Tecnologias de desporto made in UMinho

28-07-2021 | Nuno Passos

As tecnologias massificam-se do nível amador e próximo da população ao avançado e de alta competição (foto: running-care)

Momento de treino visual do guarda-redes internacional Eduardo

Esta película com sensores permite monitorizar parâmetros da atividade desportiva e de lazer

As "Eletrosocks" permitem a recuperação rápida e duradoura do atleta e reduzem o risco de lesões

O robô autónomo “Golfinho” apanha as bolas perdidas nos campos de golfe

A equipa de futebol robótico da UMinho compete desde maio de 1998

O conceito do "WalkOn", que recarrega a bateria do smartphone enquanto caminhamos

O renovado chassis para a "DEPieres" competiu no Campeonato Nacional de Todo-o-Terreno

Hélio Silva com o protótipo UMotor junto ao veículo "BebUMlitro", nos laboratórios da Escola de Engenharia

O skate formado por laminado de fibra de carbono com madeira nasceu no consórcio luso-galego Valornature

O assento compósito “HybridTec” reduz os componentes, o peso e o custo de produção face às soluções metálicas

O depósito de fuel portátil “Jerrycan Pro Octane” é ideal para provas de motociclismo off-road

Pontos fortes e debilidades da seleção portuguesa de futebol, segundo a plataforma "TalentSpy"

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Os centros de I&D e interface têm inovado em vários âmbitos, apoiando os cidadãos e elevando o rendimento de atletas a patamares jamais alcançados.


Nos últimos anos surgiram, por exemplo, equipamentos com múltiplos sensores e atuadores, meias com eletroestimulação e anti-lesão, barbatanas em fibra de carbono, palmilhas que carregam a bateria do smartphone, motores muito otimizados, skates e pranchas inovadores, treinos visuais para atletas de topo, camisolas que libertam perfume com a transpiração e até um robô apanha bolas de golfe. Ficção científica e realidade fundem-se.



No Centro de Física (CF) da Escola de Ciências da UMinho, em Braga, o optometrista Jorge Jorge trabalha o treino visual de atletas de alta competição desde 2007. No futebol, já avaliou mais de mil jogadores, como os da seleção nacional, e árbitros de topo. Com software de apoio, carateriza a visão em termos de tempo de reação, dominância, acuidade, erro refrativo e visão binocular. Instrumentos informáticos e óculos estroboscópicos especiais ajudam a personalizar e melhorar no treino a visão periférica, a adaptabilidade e a capacidade de decisão.

“O sistema visual contribui com 80% dos dados que precisamos para fazer um movimento ou ação de forma correta”, diz o professor de sports vision. Os bons resultados chegam do andebol, basquetebol, futebol, hóquei em patins, taekwondo ou até remo, onde é fulcral saber a posição do opositor sem rodar a cabeça. No Laboratório de Investigação em Optometria Clínica e Experimental (CEORLab) do CF também se estuda daltonismo, que afeta 8 a cada 100 homens, como trocarem a camisola de cor vermelha ou verde, reduzindo a reação e a eficácia no jogo. João Linhares, Sérgio Nascimento e Rúben Pastilha estão a criar lentes coloridas e filtros cromáticos que podem melhorar-lhes a vida.
 
“O século XXI carateriza-se pela monitorização constante de sinais que nos ajudem a tomar decisões sobre nós ou o ambiente”, define Senentxu Lanceros-Mendez, coordenador do Grupo de Materiais Eletroativos Inteligentes do CF e diretor científico do Centro Basco de Materiais, Aplicações e Nanoestruturas, em Espanha. A sua equipa, que envolveu investigadores como Pedro Costa, Catarina Lopes e Vítor Correia, consegue integrar sensores e atuadores na roupa ou no equipamento do desportista. A resposta vem, por exemplo, numa matriz de polímeros com nanotubos de carbono, que dá forma a fios elásticos e películas, os quais revelam perfis de pressão.

Se o tenista tiver estes fios na camisola, sabemos o timing, a força e o ângulo em que flete o braço para dar a pancada. Se o corredor usar essas películas na palmilha do calçado, sabe-se em que zona do pé deve aplicar mais ou menos intensidade. A recolha de dados como pressão, choque e impacto pode também ocorrer numa espécie de seda, que na verdade é um “não tecido”, com nanofibras e nanopartículas capazes de registar parâmetros bioquímicos do atleta, pois reagem de forma diferente aos compostos orgânicos, desde a perda de hidratação e de sais como sódio e potássio ou, inclusive, a deteção de substâncias ilícitas, pois algumas libertam-se pelo suor. O valor da informação recolhida pelos sensores é enorme, logo exige um circuito ativo de leitura com base em transístores e em antenas flexíveis ligadas a um sistema remoto.
 

