Para onde nos levam as novas tecnologias?

24-01-2017

Ricardo J. Machado

Sendo um dos expoentes máximos da inteligência do Homem, independentemente da sua materialização, a Tecnologia acompanhará sempre a sua existência. Parafraseando o narrador da série Star Trek, acredito que as Tecnologias da Informação permitirão ao Homem chegar “where no man has gone before”. Já o permitem, aliás...


A Tecnologia tem acompanhado e alavancado a evolução da Humanidade, desde os seus primórdios. As tecnologias da pedra, dos ossos, da madeira e do fogo permitiram avanços significativos nas técnicas de caça, de confeção de alimentos e da produção de vestuário e de abrigos (e mais tarde, de habitações). Posteriormente, a tecnologia dos metais acompanhou o desenvolvimento da agricultura e da organização da vida humana em Sociedade (e não só em pequenas comunidades). Mais recentemente, a tecnologia das máquinas a vapor deu origem à primeira revolução industrial, dotando o Homem da capacidade de produzir, em larga escala, bens por si inventados. Nesta fase, a Tecnologia promoveu também uma revolução nas profissões.
 
O domínio das tecnologias químicas e bioquímicas ao serviço da alimentação (tecnologias de produção e de conservação de alimentos) e da saúde (tecnologias de diagnóstico, das intervenções cirúrgicas e dos medicamentos) são exemplos relativamente recentes em que a Tecnologia foi responsável por avanços muito significativos nas condições de suporte e de prolongamento da vida. Contraditoriamente (e sem querer levantar aqui questões éticas ou morais), o mesmo conhecimento tecnológico tornou possível a interrupção voluntária da gravidez, bem como a eutanásia ativa como práticas reconhecidamente legais em diversos países.
 
A Tecnologia tem igualmente catalisado a evolução permanente das técnicas de guerra, através da produção de armas cada vez mais sofisticadas e letais. Felizmente, a Tecnologia está também associada ao que de melhor define a Humanidade: a Arte (desde a Pré-História, com as diversas tecnologias utilizadas nas pinturas rupestres) e a Sociedade da Comunicação (com as tecnologias das vias de comunicação e da escrita/imprensa).
 
As chamadas Novas Tecnologias da Informação tiveram a sua génese em três frentes de desenvolvimento tecnológico que surgiram de forma articulada durante a segunda metade do século passado (razão pela qual já não deveriam ser consideradas “novas”): a construção dos primeiros computadores eletrónicos com capacidade de armazenamento, entre o final da década de 40 e toda a década de 50; o desenvolvimento das primeiras tecnologias de software (assembladores, compiladores, sistemas operativos, entre outros), durante a década de 60; as primeiras experiências com tecnologia de redes de computadores no âmbito da rede ARPANET (precursora da Internet), no final da década de 60.
 
Durante algum tempo, as Tecnologias da Informação (TIs) foram utilizadas, sobretudo, para automatizar o processamento e o armazenamento da informação em contextos de trabalho, bem como para suportar novas formas de entretenimento baseado em jogos digitais. Progressivamente, as TIs foram sendo adotadas em todos os domínios da atividade humana, complementando as outras tecnologias por forma a ultrapassar os limites até então possíveis: por exemplo, casas inteligentes, veículos com condução autónoma, fábricas adaptativas, agricultura de precisão, intervenções cirúrgicas com robôs ou bolsas de valores totalmente virtuais.

Com a presente utilização generalizada da Internet e dos smartphones, tanto para fins lúdicos como para suportar atividades económicas, a anteriormente designada Sociedade da Comunicação evoluiu para uma Sociedade da Informação, conceito mais complexo do que o anterior mas não necessariamente coincidente com o de Sociedade do Conhecimento. A atual transformação digital da sociedade alicerça-se nos mais recentes avanços das tecnologias da Computação em Nuvem (Cloud Computing), Internet das Coisas (IoT – Internet of Things), Big Data e Inteligência Artificial. Estas tecnologias de transformação digital da sociedade estão na base da quarta revolução industrial (Indústria 4.0) e das cidades inteligentes.
 
Três filmes conhecidos dos apreciadores de ficção científica facilitam-nos a perceção de alguns dos caminhos possíveis para a nossa existência em Sociedade e como seres Humanos com base nas expectáveis capacidades das TIs num futuro não muito longínquo; note-se que algumas das tecnologias sugeridas nos filmes são perfeitamente concretizáveis num horizonte de poucas dezenas de anos. O filme Matrix [irmãos Wachowski, 1999] permite-nos imaginar uma sociedade alienada da verdadeira realidade ecológica do planeta Terra, porque totalmente conectada e em permanente interação com agentes cibernéticos indistintos dos humanos. O filme Elysium [Neill Blomkamp, 2013] ilustra-nos a fragilidade da existência humana fora do planeta Terra, perante uma gestão negligente e abusiva da privacidade dos dados pessoais. O filme Avatar [James Cameron, 2009] mostra-nos como a realidade aumentada e a fusão sensorial podem alterar e fazer evoluir a essência da condição humana.
 
Estas analogias cinematográficas não devem ser entendidas como fatalistas, mas, pelo contrário, como uma chamada de atenção: tal como todas as outras tecnologias, as TIs, desde que devidamente utilizadas, podem ser um excelente suporte ao desenvolvimento Socio-humano. Sendo um dos expoentes máximos da inteligência do Homem, independentemente da sua materialização, a Tecnologia acompanhará sempre a sua existência. Parafraseando o narrador da série Star Trek [Gene Roddenberry, 1966], acredito que as Tecnologias da Informação permitirão ao Homem chegar “where no man has gone before”. Já o permitem, aliás...


* Diretor do Centro de Investigação ALGORITMI e professor catedrático da Escola de Engenharia da UMinho