Mafalda Duarte coordena fundo mundial ligado às alterações climáticas

30-06-2018 | Daniel Vieira da Silva

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Em Washington (EUA), a ex-aluna de Relações Internacionais gere 7000 milhões de dólares, através dos quais se apoia 300 projetos de vários setores da economia em 72 países em vias de desenvolvimento.




Natural da Covilhã, Mafalda Duarte terminou o curso na UMinho em 1998 e estava longe de se imaginar na situação profissional atual. Gere os Fundos de Investimento para o Clima, que são dos maiores do mundo para projetos ambientais. Tem 41 anos e falou ao NÓS na primeira pessoa.


A que se deveu a escolha da UMinho para um primeiro contacto com o ensino superior?
Queria fazer Relações Internacionais e selecionei como opções o curso da UMinho e numa das universidades de Lisboa. Optei por Braga porque nunca tive grande fascínio por centros urbanos muito densos.

Lembra-se do primeiro dia na academia, em 1994?
Lembro-me de me sentir bastante apreensiva e um pouco perdida, mas não me recordo em concreto por onde andei ou o que fiz. Era a primeira vez que vivia fora da minha cidade natal, a Covilhã.

Que principais recordações guarda desses tempos?
O campus, que sempre achei fantástico, alguns bons professores, alguns bons amigos, a cidade, conhecer aquele que se tornou o meu marido há já 18 anos, o Paulo, e todos os momentos que passei com ele. Ele é que me ajudou a conhecer Braga e a sua vida cultural, mas também o Minho e as suas gentes.

Teve alguma passagem associativa/cultural nesse período?
Nunca fiz parte de nenhuma associação, pois prezava muito a liberdade de pensamento e ação, mas vi muito teatro e fui a vários concertos de música, incluindo os das tunas da UMinho.

O que motivou a escolha do curso?
A interdisciplinidade e a dimensão internacional. Sempre me interessei por diferentes disciplinas e por analisar os assuntos, tendo em conta várias perspetivas. Além disso, sempre me interessei por aquilo que se passava noutros países e o impacto que isso tinha em Portugal.

Imaginava-se, naqueles tempos, a fazer a o que faz hoje em dia?
Não em termos de trabalho específico ou tipo de instituição onde me via a trabalhar, mas sim em termos de área profissional. Foi durante o curso na UMinho que me interessei pelas questões de desenvolvimento internacional, através do curso de História das Ideias Políticas e Sociais. Foi por causa deste interesse que, logo a seguir à licenciatura, fui tirar um mestrado em Estudos de Desenvolvimento para aprofundar os conhecimentos. A partir daí sempre trabalhei nesta área, incluindo o trabalho que faço e que pretende apoiar países em desenvolvimento a investir em tecnologias do futuro, limpas, sustentáveis e criar as condições para que os países e as suas populações tenham melhores meios e capacidades para responder às alterações climáticas presentes e futuras.

Seguiu para um mestrado na Universidade de Bradford, no Reino Unido, e depois rumou a Nova Iorque para uma especialização na área onde trabalha. Sentiu muitas diferenças na organização do ensino entre Portugal, Reino Unido e EUA?
A comparação não vai ser a mais apropriada, pois em Portugal tirei a licenciatura e, tanto no Reino Unido como nos EUA, tirei mestrados. Ainda assim, aquilo que posso dizer é que achei o ensino no Reino Unido mais centrado na aplicação dos conhecimentos através de projetos específicos. A utilização de uma mistura de métodos de ensino era feita de uma forma muito sistemática. Era-nos pedido que fizéssemos vários trabalhos de grupo, que investigássemos temáticas e depois as apresentássemos e debatessemos perante grupos com perspetivas ou posições diferentes. Aí, fui encorajada e apoiada a fazer investigação primária no contexto de preparação da minha tese de mestrado, o que me levou a Angola, em 1999 - ainda durante a guerra civil. Acabei por receber uma distinção por esse trabalho e por publicar a tese. Além disso, num outro curso de Políticas de Desenvolvimento da UE, trabalhei com a professora Marjorie Lister numa investigação, cujo resultado foi também publicado. Achei todas estas experiências excelentes. Nos EUA tirei um mestrado executivo, o que quer dizer que tinha que fazer num ano o que noutros cursos se faz em dois. Não acredito que esta intensidade e o volume de trabalho pedido fosse o mais propício para uma maximização da aprendizagem. Mas tínhamos acesso a ínumeras palestras sobre as últimas matérias investigadas por professores muito conceituados e uma grande flexibilidade para tirar cursos noutros departamentos, o que me levou a tirar um curso de Alterações Climáticas no Departamento de Geografia e Ciências Naturais, que achei fantástico e me direcionou para a área onde estou agora.

Voltemos a Braga. Em 1998 terminou a sua licenciatura. Mantém relações pessoais e/ou profissionais com colegas de academia?
Sim, mantive alguns amigos e estou casada com o Paulo. Também voltei há alguns anos para participar numa aula da professora Helena Guimarães.

Acha que a academia a moldou para as questões profissionais?
A academia despertou o meu interesse para a área em que trabalho desde o início da minha carreira profissional.


