A transversalidade de saberes é uma das mais interessantes virtualidades da UMinho

21-12-2016 | Nuno Passos

Maria Manuel Oliveira é professora na EAUM desde a sua instalação e presidente desde julho de 2015

A Escola de Arquitetura da UMinho tem cerca de 400 estudantes e 25 docentes de carreira. O seu edifício é da autoria de F. Távora e J. B. Távora, estando situado no campus de Azurém, em Guimarães

O curso de Design de Produto funciona no Instituto de Design, no campus de Couros, em Guimarães

Nuno Portas dá o nome à Biblioteca da EAUM, inaugurada com boa parte do espólio deste arquiteto a 1 de novembro de 2013

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Entrevista à presidente da Escola de Arquitetura (EAUM), Maria Manuel Oliveira, no ciclo de conversas com responsáveis de Escolas e Institutos da UMinho.




EAUM acaba de celebrar 20 anos. Quais são as principais marcas deste percurso?
Numa rápida biografia, serão de relevar algumas circunstâncias: a EAUM nasceu em 1996 como Departamento Autónomo de Arquitectura (DAA), sob dependência directa do Reitor. Para a sua história foi fundamental, naturalmente, o reconhecimento da autonomia da área disciplinar da Arquitetura, não a inserindo como Departamento de uma Escola já existente. O professor Carlos Bernardo presidiu, desde o início, à Comissão Instaladora e teve um papel central em todo o processo, no diálogo que estabeleceu com os professores Fernando Távora, Alexandre Alves Costa, Domingos Tavares e Joaquim Vieira, da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, a principal parceira da UMinho na criação do curso. Em 2009, sob a presidência do professor Paulo Cruz, o DAA passou ao regime de Escola, assumindo a sua maturidade também com a abertura do programa doutoral. E em 2012, com o professor Vincenzo Riso na presidência, saiu da área restrita da Arquitetura e abriu a licenciatura em Design de Produto. Ainda em 2009 surgiu o Centro de Estudos, centrado em atividades de extensão, onde se desenvolvem projetos na área da Arquitetura. O Lab2PT - Laboratório de Paisagens, Património e Território, fundado em parceria com o Instituto de Ciências Sociais, atualmente a estrutura central da investigação da EAUM, foi criado em 2014. A abertura da Biblioteca Nuno Portas, em 2013, constituída a partir do acervo doado pelo professor Nuno Portas, foi também um momento muito especial no nosso percurso. Neste momento aguardamos a acreditação de dois novos projectos de ensino e trabalhamos na abertura de cursos de formação especializada e de ensino a distância. São, portanto, vinte anos de crescimento sedimentado, em que se procurou garantir a robustez e qualidade dos vários projetos pedagógicos, científicos e de interação – consistentes e reconhecidos na procura que têm –, de forma equilibrada e mutuamente enriquecedora.
 
Sendo recente e a partir do Minho, a EAUM é diferente das outras Escolas de Arquitetura em Portugal?
Pelas suas raízes e filiação, a EAUM tem uma visão generalista da formação em Arquitetura que, como várias das suas congéneres, reconhece no “Projeto” a sua centralidade. O mestrado integrado tem um plano de estudos que fornece aos estudantes uma base sólida para o exercício da profissão e, caso o pretendam posteriormente, futuros caminhos de especialização. De facto, temos arquitetos a trabalhar em áreas e frentes muito diversas. Por outro lado, a sua proximidade às Artes e o facto de integrar um curso de Design de Produto torna esta Escola um caldo de cultura particular e bastante interessante. A EAUM tem ainda a particularidade de pertencer a uma universidade do último quartel do século XX, que potencia uma valiosa interação do conhecimento com as outras Escolas, nomeadamente na área da Engenharia e das Ciências Sociais. Recorre, ainda, a professores convidados, que injetam contributos muito importantes e reforçam a relação com a prática e o mundo exterior à academia. Sendo assim, parece não correr riscos de se fechar sobre si própria enquanto corpo endógeno e autofágico. Esta transversalidade de saberes é uma das mais interessantes virtualidades da UMinho.
 
