Da UMinho para a Johnson & Johnson

21-12-2016 | Catarina Dias

Ana Leal com os orientadores de doutoramento, Paulo Flores, João Espregueira-Mendes e Filipe Samuel Silva (da esquerda para a direita)

Ana Leal foi selecionada para o grupo Johnson & Johnson entre centenas de candidatos de todo o mundo. Esta foto foi tirada no 103º andar do Sky Deck Chicago, nos EUA

2015. Numa experiência em cadáveres, que decorreu no âmbito do International Patellofemoral Study Group Meeting, em Chicago, EUA, onde foi apresentado o trabalho desenvolvido no doutoramento

A celebrar o American Football Day, com a professora Elizabeth Arendt, orientadora de estágio na Universidade de Minnesota (à direita)

No Congresso Europeu de Ortopedia 2016, em Espanha, com o Porto Knee Testing Device, um dispositivo que promete revolucionar a avaliação das lesões nos joelhos dos atletas. O projeto venceu o 8.º Concurso de Inovação BES

É coordenadora de investigação do Dom Henrique Research Centre, uma entidade sem fins lucrativos que surgiu no âmbito do seu doutoramento

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Ana Leal

Formada em Engenharia Biomédica, a portuense de 28 anos já trabalhou com instituições de Portugal, França, Holanda, EUA e acaba de ser selecionada entre centenas de candidatos de todo o mundo para trabalhar, a partir do Reino Unido, no grupo que é líder na conceção de dispositivos médicos. 


No âmbito do seu doutoramento na Escola de Engenharia da UMinho, Ana Leal participou na criação de um novo método capaz de medir com precisão lesões nos joelhos, um problema que atinge não só os desportistas, mas também uma percentagem elevada da população em geral.


Como chegou à UMinho e porque optou pelo mestrado integrado de Engenharia Biomédica?
Criar, desenvolver, solucionar - sabia que seria um curso ligado à Engenharia e quando descobri que existia um relacionado com a Saúde pensei “Que bem maior temos?”. Concorri para a UMinho e a Universidade do Porto. Hoje reconheço que aquelas centésimas a menos foram o melhor resultado que poderia ter.
 
Como foi o seu primeiro dia no campus? Que recordações guarda da vida académica?
No meu primeiro dia, na fila de inscrições, conheci duas das minhas mais queridas amigas. Muitas pessoas com quem vivi alguns anos e espero partilhar muitos mais. A UMinho é a verdadeira Academia, foram cinco anos inesquecíveis. Não se volta a ter esse tempo, principalmente o literal!
 
Chegou a assumir a vice-presidência do Gabinete de Alunos de Engenharia Biomédica durante um ano letivo. Valeu a pena?
Vale sempre a pena! Devíamos ser ensinados, desde a escola primária, de que participar em atividades extracurriculares é sempre mais enriquecedor do que um plano de estudos nu e cru. Comunicação e liderança são aportes chave para um futuro bem-sucedido que se desenvolvem muito mais fluentemente em ambiente associativo.
 
Do seu projeto de doutoramento surgiram metodologias avançadas capazes de auxiliar o diagnóstico de patologias das articulações. Que tipo de tecnologias e com que benefícios?
Foi criado um novo método capaz de quantificar, com ressonância magnética e TAC, as lesões do joelho, famosas entre os futebolistas, e as lesões patelo-femorais (dor na face anterior do joelho), que atingem uma grande percentagem da população, em particular jovens e mulheres. Com esta medição de forças e deslocamentos é possível fazer um diagnóstico mais preciso e objetivo, o que resulta num tratamento mais rigoroso e orientado ao paciente e, portanto, mais eficaz. A tecnologia é simples, até porque a compatibilidade com o ambiente imagiológico assim o exige. No entanto, o conceito, cuja ideia partiu do professor João Espregueira-Mendes, e a aplicabilidade clínica são as mais seguras e efetivas e, acima de tudo, inovadoras!
 
São descobertas cruciais para atletas de alta competição, mas também para a população em geral, nomeadamente para a terceira idade, que vive numa Europa envelhecida.
Exatamente. Estes instrumentos de avaliação poderão ter inúmeras outras aplicações na área clínica, como o follow-up pós-cirúrgico, mas também no âmbito da investigação translacional, ou seja, o contributo pode ser exponenciado se se obtiver financiamento orientado para o efeito. Este tipo de projetos (extensível a outras articulações como o tornozelo e ombro) e outros ainda relacionados com a prevenção e a reabilitação são algumas das linhas de investigação da associação que criámos: o Dom Henrique Research Centre.
 