Materiais cada vez mais inteligentes
 
O Centro de Ciência e Tecnologia Têxtil (2C2T) da Escola de Engenharia da UMinho, em Guimarães, é obrigatório quando se fala em materiais técnicos para desporto. Aliás, também aplica no fato de natação sensores eletrónicos e têxteis integrados, sendo os dados enviados por sistemas sem fios para análise em tempo real e guardados. Liderado pelo professor André Catarino, o “Bioswim” teve a parceria do Centro Algoritmi, do INESC TEC e da Universidade do Porto e financiamento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). O fato tem uma vintena de sensores em zonas estratégicas e avalia padrões biomecânicos, fisiológicos, químicos ou de desempenho. Por exemplo, o ritmo cardíaco, a atividade muscular, a pressão palmar, as acelerações dos membros, a temperatura timpânica, a frequência respiratória e a posição do nadador. São muitos pormenores num só produto, mas procurou-se ainda dar conforto, com uma compressão do fato no corpo similar ao fato de competição.
 
Além disso, o 2C2T participou num fato de ciclista com um novo design e elétrodos embebidos para a monitorização de frequência cardíaca e desempenho físico, de forma prática e discreta. A medição do sinal ocorre pela app BBB – Bikeboard e via bluetooth. Os testes ao conceito utilizaram várias técnicas e materiais. O trabalho envolveu Daniel Vieira, Hélder Carvalho e Bernardo Providência, entre outros no 2C2T, e fez parte do projeto “TSSiPRO”, coordenado por Júlio Viana, professor do Departamento de Engenharia de Polímeros da UMinho, e orçado em 3.6 milhões de euros. Este projeto permitiu, em paralelo, elaborar o uniforme de esgrima inteligente “Avantgarde”, com base em sensores de força flexíveis e motion tracking. Além de registar todos os movimentos do utilizador, mede as amplitudes dos toques das armas no fato, sendo um avanço significativo sobre o sistema de pontuação tradicional.
 
Os docentes André Catarino e Maria José Abreu idearam com o pós-doutorando Derya Tama uma camisola para remadores. Estudaram múltiplas combinações de malha de trama, matérias-primas e acabamentos, apurando o desempenho mecânico e conforto termofisiológico em laboratórios e em testes com voluntários. A nova peça protege e facilita a evolução dos atletas em lagos e rios. Os dois docentes e o investigador Nelson Pinto identificaram mais tarde fatores que melhoram as meias de compressão para corrida e trail.

A esse nível, a interface Fibrenamics e a empresa Barcelcom lançaram no mercado peúgas que permitem a recuperação rápida e duradoura do atleta, reduzem o risco de lesões e incrementam a performance. Vencedoras do Prémio Inovação NOS, estas “ElectroSocks” incorporam forças localizadas (compressivas) e eletroestimulação (com fios condutores). Assim, potencia-se a oxigenação dos músculos e o retorno do sangue venoso ao coração, previne-se a atrofia muscular, auxilia-se na recuperação de dores agudas ou crónicas e fortalece-se os músculos após a lesão. A eletroestimulação é aplicada em zonas-chave do corpo, através de um estímulo exterior via bluetooth ou wi-fi. O produto foi testado em centros científicos e clínicas de Famalicão, Maia e Vila Real.



O fato "Bioswim" mede ritmo cardíaco, atividade muscular, frequência respiratória e posição do nadador, entre outros


Da esgrima ao remo, do ginásio ao green
 
O fundador do Laboratório de Robótica da UMinho, Fernando Ribeiro, lançou em 1997 uma equipa de futebol robótico, que participa a nível mundial na RoboCup e é multipremiada. Os robôs autónomos jogam em campo próprio, comunicam entre si, recebem comandos do árbitro, usam visão computacional, movimentam-se rápido e marcam golos com precisão.

O professor apresentou também o robô autónomo “Golfinho”, que apanha bolas de golfe em driving ranges. O trabalho, partilhado então com os alunos André Oliveira, Luís Pacheco e Sérgio Oliveira, ligou os departamentos de Eletrónica Industrial e Engenharia Mecânica, o Centro Algoritmi, a spin-off SAR e a empresa Partis Consulting. O consórcio obteve 423 mil euros do QREN para o seu desenvolvimento comercial. Este robô tem GPS e câmaras de vigilância que o orientam para zonas com mais bolas, em segurança. Possui discos verticais paralelos junto ao chão, que passam por cima das bolas na relva e estas vão sendo despejadas num cesto metálico. Por exemplo, cobre 25.000 metros quadrados em 140 minutos e a 7.2km/h, podendo resgatar 1200 bolas de golfe por viagem e ir até 22 graus de inclinação. A inovação gerou uma patente e artigos científicos.

