Estudar após os 50 anos

19-10-2018 | Catarina Dias | Nuno Gonçalves

Bernardo, Casimiro, Manuel, José e Conceição frente ao Instituto de Ciências Sociais, em Gualtar

Com 76 anos, Bernardo Amaro já fez duas licenciaturas e está prestes a defender a sua tese de mestrado... E tudo começou depois da reforma

Manuel Ferreira sempre quis ingressar no Ensino Superior, mas foi depois de lhe terem diagnosticado uma doença neurodegenerativa que decidiu avançar de vez

Na vida de Conceição Castro há tempo para tudo: estudar, trabalhar, aprender a tocar guitarra e fazer natação

Casimiro Pereira deixou de estudar aos 11 anos. “Os meus pais puseram-me logo a trabalhar porque, ainda que não ganhasse nada, pelo menos não andava na gandolice”, lembra. Está agora a concluir o mestrado em História

José Amaro conseguiu concluir a licenciatura enquanto geria duas clínicas de radiologia

Todos destacam a boa relação existente com os colegas mais novos e os professores

Na sala de atos do ICS

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Bernardo, Manuel, Conceição, Casimiro e José ingressaram em História depois dos 50 anos. Entre as razões estão: renovar horizontes, ir às raízes, seguir opções apagadas da vida e manterem-se ativos. Bernardo, por exemplo, já fez duas licenciaturas e, aos 76 anos, vai defender a sua tese de mestrado. Vamos conhecê-los.



Bernardo Belo Marques
2º ano do mestrado em História
76 anos. Braga
 
Bernardo Amaro nasceu em Braga em 1942. Mudou-se para Angola, ainda “garoto”, e por lá cumpriu o serviço militar e começou a trabalhar como sonoplasta na emissora oficial. Quando voltou a Portugal, “a metrópole”, foi integrado na equipa da rádio Antena 1, onde permaneceu até à reforma. “Não queria fazer parte daquelas pessoas que passam o dia a jogar à sueca e ao dominó. Acho que é uma realidade deprimente, um desperdício de tempo e uma espera para o resto da vida muito desenxabida. Queria algo diferente”, desabafa, sorrindo. Para contrariar essa tendência, mergulhou na pintura, “uma paixão antiga”, alcançando “um grau bastante aceitável” que o levou a expor em vários espaços da cidade, incluindo no Museu D. Diogo de Sousa e na Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva
 
Um pouco “instável” por natureza, quis abraçar outro desafio dois anos depois. A vontade de estudar já existia há muito, mas o empurrão dos filhos foi crucial no processo. Ao currículo de então, Bernardo Amaro soma duas licenciaturas, Arqueologia e História, estando a aguardar a defesa da sua tese de mestrado sobre emigração de portugueses para o Brasil durante a Inquisição. Em Arqueologia chegou a fazer escavações no Teatro Romano do Alto da Cividade, embora “fosse um trabalho muito pesado para a idade”, recorda o septuagenário. Prosseguir com História surgiu de forma natural e muito teve a ver com a profissão que exerceu durante décadas. “Um sonoplasta lida sobretudo com o imaginário, pois cria programas a partir de textos que ornamenta com sons e vozes para ajudar a contar a estória. Sonorizei diversos programas de História, o que me fez viajar pelo tempo. E a História não é mais do que uma máquina de viajar no tempo”, conta o aluno, que chegou a produzir conteúdos para rádios-piratas. Os planos para o futuro estão por definir, mas talvez passem por regressar à pintura ou inscrever-se num doutoramento no Instituto de Ciências Sociais (ICS). “A vida para pessoas como eu deveria acabar, aqui, na UMinho”, conclui.



Manuel Ferreira
2º ano do mestrado em História
65 anos. Braga
 
Manuel Ferreira decidiu ingressar no ensino superior depois de lhe ter sido diagnosticada uma doença neurodegenerativa. Na altura, geria um minimercado com mais de dois mil produtos. Trabalhava dez horas por dia, de segunda-feira a sábado. E continuou a fazê-lo até terminar a licenciatura em regime pós-laboral. "Não foi fácil. Já sentia dificuldades em tudo, mas ainda assim consegui assegurar as duas atividades. Estudar faz-me esquecer a doença", confessa o ex-comerciante, que regressou após um ano de repouso para fazer o mestrado.
 
A sua tese é sobre uma confraria de Braga, deslocada, na década de 1950, por motivos de urbanização. “O estudo já devia estar concluído, mas preciso de mais um ou dois meses. Vou entregá-lo apenas quando estiver satisfeito com o resultado final”, realça Manuel Ferreira, descontraído. A médio prazo, não descarta a hipótese de seguir para doutoramento, apesar das limitações decorrentes da patologia. “Não tenho feitio para passar uma tarde inteira sentado no banco de um jardim. Prefiro, por exemplo, ir tomar café ao ICS, onde me cruzo com antigos colegas e docentes”, afirma o sexagenário. É a pensar no bem-estar das pessoas dessa faixa etária que o futuro historiador deixa uma sugestão aos dirigentes das universidades portuguesas: "As instituições deveriam ter uma atenção especial para com os seniores, reduzindo o preço das propinas em 50%, pois é sabido que as reformas são pequenas". Fica a dica.
 


