Prémio de Mérito Científico da UMinho entregue hoje a Paulo Lourenço

17-02-2017 | Pedro Costa

Paulo Lourenço define-se como o engenheiro civil que trabalha o património e a cultura

Quatro igrejas de Famagusta (Chipre), uma das 100 cidades patrimoniais mais ameaçadas do mundo, foram alvo de estudos de diagnóstico, análises avançadas e planos de conservação pela equipa de Paulo Lourenço (na foto, em 2014)

Teste de modelos numéricos e digitais para avaliação sísmica no Qutb Minar, em Nova Deli (Índia), considerado o minarete de tijolo mais alto do mundo e um ícone da arquitectura indo-islâmica

A intervir sobre a proteção dos edifícios históricos perante terramotos, no Channel 4, do Irão, em 2014

A participar no "6th Phd ISISE Workshop", no Douro Palace Hotel (Baião), em 2015

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Tem o maior grupo científico mundial de construção em alvenaria, o Prémio Scalzi (o "Nobel" da área), é consultor no Património Mundial da UNESCO, codirige o ISISE e IB-S e supera as mil publicações.





Paulo Lourenço nasceu há 50 anos, no Porto, onde se licenciou em Engenharia Civil, em 1990. Doutorou-se pela TU Delft, na Holanda, em 1996, e depois tornou-se professor catedrático do Departamento de Engenharia Civil da UMinho. É codiretor do Instituto para a Sustentabilidade e Inovação em Engenharia de Estruturas (ISISE) e do Instituto para a Bio-Sustentabilidade (IB-S). Especializou-se na área dos ensaios não destrutivos, técnicas de análise numérica e experimental, técnicas de reforço inovadoras e engenharia sísmica. É especialista em construções antigas e foi consultor para uma centena de monumentos, diversos deles classificados como Património da Humanidade: Sé do Porto, Mosteiro dos Jerónimos, Convento de Cristo, Paço dos Duques, Paço Episcopal Bracarense, Palácio de Belém, Qutb Minar (Índia), Igreja da Cantuária (Reino Unido), Igreja de S. Sebastião em Manila (Filipinas), Catedral de Ica (Perú) ou Câmara Municipal de Christchurch (Nova Zelândia).

Paralelamente, é também consultor em alvenaria estrutural e não estrutural, tendo sido responsável pelas soluções adotadas nas paredes dos estádios de Braga, Alvalade e Luz. Coordena o maior grupo internacional na área de construção em alvenaria e o mestrado internacional em Análise Estrutural de Monumentos e Construções Históricas, que decorre em quatro universidades europeias. Coordena ainda o grupo de revisão do Eurocódigo 6, o regulamento europeu para o projeto de estruturas em alvenaria. O Prémio Scalzi 2010, atribuído pela The Mansonry Society, é também editor do International Journal of Architectural Heritage e autor de mais de 1000 publicações técnicas e científicas. O seu percurso conta já com 80.000 leituras no ResearchGate e mais de 10.000 citações no Google Académico. Hoje recebeu o Prémio de Mérito Científico da UMinho, na cerimónia do 43º aniversário desta academia (VÍDEO).
 
 
Onde cresceu?
Eu nasci no Porto, onde cresci, embora tenha vivido dois anos em Angola, onde fiz a primeira classe.
 
O caminho de vida foi comum ao de muitos outros rapazes da sua idade?
Fui uma criança normal. Tive bons resultados escolares, com classificações muito elevadas, mas uma infância típica, com um grupo de amigos forte e muitas brincadeiras nas férias, incluindo o verão na aldeia. Também é verdade que cresci numa família de engenheiros civis. O meu pai, a minha irmã e o meu irmão mais velho são engenheiros civis e nós brincávamos dizendo que só a minha mãe não o era – é professora de físico-química. A verdade é que a minha mulher também é engenheira civil! [risos] Desde cedo, trabalhei no gabinete do meu pai durante as férias, comecei pelo desenho manual a tinta-da-china em papel vegetal, fiz quilómetros de cópias heliográficas, o que terá contribuído para o meu percurso profissional.
 
O que gostava mais de fazer?
Eu diria que tive um percurso desportivo abrangente. Pratiquei futebol, karaté, ténis, badminton, squash e tínhamos um grupo de xadrez muito interessante. Gostava muito de ler, que é algo que hoje a juventude conhece pouco, e lia de tudo. Falo bem quatro línguas para além do português e sempre tive muita apetência para as ciências sociais e humanas, pelo que houve uma altura que equacionei a advocacia e o direito, talvez influenciado pelos livros policiais e clássicos da época.
 