Clécio Lacerda dedicou o doutoramento em Engenharia Têxtil a arquitetar uma palma da luva de futebol que imita o casco da cabra-montês e visa aumentar a absorção do impacto, a aderência e o conforto. A superfície final é uma estrutura revestida de borracha de silicone com recortes. Pondera-se replicar o conceito na absorção do impacto de quedas de ciclistas e motociclistas, no calçado de escalada e nas proteções de guarda-redes de hóquei em patins. O projeto cruzou os departamentos de Engenharia Têxtil e de Biologia, foi financiado pela FCT e teve o apoio do Vitória de Guimarães e de empresas como a HO, que equipou os keepers Beto e Eduardo.

Ainda na Escola de Engenharia, mas em Braga, resolveu-se a parte incómoda de se treinar bem no ginásio e, no final, ter a roupa molhada e com mau odor. Filipa Gonçalves, Artur Ribeiro, Carla Silva e Artur Cavaco-Paulo modificaram tecidos de algodão para libertar um leve aroma de citronela perante o contato com o suor. Para unir moléculas de cheiro, utilizou-se também no tecido uma proteína encontrada no nariz de porcos, permitindo a sua libertação lenta e controlada. A citronela serve ainda de repelente de insetos. Este estudo do Centro de Engenharia Biológica saiu na revista científica “ACS Applied Materials and Interfaces”.
 

Chassis e motores diferenciadores
 
De regresso ao campus de Azurém, em Guimarães, várias equipas de competição desafiam o Departamento de Engenharia Mecânica a inovar, ainda que por vezes os projetos sejam efémeros e falte capital privado, nota o professor Jorge Martins. Mas há bons exemplos. Construiu-se um novo chassis para o "DEPieres 2RM”, do penafidelense Fernando Santos. Foram otimizadas as estruturas em tubo, melhorando-se a fiabilidade, rigidez e relação peso-potência do BMW 25D 2.0 biturbo. Os desempenhos (1100 kg, 250cv, 500Nm de binário), o pico de 195 km/h, a tração traseira e o baixo peso destacaram-se face aos 4x4 rivais do Campeonato Nacional de Todo-o-Terreno, frisaram então os mestrandos Pedro Marques e Ricardo Botelho.
 
Jorge Martins, que lidera o Laboratório de Motores e Termodinâmica Aplicada (LaMoTA), supervisionou ainda o “UMotor”, um pequeno motor de alto rendimento feito por alunos da UMinho de seis países, culminando na tese de mestrado de Hélio Silva. A inovação entrou no “Create the Future Design Contest”, da revista “NASA Tech Briefs”, e foi testada na Shell Eco-Maratona, a maior prova mundial de consumos, em que se percorre 30 km em cerca de uma hora com o mínimo de fuel. O motor une conceitos de sobre-expansão, minimização de atritos, otimização da turbulência e da combustão e fabrico por prototipagem rápida.



O FST05e, carro elétrico português em compósito para a “Fórmula 1 universitária”, teve o apoio do PIEP, entre outros


Polímeros em várias frentes e nas Olimpíadas
 
Também em Azurém, o PIEP – Pólo de Inovação em Engenharia de Polímeros tem desenvolvido nos anos recentes uma dezena de materiais para o desporto. Começamos pelo “Valornature – Centro de Excelência em Materiais Sustentáveis do Norte de Portugal e da Galiza”, que lidera e que junta 50 instituições e empresas a valorizarem subprodutos agroflorestais, marinhos e extrativos. O consórcio obteve 2.3 milhões de euros do Programa Interreg. Segundo o seu diretor, Bruno Silva, dos 30 produtos agora criados contam-se, para desporto, o skate cruiser e o skate longboard, formados por laminado de fibra de carbono com madeira, tendo o segundo um núcleo de polímeros reciclado para conferir baixo peso e alta performance mecânica. Lançou-se ainda barbatanas para pesca desportiva, também em fibra de carbono com madeira, sendo leves, resistentes e muito flexíveis, além de rifles de pesca desportiva, em madeira e com reforços localizados de fibra de carbono, garantindo mais resistência à flexão e maior performance.
 