O projeto de doutoramento, ao englobar uma colaboração universidade-empresa, primeiramente entre estas duas instituições e mais tarde também com o Centro Albert Trillat (França) e a Universidade de Minnesota (EUA), tornou-se uma experiência avassaladora, bastante exigente e morosa (assim se testam os limites, ultrapassando-os), mas extremamente gratificante, quer a nível profissional como pessoal. Foi determinante para a minha carreira, sem dúvida! Curiosamente, foi Guimarães o berço da primeira conexão, da qual sou muito grata aos professores Paulo Flores e Filipe Samuel Silva pelo voto de confiança. As restantes colaborações são resultado de inesperadas coincidências que se converteram em oportunidades, graças à preparação - traduzindo: a sorte dá muito trabalho!
 
Acaba de ser selecionada para trabalhar na empresa “DePuy Synthes” (Reino Unido), que pertence à Johnson & Johnson. Foi fácil conquistar a atenção de um líder mundial no desenvolvimento de dispositivos médicos?
Começaria tal como terminei a resposta anterior. Essa sorte também inclui as pessoas certas na altura certa. Um bom líder é essencial para orientar e despertar o melhor de nós, é o que leva a aventura para outro nível! A chave para ser selecionada? A minha paixão pela área e as diversas competências adquiridas nos ambientes multifacetados e multidisciplinares que integrei até ao momento. Por exemplo, ao trabalhar hoje com implantes aplico muito do que aprendi há uns anos com o Grupo 3B’s e a Universidade de Radboud (Holanda) durante o mestrado em Biomateriais, Reabilitação e Biomecânica.
 
Como é o seu dia-a-dia profissional?
Há dias mais tranquilos, outros “de loucos”. É um trabalho muito focado, de muita responsabilidade. Neste momento, uma boa parte do meu tempo é investido também na formação, que num ambiente corporativo como este é massiva. Nada que uma boa equipa não ajude a balançar. Tenho tido o prazer de trabalhar com pessoas extraordinárias! E, apesar de ser desgastante a nível intelectual, é muito estimulante e nada é mais gratificante do que saber que o desafio que superamos ao gerir situações novas ou inesperadas resulta numa solução, num produto ou num serviço para a saúde e o bem-estar das pessoas - e que realmente faz a diferença na vida de alguém!
 
Realizar investigação em contexto empresarial é motivador?
Além de motivador, é promissor! A colaboração académico-empresarial deveria tornar-se um processo natural e parte integrante da formação de qualquer futuro profissional. O modelo de doutoramento em empresa e os programas que a Johnson & Johnson promove para graduados ou aprendizes têm-se revelado um sucesso, quer para os participantes, quer para as empresas - sendo um investimento reduzido em mão-de-obra futura mais qualificada -, quer para as universidades, que veem os seus projetos de investigação financiados e com aplicabilidade real. 
 
Onde se vê daqui a dez anos? Pretende regressar a Portugal?
Imprevisível, entre o que sei que é provável. Desde sempre, procuro desafios que me façam crescer e, de facto, a minha mochila volta sempre mais carregada... Sei que quero estar a fazer mais e melhor, em vários aspetos da minha vida, seja onde for!



Fã de Nina Simone, Miguel Torga e… FC Porto
 
Um livro. “Siddhartha”, de Hermann Hesse, vencedor do Prémio Nobel de Literatura em 1949.
Um filme. Não sou do género cinéfila, vejo os clássicos! 
Uma música. Várias de Nina Simone, Al Green, Erykah Badu… Nasci na época errada no que toca a música favorita!
Uma curiosidade. Muitas, vou mantê-las! [risos]
Um vício. Chocolate.
Um clube. Futebol Clube do Porto. Desde sempre, sobretudo depois de ter trabalhado no Estádio do Dragão.
Um passatempo. Fotografia.
Uma viagem. As que ainda não fiz.
Um prato. Arroz de marisco, tamboril, polvo ou cabidela. Arroz malandro, resumindo.
Uma personalidade. Não sigo nenhuma em particular, tenho os meus exemplos nas pessoas mais próximas, famosas para mim.
Um momento. Agora.
Um sonho. Muitos!