As mudanças em Medellín pela mão de Agostinho Almeida

31-05-2018 | Daniel Vieira da Silva

Em Marrocos, a participar num dos programas financiados pelo Departamento de Estado dos EUA e por fundações internacionais

No Nepal, a trabalhar em projetos internacionais

Agostinho Almeida recorda com alegria os tempos que passou na Universidade do Minho

Num cortejo inserido nas Monumentais Festas do Enterro da Gata

Fundou com amigos do MBA a sua primeira empresa, a Venture Catalysts

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O percurso de um biólogo que passou pelo doutoramento em Medicina. Pelo meio, um núcleo de curso, as cores do andebol da AAUM e, agora, a tarefa de transformar a cidade colombiana.


Agostinho João de Almeida, alumnus de Biologia Aplicada e Medicina, está a transformar a cidade de Medellín num ecossistema de inovação e empreendedorismo. O projeto RutaN, criado em 2009, já ajudou na chegada de mais de 200 empresas à cidade. Ao todo foram criados quase 4600 postos de trabalho.

Recorda-se do primeiro dia na Universidade do Minho?
Claro! Uma mistura de sensações estranhas: medo, excitação, curiosidade, nervosismo... e sobretudo a sensação de que chegava a um mundo diferente. Lembro-me que na primeira aula sentei-me ao lado do Gonçalo, de quem seria companheiro de armas durante e depois do curso e hoje um dos meus grandes amigos.

Que principais recordações guarda da academia?
Há tanta coisa, mas vou ficar-me pelo intangível e, para mim, o mais importante: as amizades, a aprendizagem (não só nas aulas, mas sobretudo fora delas), a diversão, as festas, o stress pré-exames, o estudo, as alegrias e tristezas, a novidade (nessa idade quase tudo é novidade).

Teve algum envolvimento associativo/cultural/desportivo nos tempos universitários?
Sim, fui delegado e representante do curso de Biologia Aplicada e joguei andebol na equipa universitária. 

Mantém algum tipo de ligação com as relações criadas na Universidade do Minho?
Claro, várias. Não só dos tempos de estudante de licenciatura de Biologia Aplicada, mas também como estudante de doutoramento e já como investigador/professor da Escola de Medicina.

O que motivou a escolha do curso?
Desde muito cedo, soube que queria estudar alguma área das ciências da vida. Após seis meses como estudante de Biologia Aplicada, nunca mais tive dúvidas de que foi a melhor coisa que me podia ter acontecido. Fiz parte da primeira “fornada” de estudantes (vintage 1996) e devo reconhecer que o Departamento de Biologia e a Escola de Ciências não pouparam esforços para apoiar-nos. Além disso, sair de casa dos meus pais e viver sozinho foi como passar por um workshop de crescimento acelerado. Saí de casa do Porto com 18 anos e Braga foi a minha casa durante quase 16 anos.

Acha que a academia o moldou para as questões profissionais e pessoais?
Sem dúvida alguma, tanto a nível de licenciatura (Biologia Aplicada, Escola de Ciências) como a nível de pós-graduação (Escola de Medicina).

Consegue guiar-nos pelo seu percurso profissional desde o momento em que saiu da UMinho?
Ora bem, a verdade é que não saí. Depois do curso em Biologia Aplicada, tive muita, muita sorte: trabalhei como voluntário alguns meses no grupo de investigação da professora Manuela Corte-Real, no Departamento de Biologia, o que abriu-me a porta para poder fazer o doutoramento na Escola de Medicina com os professores Cecília Leão e Fernando Rodrigues (em 2001, no primeiro ano do curso de Medicina na UMinho). Esta foi uma fase muito importante: tive a oportunidade de crescer muito a nível pessoal e profissional e de criar laços importantes que ainda guardo com muito carinho. Depois do doutoramento e de um primeiro ciclo como investigador de pós-doutoramento e professor na Escola de Medicina, senti necessidade de aprender coisas novas e fazer algo diferente. Consultei várias pessoas amigas e acabei por tomar uma decisão difícil: deixar o meu trabalho e sair da UMinho para fazer um MBA. Durante algum tempo, trabalhei na área comercial e fui professor no Instituto Universitário da Maia. Nessa época fundei com alguns amigos do MBA a primeira empresa, a Venture Catalysts, e mais tarde surgiram a Abyssal e a Immunethep. Nessa altura (2012) deu-se a minha mudança para Medellín, onde trabalhei primeiro em transferência de tecnologia e, mais tarde, no setor financeiro (venture capital) durante mais de três anos. Tive também a oportunidade de ser instrutor de tech entrepreneurship em diferentes países em programas financiados pelo Departamento de Estado dos EUA e por fundações internacionais. Hoje tenho a sorte de conciliar o trabalho como diretor de operações da RutaN e de professor na Universidade Eafit, onde trabalho com estudantes em temas de inovação e emprendedorismo e consigo manter-me ligado a I&D.