A equipa de Bruno Silva e de Nuno Gonçalves concebeu, na iniciativa “Tech Transfer”, um selim de bicicleta com materiais híbridos e um processamento inovador. Utiliza moldação por injeção para integrar os componentes numa só estrutura, reduzindo o peso e o custo de fabrico face ao que existe no mercado. Também o grupo de Engenharia do PIEP se baseou na moldação por injeção para produzir uma estrutura horizontal do assento automóvel, com um compósito termoplástico que inclui insertos metálicos, sendo aplicável a veículos de competição. O projeto, denominado “HybridTec”, gerido por Carlos Ribeiro, surgiu em parceria com as empresas nacionais Mptool e DT2RMC e reduz o número de componentes, o peso (41%) e o custo de produção (13%) face às soluções metálicas.
 
A Equipa de Desenvolvimento de Produto do PIEP desenvolveu, com a Polisport, um sistema de armazenamento de combustível portátil, o “Jerrycan Pro Octane”. Este sistema, com propriedade de enchimento rápido para provas de motociclismo off-road, atende até a aspetos ergonómicos e funcionais, que, na sua utilização, melhoram a sua eficácia. Ainda sobre rodas, o investigador Rafael Alves e o grupo de Compósitos apoiaram a construção do protótipo elétrico português FST05 da Fórmula 1 universitária. O monolugar proposto pela equipa de alunos FST Novabase teve parceiros como o PIEP, que acolheu a produção do chassis monocoque em fibra de carbono, as asas dianteira e traseira aerodinâmicas e o fundo plano, pelo processo de infusão por vácuo. O veículo rondou os 350 mil euros e competiu na Alemanha, Hungria e Espanha.
 
Rafael Alves trabalha ainda com a portuguesa Nelo, a maior fabricante mundial de caiaques e que domina as provas de remo nos Jogos Olímpicos. Continuando na água, Andreia Vilela e Fernando Moura Duarte, professor do Departamento de Engenharia de Polímeros da UMinho, inovaram a aperfeiçoar o miolo das pranchas de surf, bodyboard e longboard. Na prática, a tira longitudinal e central de madeira nas pranchas confere resistência e junta-se depois ao poliuretano. Os investigadores idealizaram então um bloco de espumas técnicas com a tira de madeira e, depois, uma máquina lamina o restante bloco da prancha consoante a curvatura e forma desejada pelo shaper (cliente), que daí decora a gosto. Validou-se ainda um sistema de espumas para prancha baseado no polímero MDI, mais amigo do ambiente. Os produtos são vendidos no mundo pela portuguesa Masterblank.
 
A Equipa de Desenvolvimento de Produto do PIEP pensou também em fãs de caminhada, trail, marcha e corrida. Trabalhou no Walkon, que captura e converte movimento humano em energia elétrica utilizável como fonte de energia portátil, ou seja, para carregar dispositivos eletrónicos móveis, como um smartphone. Este conceito teve fundos do Portugal 2020, envolvendo ainda Luís Rocha e Jorge Cabral, do Departamento de Eletrónica Industrial da UMinho e, como líder, a startup Walkon (da Tecno4y), encarregue de levar o dispositivo de 150 gramas para o mercado.
 


As ideias de negócio pululam
 
As inovações também surgem em iniciativas anuais de ideias de negócio da academia. Por exemplo, Hélder Carvalho, professor do Departamento de Engenharia Têxtil, e os mestrandos António Leite e Yao Yu apresentaram no laboratório IdeaLab, da interface TecMinho, o sistema de sensorização do saco de boxe “SportyBioSense”, para apoiar o treino em artes marciais. Objetivo? Medir o impacto de golpes infligidos no saco, com acelerómetros de três eixos e um sensor de força flexível para toda a área do saco. Os dados recolhidos são encaminhados para um dispositivo, de modo a que o atleta e o treinador monitorizem logo as capacidades físicas e técnicas aplicadas.
 
Na disciplina de Projeto ligada ao Departamento de Engenharia Informática, os alunos idealizaram a app "Sportgest", que permite ao treinador gerir informações sobre o plantel, simplificando ciclos de preparação e a planificação de jogos. Quanto ao pacote de serviços "SEBIS", divulga e gere eventos desportivos, dando às entidades promotoras ferramentas como inscrições, controlo de presenças e pagamentos, enquanto os desportistas podem nesse portal consultar e inscrever-se nos eventos. Alguns projetos estão no terreno, noutros falta afinar métodos de produção e custos ou ganhar escala. Também há ex-alunos da UMinho a brilhar. Pedro Vital e João Almeida, formados em Engenharia de Produção e Negócios Internacionais, respetivamente, lançaram a “Talent Spy”, que procura os novos CR7 no mundo. Tem dados de mais de 100.000 jogadores de 6000 equipas, ligados a 250 provas de 50 países. Dizem ser a “melhor plataforma” de scouting, gestão e acompanhamento de novos talentos desportivos.