 | Helena Machado (Instituto de Ciências Sociais) e Fernando Alexandre (Escola de Economia e Gestão)
  2023 | António Salgado (Escola de Medicina)
  2024 | Isabel Soares (Escola de Psicologia)
  2025 | Maria Manuel Oliveira (Escola de Arquitetura, Arte e Design)