Quando percebeu que ia ser engenheiro civil?
A decisão foi tardia e um pouco antes de entrar na universidade. Quanto a sentir-me engenheiro civil, é diferente. Ainda me sinto um engenheiro e gosto de dizer que sou um engenheiro de estruturas. Este sentimento tem a ver com o percurso académico, que permitiu combinar investigação e desenvolvimento com ensino, com gestão e com a aplicação do conhecimento no mundo real, porque temos o privilégio e a sorte de trabalhar em monumentos em todo o mundo, contactando com uma diversidade cultural que é muito rica e compensadora.
 

Na academia
 
Academicamente, também seguiu um caminho participativo?
Faço parte de um curso de certa forma muito especial – que ainda hoje se reúne nas terças-feiras da Queima do Porto – e que recentemente comemorou os 25 anos, com 60 colegas. Era um grupo de estudantes muito próximo, até que por vezes a academia é demasiado competitiva, mas éramos muito coesos na partilha de elementos e telefonávamos uns aos outros nas vésperas de exames a resolver as questões mais difíceis. Estive envolvido na origem da comissão do curso. E também participei ativamente nas atividades da Queima, o que é importante para desenvolver competências sociais e emocionais, as quais se juntam às competências técnicas e se tornam muito importantes na vida profissional futura. Como estava no Porto, para mim foi diferente daqueles que se deslocaram para fazer novos amigos, mas a verdade é que na universidade se fazem amigos para a vida, num ambiente intenso, abrangente e de dedicação. É um marco na vida de todos nós.
 
Como surgiu a hipótese de estudar na Holanda?
Sempre tive vontade de estudar no exterior, fiz dois estágios profissionais na Escandinávia durante o curso. Pensei em fazer um doutoramento relativamente rápido, já que em Portugal naquela época houve um grande investimento em ciência, com mestrados científicos e longos, antes do doutoramento, ao contrário do exterior, com países onde havia escolas doutorais e em que os doutoramentos se concluíam em três ou quatro anos. Por outro lado, sempre tive a ideia de alargar a minha rede de contactos. Hoje o mundo é globalizado, mas, desde criança, sempre tive atração para conhecer o mundo. Na altura tomei a decisão de ir para uma universidade das mais conhecidas na área em que eu pretendia fazer o meu trabalho. A Universidade Técnica de Delft tinha o melhor centro europeu da área da mecânica dos sólidos computacional em engenharia civil, daí essa minha decisão.

A sua especialização também é vocacional ou uma descoberta?
Fiz o doutoramento em 1996, num tema da mecânica das estruturas, com elevada complexidade matemática e física. O trabalho foi baseado no material “alvenaria”, que está na construção de cerca de dois terços das nossas casas e nos nossos monumentos, mas que em vários países tem forte expressão como material moderno. Em Portugal, tem pouca expressão como material estrutural. Quando terminei o doutoramento, pensei que este trabalho poderia ter mais relevância no património construído e que importa preservar. Pensei então atuar neste campo, onde há 20 anos havia pouca engenharia, embora houvesse arquitetura, arqueologia, história, entre outras ciências. Neste momento existe uma comunidade forte de engenheiros nesta área e diria que a Universidade do Minho é internacionalmente o maior grupo de investigação que de dedica ao tema.
 
A sua atenção incide muito no património. Não há uma imagem pública de que a engenharia é “fria” quanto a esta temática?
Eu diria que nesta área do património precisamos de uma engenharia diferente, com mais apetência pela cultura e vontade de trabalhar em ambientes multidisciplinares. Hoje, intervir no património com valor cultural, sem atender ao seu caráter de relevância na sociedade, é impossível. O grande desafio técnico é esse: como atuar de forma a preservar a identidade e, ao mesmo tempo, assegurar bom comportamento em serviço e proteção de bens e dos utilizadores, prolongando a sua vida eternamente.
 

No mundo

O seu trabalho é um caminho sem fim…
Este trabalho assume as raízes do passado, mas com os olhos no futuro. Não só do ponto de vista da identidade, mas muito do ponto de vista do desenvolvimento tecnológico, uma vez que temos hoje materiais e técnicas de inspeção, de diagnóstico e de análise de estabilidade muito avançados, que eram impensáveis há alguns anos.
 