Como se deu essa passagem da Biologia para a área onde trabalha agora?
Gostaria de poder dizer que foi estrategicamente planeado, mas realmente não. Olhando para trás, a sequência de eventos e decisões tomadas parecem ter sentido, mas houve vários riscos assumidos, erros e aprendizagens importantes e uma boa dose de serendipity. De uma coisa estou certo: misturar a formação como investigador em ciências de vida e I&D com administração e negócios preparou-me muito bem para os desafios que tenho enfrentado.



Viver na cidade "mais inovadora do mundo"

Está envolvido num projeto de larga escala que pode alterar a forma como olhamos para Medellín. Chama-se RutaN. Em que consiste?
Surgiu em 2009, da junção de sinergias de duas empresas públicas e da Câmara Municipal, com o objetivo de que em 2021 a inovação fosse o principal dinamizador da cidade, movida por uma economia do conhecimento, o que significa uma transformação enorme da cidade, vincular universidades, empresas e o Estado e estimular o investimento em I&DI. Para atingir esse objetivo, a organização tem três prioridades estratégicas: a atração de capital, empresas e talento; o desenvolvimento do tecido empresarial e empreendedor da cidade; e a ajuda na solução de desafios com que a cidade se confronta com ciência, tecnologia e inovação (CTI).

Como se pretende dotar de mais capacidade os agentes locais e colocar Medellín “no radar” de investidores e empresas?
Acho que vale a pena referir três âmbito que a RutaN tem desenvolvido. Primeiro: fortalecer as capacidades de agentes locais em temas como transferência de tecnologia, inovação em educação, gestão da inovação, venture capital, transformação digital, entre outros. Segundo, desenvolver o mindset de investidores da região para investir em startups e empresas de base tecnológica, mas também criar mecanismos de financiamento para reduzir o risco tecnológico dessas mesmas startups/empresas. Terceiro, criar novos negócios de base tecnológica que têm como objetivo resolver desafios que a cidade tem (mobilidade, segurança, saúde...) e ajudar a que Medellín se torne cada vez mais inteligente. De forma transversal e em sinergia com outros programas, a cidade é hoje vista como uma opção muito interessante para fazer landing na América Latina, competindo com outras cidades do México, Brasil, Costa Rica e até de países asiáticos. Até ao momento, chegaram à cidade com a ajuda da RutaN mais de 200 empresas com a criação de mais de 4600 postos de trabalho.

A cidade foi conotada vários anos com a violência e desorganização. Até que ponto este paradigma já se alterou?
Conheço a cidade desde 2003, quando vim fazer um estágio durante o doutoramento, e tenho assistido de forma grata a essa mudança. Esse paradigma já se alterou completamente e prova disso são os projetos de inclusão urbana (por exemplo, em transportes públicos, bibliotecas ou parques), a forte postura institucional dos diferentes agentes locais (por exemplo, o Comité Universidade-Empresa-Estado) e a aposta em CTI para continuar a transformar a cidade. Obviamente, os prémios internacionais de cidade mais inovadora 
[atribuídos pelo Urban Land Institute, Wall Street Journal e Fast Company] também são gratificantes.

O empreendedorismo é um termo de moda ou reflete uma realidade atual na cidade?
Para mim, empreendedorismo é uma forma de estar, de ver o mundo e de atuar sobre oportunidades. Medellín (tal como Portugal) tem um DNA empreendedor que fez parte do seu crescimento no passado. Acho que a realidade atual da cidade tem sido caraterizada por tentar aliar esse DNA com capacidade em inovação e, assim, tornar-se mais produtiva e competitiva.

