Ramón Villares é doutor honoris causa pela UMinho

17-06-2015 | Pedro Costa

Em julho de 1990, empossado como reitor da Universidade de Santiago de Compostela

Na inauguração de um curso da Universidade de Santiago de Compostela, em 1990-91

Em 1990, a saudar o então Príncipe de Asturias, atual rei Filipe VI da Espanha

A saudar os reis de Espanha, em julho de 1993, nas celebrações do Dia da Galiza

Na cerimónia de doutoramento honoris causa a Mário Soares pela USC, em novembro de 1992

Visita do líder cubano Fidel Castro à Biblioteca América de Santiago de Compostela, em julho de 1992

O presidente da Xunta de Galicia, Alberto Núñez Feijóo, a parabenizar Ramón Villares aquando da atribuição da Insignia de Ouro da Asociación de Médicos Gallegos, em 2012

O Consello da Cultura Galega situa-se no 2º andar do Paço de Raxoi, na Praza do Obradoiro, em Santiago de Compostela

Ramón Villares ladeado por José Viriato Capela (seu padrinho no doutoramento honoris causa na UMinho, além de presidente da Casa Museu de Monção e catedrático de História da UMinho) e por José Emílio Moreira, ex-autarca do Município de Monção

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"A Galiza deve aproximar as culturas portuguesa e castelhana", diz o presidente do Consello da Cultura Galega.




Nasceu em 1951, num ambiente campestre da comarca de Vilalba (Lugo, Galiza), estudou no seminário de Mondoñedo e formou-se em Filosofia e Letras - ramo História na Universidade de Santiago de Compostela (USC), em 1973. Nesse mesmo ano obteve a pós-graduação com "Los inventarios post mortem, como fuente para el estudio de la historia rural y la economía agraria" e, em 1980, o doutoramento em História com a tese "La evolución de las estructuras agrarias en la provincia de Lugo".

É desde 1987 professor de História Contemporânea na USC, onde também foi decano da Faculdade de Geografia e História em 1986-90 e 
reitor em 1990-94. Preside o Consello da Cultura Galega desde 2006. Foi ainda fundador e presidente da Associação de História Contemporânea, bem como diretor da Universidade Internacional Menéndez Pelayo. É membro do conselho editorial de revistas como "Ayer", "Historia Social", "Hispania", "Ler História", "Análise Social" e de editoras como Marcial Pons ou Ediciones de Historia. O NÓS entrevistou-o (VÍDEO) na capital cultural da Galiza. Ramón Villares recebe hoje, às 16h, o doutoramento honoris causa pela UMinho.
 

A motivação por História "foi profissional, científica e política”
 
A História e a sua Galiza estiveram sempre no seu horizonte de estudo?
Fui criado num ambiente popular campestre e sempre muito ligado à Galiza. O meu percurso formativo acabou por ser naturalmente na Galiza. Aí cresci, estudei, fiz o percurso académico e comecei a lecionar, relativamente cedo. Converti-me em historiador depois de uma reflexão conjunta com amigos e professores, indo ao encontro da minha necessidade de entender a sociedade em que estava. Era a fase final da ditadura de Franco e a opção por História tinha uma componente profissional, científica e política. Dediquei alguns anos à História Agrária, depois veio um interesse genérico pela História da Sociedade Galega, entre outros âmbitos por onde fiz incursões, como a História de Portugal.
 
Continua a ser o galego residente ou prefere viajar pelo mundo?
As duas coisas. Sou um homem da Galiza, mas tenho a ideia de que conheço melhor a Galiza vendo-a de fora. Aquela máxima atribuída a Rudyard Kipling, de que não pode saber da Inglaterra quem só sabe de Inglaterra, pode ser aplicada à Galiza, Portugal, Itália e outras culturas. Desde estudante sempre gostei de viajar, porque o confronto com outras culturas é básico.
 
Como ocupa o tempo livre?
Não tenho muitos hobbies, pois apenas tenho uma certa obsessão pela leitura. Sou claramente alguém um formado no universo Gutenberg, um consumidor de livros. Sou um emigrante digital e não um nativo digital. Não pratico desportos, não me posso orgulhar disso, pois sou mais um consumidor de alimento intelectual. Não sou consumidor de redes sociais, adapto-me por obrigação ao ambiente digital, mas morrerei um consumidor de livros em papel.
 
Aprecia uma boa conversa ao jantar?
É das coisas que se está a perder, como os livros, mas sim, gosto de uma longa sobremesa com uma boa conversa. Em tempos fui um apreciador de charutos cubanos, uma prática que propiciava longas e boas conversas. Até o meu aspeto denuncia o facto de eu não negar os prazeres da vida. [sorriso]


 
Defende o culto da responsabilidade e da coerência

Sendo especialista reconhecido da História Contemporânea da Galiza, acredita que o seu papel forma uma opinião política importante?
É verdade que os historiadores têm assumido um papel maior no espaço público, embora em cada país as coisas acontecem de forma diferente. Em Portugal, o historiador está muito no espaço público e creio que em Espanha isso demorou a suceder - os historiadores têm aparecido em algumas intervenções mediáticas, partilhando o protagonismo com pessoas sem formação académica na área, e esse amadorismo traz resultados que não são comparáveis com outros países.