Conceição Castro
2º ano da licenciatura em História
+ 50 anos. Braga
 
Conceição Castro frequenta o 2º ano da licenciatura em História. Durante a semana divide o tempo entre o trabalho, o curso e outras atividades, como aulas de natação e de guitarra. É sobretudo ao fim-de-semana que aproveita para rever a matéria e estar um pouco com a família. “A oportunidade de retomar os estudos só surgiu agora que o meu filho está formado. Comecei a trabalhar muito nova, só tinha o 4º ano feito. O dinheiro não abundava”, revela. Chegou a completar o ensino secundário em horário pós-laboral e entrou no curso para maiores de 23 anos a achar que não iria ser capaz de o concluir e entrar na universidade. “Também foi uma prova para mim. Fiquei com uma das duas vagas disponíveis”, conta, orgulhosa.
 
A escolha do curso deve-se ao lado mais curioso de Conceição Castro, que sempre quis saber mais sobre a origem da humanidade, a forma como as sociedades viveram e foram evoluindo e os desafios das próximas gerações. “Lancei-me nesta aventura por motivos de realização pessoal”, esclarece a quinquagenária, que mantém uma relação próxima com os colegas mais novos. “Costumo ajudá-los nos preparativos do Enterro da Gata, mas não vou aos concertos!”, brinca.



Casimiro Pereira
2º ano do mestrado em História
66 anos. Braga
 
Originário de uma família humilde, Casimiro Pereira abandonou os estudos aos 11 anos, depois de ter concluído o 4º ano de escolaridade. “Os meus pais puseram-me logo a trabalhar porque, ainda que não ganhasse nada, pelo menos não andava na gandolice. Era o que eles achavam, principalmente a minha mãe”, lembra. Completou mais tarde o 6º ano e foi com essa “bagagem” que ingressou na UMinho no curso de preparação para maiores de 23 anos. Fã incondicional dos programas de José Hermano Saraiva, a escolha da licenciatura pareceu-lhe óbvia. A maior dificuldade foi conciliar o curso e o trabalho, algo que ficou resolvido quando começou a estudar a tempo parcial. “As coisas ganharam logo outro rumo de satisfação. Acabei com uma média razoável e o terceiro ano foi fabuloso! Foi esse entusiasmo em crescendo que me levou a prosseguir com o mestrado. Não costumo brincar em serviço. Sempre gostei de estar à altura dos desafios”, resume Casimiro Pereira.
 
Desta aventura vai recordar os amigos que fez para a vida e a humildade “tremenda” dos professores. “Voltar a estudar era uma ideia que me ia remoendo desde miúdo, mas talvez não tivesse avançado sem o incentivo dos meus filhos. E isso vai constar na dedicatória da minha dissertação”, lança o bracarense. Reformado há três anos, não abdica de uma boa leitura antes de adormecer e é membro do grupo musical Origem Tradicional, que está a comemorar 40 anos e conta com alguns elementos da Azeituna – Tuna de Ciências da UMinho, repescados pelo filho e eterno tuno Daniel Pereira Cristo. Após o mestrado, quer estar parte do tempo no Arquivo Distrital e na Bilblioteca Pública de Braga a estudar autonomamente e, quem sabe, escrever um livro.
 


José Amaro
2º ano do mestrado em História
64 anos. Braga
 
José Amaro passou de técnico de radiologia no Hospital de Braga a estudante de História na UMinho. Fez a licenciatura e está agora a ultimar a tese de mestrado sobre as confrarias bracarenses nos séculos XVI a XVIII. “Reformei-me muito cedo e um ano depois senti a necessidade de fazer algo que estimulasse mais a parte intelectual. Sacrifiquei um pouco a minha esposa, pois o tempo que poderia ter investido em nós foi passado a conviver com os livros. Mas ela compreende. Aliás, foi ela que me atirou para isto”, diz, agradecido. 
 
O mestrando olha para a História como uma ferramenta imprescindível à reflexão e à projeção do futuro, devendo ser “obrigatória”. “Era importante que todos nós, principalmente os políticos, atentássemos nos erros e nas virtudes dos nossos antepassados para não repetirmos os mesmos erros”, defende. Para o estudante sexagenário, a maior dificuldade sentida foi o manuseamento das novas tecnologias, algo que superou rapidamente com o apoio dos colegas mais novos. “Conhecer o mundo deles também foi restaurar o meu. Os jovens de hoje têm 1001 janelas abertas e um conhecimento das coisas que não tínhamos com a idade deles”, realça. Desta interação vai sentir saudades, mas não só. Apesar de continuar envolvido na gestão de duas clínicas de radiologia em Braga, José Amaro quer manter a ligação à UMinho, através da investigação.