Foi fácil para um português integrar-se na dinâmica de Medellín? Como caracteriza a cidade?
Medellín tem 2.5 milhões de habitantes (com toda a área metropolitana do valle de Aburrá onde está inserida ultrapassa os quatro milhões). Tem as mesmas caraterísticas das grandes cidades, com desafios importantes (por exemplo, trânsito e transporte público). Adicionalmente, está localizada entre montanhas, o que naturalmente representa um desafio importante. Mas é muito agradável para viver, organizada e com boa qualidade de vida, principalmente face ao resto da região. Foi muito fácil integrar-me. A cidade e os seus cidadãos recebem de braços abertos pessoas de outras culturas e países, sempre e quando são bem-intencionadas, trabalhadoras e respeitadoras. E culturalmente e na forma de estar vejo várias semelhanças com Portugal.

Olhando de fora, acha que Portugal está a trilhar um bom caminho nesta área da inovação e transferência de conhecimento?
De forma geral, sinto que sim. No passado recente, creio que houve avanços importantes na área da inovação e transferência de conhecimento e finalmente começam a ver-se resultados interessantes nesse campo. Isto está naturalmente relacionado com o trabalho importante das universidades, o investimento (infraestrutura, projetos, formação de recursos humanos...) feito em I&D e a relação com o setor produtivo. No entanto, também se deve reconhecer que esta aposta tem mudado ao longo do tempo, não tendo porventura a dimensão que o país necessita e isso traz um impacto negativo a médio/longo prazo. É crucial que exista continuidade na visão estratégica para que a CTI sejam indutores de valor e suportem o desenvolvimento económico de Portugal, aumentando a produtividade e competitividade dos setores académico e produtivo. Um dos pilares de RutaN e Medellín, por exemplo, foi a criação de uma política pública de CTI, garantindo financiamento e colocando estas três pedras angulares no desenvolvimento económico da cidade. Isto contrasta com o que se passa a nível nacional, onde tem havido claramente erros de casting e de estratégia política a longo prazo para a Colômbia como país. Só para deixar um exemplo, o país investe cerca de 0,7% do seu PIB em atividades de CTI, enquanto Medellín ultrapassa os 2% (dados de 2017).

Sente-se realizado com o que faz?
Muito. É um orgulho e uma responsabilidade muito grande poder fazer parte desta transformação da cidade em Medellín. Espero um dia poder aplicar em Portugal o que tenho aprendido e faço hoje.

Deixa algum conselho para quem está ou vai chegar à UMinho?
Aproveitem porque a vida é curta. A UMinho, em Braga e Guimarães, é uma excelente opção para uma formação académica universitária sólida, com investimento em I&D e inovação e trabalho com a indústria. Além disso, as duas cidades são fantásticas para viver e criar laços de amizade.

Onde se vê daqui a dez anos?
Já no meu país, oxalá podendo conciliar o desenvolvimento de novos empreendimentos na Venture Catalysts, o trabalho em I&DI numa universidade e, porque não, pensar em aplicar esta aprendizagem em Medellín e RutaN em Portugal. É seguramente uma visão ambiciosa, mas isso já faz parte da minha forma de ser.




Perfil

Uma música. "#41", de Dave Matthews e "Flamenco Sketches", de Miles Davis. Duas músicas que me marcaram muito quando estudava em Biologia Aplicada.
Um livro. Tão difícil de escolher, mas vou tentar... “Vivir para Contarla”, de Gabriel García Márquez. A minha mãe ofereceu-mo quando, assustada, soube que ia para Medellín.
Um filme. O primeiro filme da saga "Aliens" (1979)... É estranho, admito, mas para mim representa o momento em que descobri que as ciências da vida iam fazer parte da minha vida.
Um desporto. Futebol, como adepto. Andebol, como praticante (que saudades...).
Um prato. Não sou capaz! Tenho demasiado respeito pela comida portuguesa para dizer só um...
Um vício. Cozinhar, comer, bom vinho, estar com família e amigos... a lista não termina! [sorriso]
Uma coleção.  Nada, nunca achei piada ser colecionador.
Uma personalidade. É complicado, tenho tido a sorte de conhecer pessoas brilhantes e, sobretudo, humanas... Mas devo dizer: o meu pai e a minha mãe, por motivos muito diferentes.
Um momento. Conhecer a minha mulher... lembro-me, como se fosse ontem, do dia, da hora, da roupa que vestia... Nunca mais fui o mesmo depois disso.
Uma viagem. A minha primeira viagem à Colômbia e umas férias que fiz em Santorini com a minha mulher e amigos... inolvidável!
Um lugar. Porto, Braga, Medellín – todas estas cidades receberam-me de braços abertos... tenho com todas uma dívida difícil de pagar.
Um lema:  "Only those who attempt the absurd will achieve the impossible."
A UMinho: Quem seria eu sem a UMinho?