Onde entra a ciência multidisciplinar na nova abordagem na UMinho?
O património é interessante num contexto universitário, porque é multidisciplinar e multicultural, pelo que se enquadra na integração das ciências do conhecimento para corresponder aos novos desafios. Por outro lado, enquadra-se com o IB-S, uma aventura que foi conduzida por mim e pela professora Cândida Lucas, do Departamento de Biologia, para tentar responder aos desafios complexos que hoje temos e que combinam o ambiental natural e humanizado. Sabemos que o mundo é demasiado pequeno para as necessidades atuais e para a pressão que nele colocamos. A construção, nesse aspeto, é uma indústria que do ponto de vista de recursos, do consumo de energia e da produção de dióxido de carbono tem uma influência importante sobre o ambiente. Por isso, acho que o IB-S e a sua produção de conhecimento holístico com as ciências biológicas e de engenharia integradas é um desafio muito interessante.
 
Que importância atribui ao facto de a UMinho o reconhecer hoje com o Prémio de Mérito Científico?
Os prémios, para mim, são sempre forma de motivação. De facto, tentamos fazer o melhor no dia a dia, como equipa. A atividade universitária a este nível não é feita a nível pessoal e temos que pensar como gerir a equipa, para que o todo seja mais do que a soma das partes. Temos ainda que assumir a universalidade do que fazemos, assegurar a partilha do conhecimento, promover a autonomia dos membros da equipa e não negociar a excelência da investigação. Este prémio, como outros que felizmente temos recebido, é sinal de reconhecimento e deve dar-nos energia para fazer ainda melhor, se possível.
 
O que pensa estar a fazer daqui a dez anos?
É uma pergunta difícil. É difícil colocar algo em movimento, mas é ainda mais difícil mantê-lo em movimento. Penso que o desenvolvimento e reconhecimento que vivemos nos últimos anos, e que foi excecional – porque começamos do zero, sem laboratórios, sem escola doutoral, com uma investigação que era incipiente e tem recebido distinções múltiplas –, mantém-se como um grande desafio. A comunidade académica está envelhecer demasiado depressa, sem a necessária substituição, e as restrições orçamentais são castradoras. Mas felizmente, pelo menos na equipa que coordeno, ou no ISISE, até agora as limitações financeiras não foram relevantes e temos uma massa jovem que nos permite manter o sonho de continuar a fazer algo diferente. Espero que daqui a dez anos seja possível manter o mesmo espírito e a mesma vontade de construir um mundo diferente.



O cidadão
 
Também viaja por lazer, para além da profissão?
De facto, viajo pelo menos duas vezes por mês, portanto é muito tempo fora de casa. Isso é difícil para a família e fez-me parar o desporto, que quero retomar. Nos tempos livres gosto muito de ir ao teatro, ver monumentos e museus, que são hábitos que tenho desde miúdo. É uma vida social complicada, porque, julgo eu, ter uma vida académica impactante trabalhando 30 a 40 horas por semana é impossível. Julgo que a maior parte dos colegas que, de alguma forma, chegaram a um nível de reconhecimento elevado trabalham umas 60 a 70 horas por semana.
 
E nesses momentos é possível apagar o olhar profissional?
Não é fácil, porque eu trabalho na cultura. Tenho o privilégio de, na minha atividade profissional, ir a locais de acesso limitado, onde o turista nunca foi. Por exemplo, entrar num pilar oco da catedral de Lima, no Peru, em regime de escalada entre morcegos. Ou fazer inspeção na cidade de Mashad, o maior centro religioso do Irão, entrando no seu local mais sagrado pela cobertura (a Cúpula Dourada), com a tradutora a assegurar que sou uma pessoa de bem, porque o acesso só assim seria permitido, ou ainda participar num banquete na Basílica de S. Francisco de Assis, em Itália, com os monges franciscanos (e com a ministra da Cultura italiana). São, de facto, muitas experiências únicas e é difícil dissociar a fruição cultural da minha atividade profissional.
 
Gosta de uma boa conversa à mesa?
A comida (ou património à mesa) faz parte da nossa herança cultural imaterial. A conversa à volta de uma boa comida e um bom vinho faz parte da cultura do Sul da Europa. Para mim, é mais recompensadora do que uma conversa ao sofá.
 
Como se informa mais? Na imprensa, rádio, TV ou internet? 
Sempre li o jornal diário desde miúdo. O meu pai assinava o Público e eu lia-o logo de manhã. Agora tenho menos tempo, mas tento ler todos os dias, entre o Expresso e o Expresso Diário. A televisão é o meio de comunicação que me entusiasma menos e sou capaz de estar uma semana num hotel sem sequer a ligar!