Nova técnica desperta a memória das testemunhas de crime

23-03-2018 | Catarina Dias

Rui Paulo, a apresentar resultados do estudo que foi recentemente publicado nas conceituadas revistas “Applied Cognitive Psychology” e “Psychology, Crime and Law”

No dia em que defendeu a sua tese de doutoramento, na Escola de Psicologia da UMinho, com os orientadores Pedro Albuquerque (à direita) e Ray Bull (à esquerda)

Fim de semana em Bath, no Reino Unido

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Método ‘Recordação por Categorias’ aumenta as memórias relatadas pelas vítimas e desperta a sua atenção para “pormenores esquecidos”. Nasceu na UMinho graças ao psicólogo forense Rui Paulo.





Foi concebida na Escola de Psicologia da Universidade do Minho uma técnica pioneira que ajuda as testemunhas e vítimas a recordarem com maior precisão o sucedido no local do crime. O método chama-se ‘Recordação por Categorias’ e tem despertado a curiosidade de peritos a nível internacional. Consiste em pedir às testemunhas que, após um primeiro relato, descrevam isoladamente as pessoas envolvidas, depois as ações, os locais, os objetos, os diálogos, os sons. O investigador Rui Paulo defende que esta técnica de entrevista aumenta as memórias relatadas pelas testemunhas e desperta a sua atenção para “pormenores esquecidos”.
 
O trabalho levado a cabo por Rui Paulo no âmbito do seu doutoramento revela que mais de 90% da informação relatada nos estudos realizados estava correta, o que demonstra uma precisão no relato muito elevada. “Nenhuma estratégia permite alcançar uma representação exata da realidade. A memória não é perfeita, por isso é natural que haja falhas quando alguém descreve um acontecimento. Este método mostrou ser mais eficaz do que outros usados na prática forense (por exemplo: mudança de ordem e mudança de perspetiva), pois possibilita a obtenção de muita informação sem que os erros aumentem”, explica o psicólogo, agora a dar aulas na Universidade de Bath Spa, no Reino Unido. 
 
Na ausência de provas 100% conclusivas, como o ADN e as impressões digitais, os testemunhos assumem um papel fundamental na resolução do caso. Daí ser importante encontrar estratégias que permitam alcançar relatos mais próximos da realidade. A responsabilidade recai no inspetor que deve usar técnicas que ajudem a vítima a recordar o máximo de detalhes possível sobre o crime, evitando interferir em demasia na entrevista e induzir as respostas. “Isso nem sempre acontece e muitos dos erros cometidos pelas vítimas no interrogatório decorrem de procedimentos desajustados ainda hoje adotados pelas forças policiais”, assevera Rui Paulo, que colabora com o Grupo em Memória Humana do Centro de Investigação em Psicologia (CIPsi) da UMinho. Por exemplo, a realização de interrogatórios semelhantes para todas as testemunhas e focados maioritariamente em questões diretas como ‘De que cor era a arma do assaltante?’ distorce a resposta do entrevistado, ao sugerir que o criminoso tinha uma arma.



Eficácia já foi comprovada por cientistas de vários países
 
A eficácia do método “Recordação por Categorias” deve-se ao facto de este ter sido construído tendo como base o funcionamento da memória humana e o modo como a informação é codificada e armazenada. Os resultados foram recentemente publicados nas revistas “Applied Cognitive Psychology” e “Psychology, Crime and Law”. Solicitar à testemunha que descreva o crime focando isoladamente categorias de informação, como objetos (sofá, cadeira, mesa), tende a ativar memórias associadas que não seriam provavelmente recordadas se a estória fosse contada cronologicamente. Desde que o primeiro artigo científico foi lançado em 2017, investigadores de vários países testaram a sua eficácia com sucesso. “É extremamente gratificante, pois este é o primeiro passo para que a nossa técnica possa ser utilizada na prática forense”, conclui Rui Paulo, que contou com o apoio dos docentes Pedro Albuquerque (UMinho) e Ray Bull (Universidade de Leicester, no Reino Unido).