Um cérebro feito de fibra

16-05-2014 | Nuno Passos

Milhares e milhares de fibras no modelo cerebral em alta definição (foto do site upmc.com)

Fibras ocas com milésimos de milímetros de diâmetro que poderão ajudar a modelar o cérebro (foto: FMRG/UMinho)

O traumatismo cranio-encefálico surge sobretudo em acidentes de viação (foto: Fibrenamics/UMinho)

A TAC é uma das técnicas de imagiologia mais usadas em todo o mundo (foto: Fibrenamics/UMinho)

A técnica HDTF, comparada com o Raio-X (acima) e com a imagem por tensor de difusão (abaixo) apresenta melhor resolução dos axónios (foto: Schneider Laboratory)

Sediado na Escola de Engenharia da UMinho, no campus de Azurém, Guimarães, o FMRG tem 25 investigadores, 12 patentes, 23 investigações em curso e mais de 400 publicações científicas, sendo uma referência na área.

Raul Fangueiro é professor do Departamento de Engenharia Civil da Escola de Engenharia da UMinho, investigador do Centro de Ciência e Tecnologia Têxtil (2C2T) e coordenador da rede Fibrenamics (foto: Fibrenamics/UMinho)

A vimaranense Catarina Guise é mestre e doutoranda em Engenharia Biomédica na UMinho, sendo investigadora do Centro de Ciência e Tecnologia Têxtil (foto: Fibrenamics/UMinho)

Walter Schneider, professor de Psicologia no Learning Research and Development Center da Universidade de Pittsburgh, EUA (foto do site upmc.com)

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As fibras podem ajudar a reparar o mais complexo dos órgãos. A UMinho foi convidada pelos EUA para fazer o modelo de um cérebro artificial.




O Grupo de Investigação em Materiais Fibrosos da Escola de Engenharia da UMinho está a desenvolver um modelo cerebral à base de fibras que ajudará a detetar e tratar doenças do sistema nervoso central. A pesquisa é liderada pela Universidade de Pittsburgh, no nordeste dos EUA, e já foi elogiada pela primeira-dama Michelle Obama. O objetivo é ajudar os 50 milhões de vítimas anuais de traumatismos crânio-encefálicos e os 30 milhões de novos doentes de Alzheimer a cada ano, entre outros.
 
Os traumatismos cerebrais resultam sobretudo de acidentes rodoviários, além de agressões físicas, quedas ou lesões por arma de fogo. Nesse impacto dá-se a rutura dos axónios, que são as fibras dos neurónios condutoras dos impulsos elétricos para todas as partes do corpo. Esta rutura gera danos pontuais ou permanentes a nível cognitivo e físico para o paciente. Os métodos de diagnóstico existentes (ressonância magnética, tensor por difusão, tomografia axial computorizada - TAC) detetam a localização e gravidade destas lesões apenas em 30% dos casos, impedindo a avaliação e recuperação esperada dos doentes.
 
Em Pittsburgh, o cientista Walter Schneider inventou uma promissora técnica de imagiologia com maior resolução, a high-definition fiber tractography (HDFT). A partir do movimento das moléculas de água que estão no interior dos axónios, extrapola uma imagem tridimensional em alta definição das estruturas fibrosas do cérebro. A resolução de dois milímetros das áreas afetadas é quase como observar um osso partido na radiografia. A HDTF permite até mapear gliomas (tumores de células que nutrem os neurónios) ou desordens na base do autismo e de doenças degenerativas como Parkinson.
 
Milhões de fibras conetadas entre si

Antes desta nova técnica ser aplicada à prática clínica, é preciso testar, calibrar e validar com perfeição. O problema é haver modelos do cérebro humano (“fantomas”), computacionais ou físicos, que se aproximem com o realismo suficiente. A maioria da investigação internacional na área tem lacunas em pontos-chave, como o limite do tamanho reproduzido das fibras e a precisão em espaços de difusão pequenos ou em longas distâncias. Walter Schneider abordou inúmeros grupos de pesquisa no mundo. O da UMinho, coordenado pelo professor Raúl Fangueiro, “foi o único com a capacidade e o interesse à altura deste desafio”: “É preciso mimetizar o comportamento do cérebro humano, criar milhões de fibras estreitas e intrincadas, organizando-as e conetando-as entre si”.
 
O Grupo de Investigação em Materiais Fibrosos (FMRG) espera ter dentro de dois anos um cérebro artificial de estruturas de fibras ocas que replicam os axónios e as suas ligações, servindo assim de referência para calibrar a técnica norte-americana de tractografia de alta definição e ajudando à deteção precoce de danos praticamente impercetíveis pelos meios atuais. “Com este modelo aprovado, os ganhos serão assinaláveis, com enorme impacto socioeconómico e na saúde pública”, sublinha Catarina Guise, que está a desenvolver a investigação no FMRG, no âmbito do seu doutoramento "Development of fibrous structures for brain phantoms".

Os axónios são formados por microtubos, aproximando-se a fibras ocas unidas. Este foi o ponto de partida para se criar na UMinho um “fantoma” com materiais fibrosos, produzidos por extrusão. As fieiras têm um perfil especial, regulando as dimensões do orifício oco e o número de cavidades. O diâmetro tem 10 a 35 micrómetros (um quinto da espessura do cabelo humano) e deve permitir observar o comportamento de difusão no interior das fibras. Como o sistema nervoso central tem diferentes regiões e configurações, há também técnicas de entrançamento e tecelagem estreita, salvaguardando aspetos como a restrição ou não do movimento das moléculas de água consoante as áreas brancas ou cinzentas do cérebro.