Qual é a solução?
O historiador deve estar no espaço público, mas não pode desgastar-se aí. Estar no mundo da comunicação de forma continuada e constante impede-o de continuar o trabalho de investigação, evoluindo com ele. O historiador tem ferramentas que o faz entender a sociedade em que vive, mas não as tem para construir opinião de forma continuada. Isso cabe a outros especialistas, nomeadamente jornalistas, políticos e pensadores. A História tem métodos, tem relatos, tem critérios concetuais que devem ser respeitados e que não dependem dos humores políticos, mas refletem as questões da sociedade em que se vive.
 
Sente-se escutado pelos atores políticos e pelos centros de decisão?
Por vezes sim, não é frequente. Ser assessor dos príncipes é uma tarefa ingrata que não recomendo a nenhum colega, muito menos a mim próprio. O príncipe quer ser governante e depende de resultados a curto prazo. Sei que os meus trabalhos são lidos e tidos em conta, mas isso não quer dizer que tenham influência direta, porque fazem parte de um polo de ideias, como pode acontecer com um escritor, um cientista ou outro qualquer. Os livros que publiquei tiveram muitas edições e espero que, no âmbito da Galiza, muitos jovens desfrutem deles.
 
No que respeita ao seu percurso e ao que já conseguiu fazer, pesa mais o orgulho ou a responsabilidade?
Claramente a responsabilidade. O orgulho é mau conselheiro e revela uma certa insegurança. Temos que praticar a ética da responsabilidade, por vezes também a ética da convicção, como diria Max Weber, necessária para acreditar numa utopia, ou numa ideia que não é assumida por todos. Mas o que faz andar a História é a responsabilidade e a coerência entre o que pensas e o que fazes.
 
Está feliz pelo seu percurso?
Sim, mas podia ser muito melhor. Não estou descontente pelo que fiz, mas acho que não fiz nada de extraordinário. Estou muito grato por este reconhecimento da Universidade do Minho, mas não pode mudar-me a vida. Tenho que seguir trabalhando, tenho que manter a curiosidade intelectual, terei que aprofundar o meu conhecimento pela História de Portugal. É grato este reconhecimento, mas traz-me responsabilidade e um aliciante para estar ainda mais vivo. Obrigado pela confiança, mas ela não me trará um narcisismo estéril.
 


“Sinto-me uma ponte entre as culturas portuguesa e castelhana”
 
Defende a língua como um fator decisivo das sociedades. Também é esse um fator que aproxima a Galiza e o Norte de Portugal?
As nossas línguas - galega e portuguesa - formam um tronco comum e, durante muitos anos, a língua galega ficou afastada da evolução na direção da portuguesa. Houve fatores de influência da língua castelhana sobre a galega. Mesmo assim, a língua galega manteve-se popularmente graças a uma comunidade campestre sólida, que a fez chegar até nós. Hoje há uma disputa entre as línguas galega e portuguesa que é estéril e que deve superar-se, pois temos que reconhecer-nos como originários de um tronco comum e cada um seguir o seu caminho natural, aceitando-se.

Há uma aproximação estratégica clara entre as universidades do Norte de Portugal e da Galiza. Como tudo surgiu?
Penso que é uma feliz consequência de decisões tomadas há muitos anos. Em dezembro de 1991 participei numa primeira reunião com os reitores do Porto, Trás-os-Montes, Minho e os reitores galegos. Desde aí houve muitas mais e sei que hoje há uma relação muito estreita. É, sem dúvida, um dos campos mais privilegiados para desenvolver estratégias transfronteiriças, que representem uma certa unidade cultural e linguística. Pode repetir-se isto no campo da economia, no comércio e em muitos âmbitos que fazem sentido desde que caíram os muros simbólicos das fronteiras. Mas é preciso ir mais além.
 
Como se estabeleceu a sua ligação à UMinho?
Ainda jovem cheguei a dar conferências em Portugal, nomeadamente em Guimarães, tive também diversos contactos no âmbito do intercâmbio de investigadores portugueses e galegos. Já no cargo de reitor, tive contactos mais diretos com a UMinho, tenho ido a muitos atos solenes e mantido ligações a alguns professores. Por exemplo, Vítor Aguiar e Silva ou José Viriato Capela, com quem tenho um relação pessoal e intelectual, entre outros. Também mantive uma relação próxima com outras universidades portuguesas, no âmbito do painel internacional de avaliação dos projetos de investigação. Isto deu-me um conhecimento direto sobre a historiografia, os projetos científicos, os centros de investigação. Através da UMinho, voltei a ter uma presença muito próxima do Instituto Internacional da Casa de Mateus, o que permitiu aprofundar tudo o que já conhecia de Portugal. Junta-se a isto a oportunidade que tive de lecionar História de Portugal na USC durante dez anos.
 
Não se sente um pouco português?
Sim. Posso dizer mesmo que amo Portugal e não o digo por ter que dizê-lo no dia de hoje. Gosto muito da sua cultura de grande riqueza, da sua história, da sua literatura e pensamento. Gosto do orgulho de ser português que não é soberbo, mas sim educado e gentil. Por isso, admiro muito Portugal e a sua cultura, que foi desenvolvida no Brasil (conheço-a menos noutros países de língua portuguesa). Nesse sentido, sinto-me uma espécie de ponte e gostaria que houvesse melhores relações entre as culturas castelhana e portuguesa, pois são ambas culturas ibéricas. A Galiza deve ter esse papel de ponte para o diálogo, fomentar este tipo de relações. O primeiro passo a dar é conhecer-se etnograficamente. Conhecer-se como culturas próximas e vizinhas e não como se fôssemos estranhos de lugares longínquos.