“Os portugueses têm um otimismo e um desânimo radicais”

30-06-2016 | Nuno Passos

O lançamento do livro decorreu no auditório do Comité Olímpico de Portugal, em Lisboa, sendo apresentado por Alexandre Mestre e Alberto Trovão do Rosário

Pormenor da capa da obra editada pelo Comité Olímpico de Portugal e pela Visão & Contextos, no âmbito da coleção "Aretê"

Camilo Cunha é professor auxiliar com agregação no Instituto de Educação da UMinho e investigador do CIEC - Centro de Investigação em Estudos da Criança

A 12 de agosto de 1984, o hino nacional ouviu-se pela primeira vez nos Jogos Olímpicos, graças à vitória de Carlos Lopes na maratona masculina, em Los Angeles

Francisco Lázaro foi o porta-estandarte da primeira delegação portuguesa nos Jogos Olímpicos, em Estocolmo'1912. Desfaleceu durante a prova da maratona e veio a morrer poucas horas depois

O lema "Citius, Altius, Fortius" (em latim, "mais rápido, mais alto, mais forte") foi criado pelo padre Henri Didon, amigo do barão Pierre de Coubertin, aquando da criação do Comitê Olímpico Internacional, em 1894. Os cinco anéis simbolizam os continentes

Os Jogos Olímpicos são, em si, uma metáfora da perfeição, da procura da utopia, do lugar de felicidade, do provir, resume Camilo Cunha

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Livro sobre Jogos Olímpicos, de Camilo Cunha, é prefaciado pelos reitores do Minho e Porto e pelo presidente do Comité Olímpico, sendo oferecido às delegações nacionais do Rio’16.





Os portugueses assumem o favoritismo da sua seleção em grandes eventos desportivos, em particular nos Europeus e Mundiais de Futebol, mas isso por vezes não se vem a confirmar e gera uma onda de tristeza. Este “otimismo e desânimo radicais” são frequentes devido à cultura e à mentalidade nacional, replicada no discurso oficial, mediático e popular, explica Camilo Cunha, professor do Instituto de Educação da UMinho, no novo livro “Os Jogos Olímpicos sob o signo da utopia”.
 
“Diz-se há seis Europeus de Futebol que temos a melhor equipa e vamos ganhar, mas depois tem surgido o outro extremo, ‘não ganhamos, já não prestamos’; parece faltar espaço para um meio-termo”, vinca o professor. “Existe a perspetiva de sonho, esperança e utopia dos nossos atletas (e todos nós) pela vitória. E essa esperança é positiva, mas temos que reconhecer que o país é pequeno, que boa parte do povo vive para sobreviver (não pode dedicar-se ao desporto enquanto lazer e competição) e que a cultura desportiva em Portugal ainda está a despontar, sendo necessária a difusão da prática física, a melhoria das infraestruturas e o apoio institucional e educativo”, continua.
 
O livro, que lança em coautoria com Rui Garcia, da Universidade do Porto, assinala 120 anos sobre os I Jogos Olímpicos da era moderna e os 500 anos sobre a publicação de “Utopia”, de Tomás Moro. A obra relaciona estes dois temas sob várias perspetivas. Encara as Olimpíadas como a reunião dos povos à procura do ideal da paz, da justiça, da ecologia – o ser humano como dignidade absoluta. O Homem é elogiado no seu todo: mente, corpo, emoção, intuição, amor, fé. Elogia-se também a técnica, enquanto repetição e treino, que nos leva para a frente. E fala-se igualmente da concretização e felicidade: “Quando Usain Bolt faz 9.58 segundos nos 100 metros, fá-lo na sua individualidade, estende à sua comunidade (Jamaica) e ainda projeta para uma comunidade maior: ao ser mais rápido, é toda a humanidade que é mais rápida”, frisa o autor. É aí que surge a ideia do herói ou semideus, “que nos estimula a admirar e a querer imitar, contribuindo para o trabalho infindável de ir para diante, em corpo e espírito”.
 
Os Jogos Olímpicos são em si “uma metáfora da perfeição, da procura da utopia, do lugar de felicidade, do provir”, anui Camilo Cunha. No entanto, por vezes aludem à distopia e ao caminho errado, como o recurso ao doping para maximizar resultados. “É um meio fictício de chegar à felicidade e que, num momento final, gera angústia e remorso, como sucedeu ao ciclista Lance Armstrong”, alude o professor da UMinho, para sublinhar: “A ‘chegada aos céus’ e a ‘descida aos infernos’ (uma versão do mito de Sísifo) encontra no seu percurso a glória artificial”. Nesse sentido, as Olimpíadas são um campo da experimentação ética – participar dando o máximo, mas com a força natural de cada um.
 

E se as academias do Norte acolhessem as Universíadas?
 