Consciencializar os líderes e os cidadãos

Centremo-nos no seu plano profissional atual. O que está a fazer em concreto?
Tenho a honra e privilégio de gerir uns fundos multilaterais, que se chamam Fundos de Investimento para o Clima (Climate Investment Funds), capitalizados com cerca de sete mil milhões de dólares, com os quais estamos a apoiar 72 países em vias de desenvolvimento, através de mais de 300 projetos em vários setores da economia, a apostar em investimentos em tecnologias inovadoras, limpas e que reforcem a resiliência das populações perante as alterações climáticas.

Sente a mobilização devida dos países desenvolvidos para esta problemática?
Os Climate Investment Funds foram estabelecidos em 2008, no contexto da crise financeira mundial e de dificuldades nas negociações internacionais na área das alterações climáticas. Alguns países desenvolvidos mostraram uma grande liderança ao estabelecer estes fundos para dar um novo impulso a investimentos ligados à temática das alterações climáticas e, com isso, contribuir para uma grande aprendizagem a nível mundial e com impacto aos mais diferentes níveis, incluindo nos custos de certas tecnologias. O que foi e contínua a ser incrível de ver é a liderança de vários governantes de países em vias de desenvolvimento para tomar decisões de investimento, que não são fáceis, e apostar em tecnologias, novas estruturas de financiamento que implicavam custos mais elevados e gerir riscos que os países ainda não tinham qualquer ou pouca experiência. Face aos nossos bons resultados e à experiência adquirida ao longo de dez anos, o que posso dizer é que é possível obter resultados importantes, a uma escala considerável, apoiando mecanismos sólidos que trabalham através de fortes parcerias e com o apoio financeiro e técnico adequado. Face a isto, os países desenvolvidos podem ter confiança que com uma maior ambição e mobilização é possível fazer progressos a curto prazo rumo aos objetivos do Acordo de Paris. Mas essa maior ambição e mobilização é necessária. O que se vê neste momento não é suficiente.

Tem sentido evolução na consciencialização dos líderes mundiais?
Sim, claro que sim. Esta consciencialização está refletida no Acordo de Paris, nos Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável, no nível de investimentos que se vê, por exemplo, em energias renováveis, assim como nas políticas que sustentam e tornam esses investimentos possíveis. Além disso, é visível a mobilização de líderes do setor privado, de organizações da sociedade civil, de alguns líderes religiosos. Mas é preciso sustentar esta consciencialização, expandi-la e fazer com que se transforme em ações muito concretas por parte de todos estes líderes e de todos os cidadãos.

Considera que a temática tem sido valorizada o suficiente na formação dos cidadãos?
Não creio. A sua importância justifica uma mobilização ao nível do ensino, dos media, da sua contínua valorização no discurso político, nos conselhos de administração das empresas, nas conversas de café e em família.

Durante alguns anos apontou-se o investimento para o combate ao aquecimento global. É esse o foco do Climate Fund Investment nos próximos anos?
O nosso mandato sempre foi investir em áreas com pouca ou nenhuma penetração nos mercados dos países em vias de desenvolvimento. Fomos os primeiros a investir em energia solar, geotérmica, eólica, eficiência energética, entre outras tecnologias, juntamente com os nossos parceiros, na maior parte dos 72 países nos quais trabalhamos. É portanto normal que passados dez anos tenham emergido outras tecnologias que devam ser apoiadas com a mesma perspetiva de criar mercados, diminuir risco para os investidores. Aí, as tecnologias de armazenamento da energia (como as baterias) são um exemplo. Mas vamos continuar a apoiar investimentos em energias renováveis, onde se justifique, em differentes aplicações de promoção de eficiência energética - o setor industrial é muito importante neste contexto - e, também, numa área que merece uma atenção muito especial, que é o investimento em formas sustentáveis de transporte urbano e de mercadorias.

Onde se vê daqui a dez anos?
A liderar uma nova iniciativa que seja relevante do ponto de vista da equidade social, do desenvolvimento sustentável e que necessite de um impulso, de criatividade e de perserverança.



  Perfil

  Uma música. "Ó Gente da Minha Terra", da Mariza.
  Um livro.  "As Mãos e os Frutos", de Eugénio de Andrade.
  Um filme. "A Vida é Bela", de Roberto Benigni.
  Um desporto. Natação para praticar e bom futebol para ver.
  Um prato. Todos os tipos de bacalhau.
  Um vício: Entrançar os meus caracóis.
  Uma coleção. Filmes da Pantera Cor de Rosa com o Peter Sellers.
  Uma personalidade. Nelson Mandela.
  Um momento. O primeiro beijo ao Paulo, no Bom Jesus de Braga.
  Uma viagem: Várias: Madeira, Gerês, Rio Douro, Trás-os-Montes, Costa Vicentina, Veneza, Ankgor Wat, Astúrias, Ilha
  de Moçambique e de Ibo, Mpumalanga, Malta, deserto na Tunísia...
  Um lugar. Vale de Manteigas, na Serra da Estrela.
  Um lema: Nunca desistir.
  A UMinho: O lugar e o tempo da vida em que encontrei a vocação profissional que me impulsionou a fazer o que faço
  hoje e em que encontrei o amor da minha vida.