Tornou-se em 2015 a primeira mulher a presidir a EAUM. Porque decidiu abraçar este desafio?
A EAUM é pequena, mais cedo ou mais tarde chega a nossa vez de ocupar cargos de gestão. Há um entendimento generalizado neste sentido que tem funcionado bastante bem. Quanto ao facto de ser mulher, parece-me um não assunto. De notar, aliás, que quando tomei posse, as mulheres estavam em clara maioria na presidência das onze Escolas/Institutos da UMinho.
 
Quais são os principais objetivos e projetos que quer implementar?
A Escola quer crescer de forma harmoniosa e complementar. Esperamos abrir em breve a licenciatura em Artes Visuais e o mestrado em Design de Produto e Serviços, que refletem a aposta da Universidade na sedimentação destas áreas e do campus de Couros, onde está igualmente instalada a licenciatura em Teatro, do Instituto de Letras e Ciências Humanas. Estamos, assim, a contribuir com algo essencial para a UMinho ser a ‘universidade completa’ em que pretende rever: uma área das Artes forte, com origens diversas e no coração de Guimarães. A proximidade ao Centro Cultural Vila Flor amplia este significativo potencial, fortemente apoiado pelo envolvimento da Câmara Municipal. A própria cidade é criadora e consumidora de cultura, pelo que o panorama é interessante e intenso, extravasando claramente os limites do mundo académico. Por outro lado, queremos em 2017 lançar pela primeira vez cursos de formação especializada, nomeadamente em Cenografia - sob a perspectiva da Arquitetura – e em Acessibilidade e Design Inclusivo. Temos ainda um programa de e-learning em preparação, que pode atrair outros públicos e geografias.
 

"O Lab2PT tem uma estrutura muito contemporânea"

O centro de investigação Lab2PT foi avaliado pela FCT com “Muito Bom” logo no seu arranque, em 2014. A que se deve esta performance num contexto tão competitivo?
O Lab2PT, fundado muito recentemente em conjunto com o ICS, integra cerca de 150 investigadores, provenientes também de outros Departamentos e Escolas da UMinho, que convergem no interesse mútuo do estudo do território, das paisagens e do património. Tem, assim, uma estrutura muito contemporânea, com uma massa crítica transversal, que permite aos projetos serem pensados na cooperação de várias disciplinas, que se cruzam e enriquecem mutuamente. Com vários projetos em curso, é a unidade de I&D central na investigação da EAUM e tem vindo a promover vários eventos nacionais e internacionais. Temos grandes expectativas no Lab2PT e em todo o potencial que ele agrega para o futuro da EAUM.
 
Como tem evoluído o trabalho do Centro de Estudos (CE.EAUM)?
Os Centros de Estudos, na sua articulação com a sociedade, cumprem uma missão das Escolas de Arquitetura, trazendo para a academia a prática profissional para docentes e para alunos [finalistas ou recém-diplomados], que têm aí possibilidades de formação qualificada. Esta subunidade foi fundada em 2009 com o convite da Câmara Municipal de Guimarães para o projeto de requalificação do Largo do Toural e envolvente, a propósito da Capital Europeia da Cultura 2012, e tem, desde então, trabalhado continuamente. O CE.EAUM só faz projetos por convite e trabalha sobre temas que fazem sentido serem desenvolvidos na Universidade, demonstrando que fazer projetos de arquitetura é também fazer investigação. Colabora com equipas técnicas externas e da Universidade e tem realizado projetos de tipologia muito diversa. Atualmente, tem em curso projetos para a requalificação do Convento de São Francisco em Real [Braga] e do Largo do Paço, assim como a reabilitação do centro urbano da vila de Caldas das Taipas [Guimarães]. Realiza também ações de apoio e projetos para os campi de Azurém e Gualtar. É-nos muito importante este envolvimento na UMinho, vendo, assim, reconhecidas, competências específicas da Escola.
 