E como Portugal se encaixa na utopia olímpica? “Tem sempre uma esperança e está numa caminhada espiritual, tentando anular o seu destino bíblico quase trágico”, admite enigmático, evitando prognósticos. A obra de 115 páginas, escrita em dois anos, foi apresentada em Lisboa e no Funchal, seguindo-se Porto em setembro e, talvez, Braga. É editada pelo Comité Olímpico de Portugal (COP), que a inclui como oferta às delegações nacionais presentes no Rio’16. O prefácio tem contributos do presidente do COP, José Manuel Constantino, e dos reitores das universidades do Minho e Porto, respetivamente António Cunha e Sebastião Feyo de Azevedo.
 
No seu testemunho, António Cunha espera mesmo que o livro “constitua mais um motivo para as universidades da região Norte e diversas entidades nacionais relevantes ousarem pensar que a região pode organizar num futuro não muito longínquo os Jogos Olímpicos da comunidade universitária mundial – as Universíadas”. A próxima edição é em agosto de 2017 na Taipé Chinesa, na Ásia, esperando 13.000 atletas, 270 eventos e 22 modalidades em prova.
 


Portugal fora dos 50 países mais medalhados
 
Portugal já foi campeão olímpico com Carlos Lopes (maratona, Los Angeles'84), Rosa Mota (maratona, Seul'88), Fernanda Ribeiro (10.000 metros, Atlanta'96) e Nélson Évora (triplo salto, Pequim'08). Nas 23 edições em que participou obteve também oito medalhas de prata e 11 de bronze, sobretudo no atletismo. O país ocupa o 65º lugar no ranking, liderado pelos EUA (2684 medalhas), Rússia, Alemanha, Reino Unido e Itália. Dos 205 comités olímpicos nacionais, 80 ainda não conseguiram medalhas, sendo a maioria destes de países em desenvolvimento.
 
Portugal foi igualmente a sete edições dos Jogos Olímpicos de Inverno, sem subir ao pódio, e uma aos Jogos Olímpicos de Verão da Juventude (Singapura’10), ganhando então uma medalha de prata (Mário Silva, taekwondo -63kg) e outra de bronze (Ana Rodrigues, natação 50m bruços). Compareceu ainda a nove edições dos Jogos Paralímpicos, com 264 atletas de 11 modalidades, conseguindo 25 medalhas de ouro, 31 de prata e 35 de bronze, em especial no atletismo e boccia. Paulo Coelho, António Marques e Fernando Ferreira trouxeram sete medalhas cada um. No total das várias edições (para)olímpicas, o país soma 116 medalhas.
 
 

Próximo livro é sobre o tempo das crianças
 
António Camilo Cunha nasceu há 50 anos em Landim, Vila Nova de Famalicão. É licenciado em Ensino de Educação Física pelo Instituto Politécnico de Castelo Branco (IPCB), mestre em Ciências da Educação – Metodologia da Educação Física pela Universidade Técnica de Lisboa, doutoramento em Estudos da Criança pela UMinho, pós-doutorado em Teoria e Prática Pedagógica em Educação Física pela Universidade Federal de Santa Catarina (Brasil) e com agregação em Ciências do Desporto pela Universidade do Porto.
 
É membro do Centro de Investigação em Estudos da Criança (CIEC) da UMinho, pesquisando sobre educação física, desporto, jogos, desenvolvimento profissional e pessoal dos professores, antropologia e filosofia da educação. Tornou-se docente do IPCB em 1992 e, a partir de 2003, da UMinho, onde é professor auxiliar com agregação. Camilo Cunha já deu palestras em países como Brasil, Espanha, Cuba e integrou comissões científicas de 21 congressos internacionais. Publicou 40 artigos em revistas da especialidade, dez livros, 12 capítulos de livros e orientou 30 teses académicas.
 
Além da obra sobre os Jogos Olímpicos, lançou recentemente “A criança e o brincar como obra de arte”, em coautoria com Sara Tiago Gonçalves, do Centro de Estudos Humanísticos da UMinho, e no final do ano vem “O tempo de brincar e as crianças”, em coautoria com Roselaine Kuhn, da Universidade Federal de Sergipe (Brasil). Trata-se de uma reflexão cada vez mais presente na sociedade moderna: “As crianças passam o tempo ‘presas’ nos apartamentos, sem espaço nem tempo para brincar. E quando há esse tempo os adultos tomam-no, criam atividades paralelas que julgam ser de lazer, mas são um ritual ‘agressivo’, como a saída da música para a ginástica e daí para a natação”, ressalta Camilo Cunha, para concluir: “O tempo das crianças é diferente do tempo dos adultos. As crianças querem o presente. E os adultos querem o futuro, mas esquecem-se que o futuro precisa do viver, do experimentar… do presente”.