A EAUM tem ainda três espaços para exposições.
Sim, três espaços que se complementam. Naquele a que chamamos Museu, encontramos as maiores e mais formais exposições, na sala Estúdio UM há, em permanência, mostras de desenho e, junto à Biblioteca Nuno Portas, temos o Ginásio’UM, destinado a projetos de arquitetura e design. Os alunos também vão realizando as suas actividades próprias. Lançaram a revista “Diagonal” e dinamizaram um grupo de banda desenhada, por exemplo. Gostaríamos que a sua intervenção se torne cada vez mais presente e esperamos que Núcleo de Estudantes de Arquitetura, agora mesmo - finalmente - criado, venha a ser um forte impulsionador dessas expressões.
 
Como é que a EAUM pode auxiliar atuais e antigos alunos na progressão da carreira?
Tencionamos desenvolver a breve prazo uma estrutura ativa e organizada para o efeito, um Observatório dos arquitetos EAUM, contando com a parceria das redes Alumni. Interessa saber onde a nossa comunidade está e a fazer o quê. Temos gente espalhada pelos vários continentes e sabemos que o contacto com antigos colegas abre muitas vezes oportunidades de trabalho, de projetos e de mobilidade, abrindo novas possibilidades de escolha. Há quem emigre por opção ou por não existir trabalho cá, há quem queira emprego estável ou de curta duração. Existem imensas frentes de empregabilidade dos nossos arquitetos, nem sempre na área específica da arquitetura, mas frequentemente complementares, que gostaríamos de ajudar a explorar através da montagem desta rede de informação.
 
De que forma esta Escola se pode afirmar no contexto da crescente internacionalização?
Com certeza na investigação, um âmbito central à internacionalização, mas também no intercâmbio de docentes e de estudantes e nas parcerias com outras academias e entidades. Colaboramos, por exemplo, na instalação da Escola Euro-Mediterrânica de Arquitetura de Design e Urbanismo da Universidade de Fez, numa rede coordenada pela Universidade de Florença, e temos várias ações em curso e em estudo. Mas somos muito poucos, precisamos de progredir de forma sensata e com o envolvimento de todos.
 
Como espera que seja a EAUM em 2020?
Imagino que a Escola nessa altura tenha os projetos mais antigos a correr em velocidade cruzeiro e os projetos recentes sedimentados, sempre prosseguindo num trajeto de qualificação permanente e abrindo novos caminhos, como uma árvore. Espero que tenhamos estudantes oriundos de muitas geografias, nacionais e internacionais, e um corpo docente mais vasto e com novas valências. Acredito, também, que o trabalho desenvolvido no Lab2PT, no CE.EAUM e nas outras frentes de atividade da Escola, estará mais amplificado, mais aberto e mais denso.
 
Quais são, para si, os principais desafios do ensino superior em Portugal e no mundo?
Suponho que no nosso país, ainda com um nível de pobreza demasiado elevado, se mantém uma questão central, que se relaciona com a democratização do ensino. Isto é, precisamos de garantir o acesso ao ensino superior a todos que o desejem, sem que para assegurar essa abertura as universidades se transformem em estruturas dependentes das lógicas economicistas hoje em dia dominantes, que as tornam reféns de uma oferta menos qualificada. Não podemos cair numa visão utilitarista, nem burocrática, da produção do conhecimento e da inteligência do mundo, nomeadamente nas artes e ciências sociais e humanas, que são áreas fulcrais ao progresso civilizacional. A Universidade cumpre-se enquanto centro de pensamento crítico e é fundamental que, assumidamente, seja completa nesse sentido.



Nota biográfica

Maria Manuel Oliveira é arquiteta pela Escola de Belas-Artes do Porto, doutorada em Arquitetura pela UMinho e investigadora do LAB2PT. Docente na EAUM desde a sua instalação, desenvolve aí a prática arquitetónica no CE.EAUM, que fundou e coordenou. Lecionou na Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto, tendo incorporado o seu Centro de Estudos, e no Departamento de Arquitetura da Universidade de Angola. Por outro lado, exerceu como profissional liberal e fez parte do Gabinete de Planeamento Urbanístico da Câmara Municipal de Guimarães. Membro da Ordem dos Arquitetos, pertenceu à direção da sua secção regional do Norte e integra a mesa da assembleia-geral.