“Eu nunca deixei a UMinho”

30-04-2019 | Fotos: IPP e arquivo

Esteve na génese das universidades de Luanda e Minho e dos Politécnicos de Faro e Porto. O lenço e o cachimbo marcam-no

Memórias da infância

A literatura, nomeadamente a poesia, é uma paixão desde a juventude

Durante a licenciatura em Engenharia Química no Porto

Um dos primeiros laboratórios onde investigou

Em contexto letivo, há mais de quatro décadas

Ao lado de Sérgio Machado dos Santos e de outros responsáveis, nos anos 70

Com João de Deus Pinheiro, que foi reitor da UMinho

Com o então Presidente da República Jorge Sampaio

Com o falecido ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Mariano Gago

Com Pedro Lynce, ministro da Ciência e Ensino Superior, e Narciso Miranda, que presidiu 29 anos o Município de Matosinhos

Com o traje doutoral da Universidade do Minho

No seu gabinete no Politécnico do Porto

A discursar no Dia do Politécnico de Portalegre, em 2011

Homenageado no Instituto Politécnico de Macau

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Luís Santos Soares, professor catedrático aposentado da Escola de Engenharia, é o convidado do ciclo de entrevistas com membros da comissão instaladora da UMinho, aquando dos 45 anos desta academia.




Luís de Jesus dos Santos Soares nasceu em 1942, em Vila Nova de Muía, Ponte da Barca, no distrito de Viana do Castelo. Licenciou-se em Engenharia Química pela Universidade do Porto (UP) e doutorou-se pela Universidade de Birmingham, no Reino Unido. Começou a carreira como assistente extraordinário na UP e, em 1965, transitou para a Universidade de Luanda, em Angola, onde dirigiu os departamentos de Química e Engenharia Química e integrou o Gabinete das Instalações Definitivas. Dez anos depois ingressou na UMinho, na qual pertenceu à comissão instaladora, presidiu o Conselho Pedagógico e o Conselho Académico, coordenou os cursos de Engenharia, realizou as provas de agregação em Termodinâmica e chegou a professor catedrático, inicialmente no Departamento de Ciências de Engenharia e posteriormente no de Engenharia Biológica, continuando aí a lecionar quase até se aposentar.
 
Foi membro da comissão instaladora do então Instituto Politécnico de Faro e, a partir de 1985, dedicou-se ao Instituto Politécnico do Porto, sendo o primeiro presidente (emérito), provedor do estudante e diretor-geral da Fundação IPP. Tornou-se também professor honorário do Instituto Politécnico de Macau, além de professor honoris causa e presidente do conselho geral do Instituto Politécnico de Portalegre. Ocupou igualmente os cargos de presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos, vice-presidente da Comissão Nacional de Acesso ao Ensino Superior, além de membro do Conselho Nacional de Educação, do Conselho Nacional de Avaliação do Ensino Superior, de vários grupos de trabalho do Ministério da Educação e coordenou propostas educativas para os governos de São Tomé e Príncipe, Angola e Cabo Verde. Publicou diversos livros e artigos científicos e foi ainda agraciado com a Medalha de Ouro do Município de Felgueiras.
 

A que se deveu a sua opção de seguir Engenharia Química?
Desde miúdo e até me candidatar estive hesitante entre Medicina ou Engenharia Química. No memento da candidatura ao ensino superior optei pela Engenharia Química sem nenhua razão que possa objetivar.
 
E a ideia de ter uma carreira académica?
Deveu-se ao percurso na UP. O curso tinha três anos preparatórios na Faculdade de Ciências e três na Faculdade de Engenharia. Concluídos os anos preparatórios (1962), fui convidado para “assistente extraordinário”, isto é, dava aulas sem receber (era “extraordinário” por isso!) [risos]. Sempre gostei de dar aulas. Atraiu-me o contacto e o trabalho com os alunos. No final do curso, fui convidado para a Universidade de Luanda, pelo então reitor Mendonça Monteiro, que tinha sido meu professor na Faculdade de Ciências.
 
O que o levou a aceitar a ida para Angola?
Tinha 23 anos e nenhuma relação com África, mas sempre me atraíram projetos novos e atividades com um grau de elevado de autonomia, sem uma hierarquia pesada. Quando dei aulas no Porto foi-nos dada liberdade para organizar coisas. O contacto era muito bom com os professores, como Fernando Serrão, pois tinham a perceção que as coisas deveriam mudar e encorajavam os novos. Quando cheguei a Luanda, a Universidade estava em formação, os cursos de Engenharia iniciavam apenas o 2º ano e durante um tempo só ministrava os anos preparatórios. Tomada a decisão de passar a ministrar integralmente os cursos, elaborei os planos (currículo, laboratórios, equipamentos...) para o funcionamento pleno do curso de Engenharia Química. Foi esse grau de liberdade e a capacidade de ensaiar e fazer coisas novas que me levou a ir para Luanda em 1965. Em 1969 sai para o doutoramento em Birmingham.
 
Quem o encorajou para o doutoramento em Inglaterra?
Foi uma decisão pessoal. A saída estava inicialmente prevista para 1968, mas o reitor pediu-me que permanecesse mais um ano, pois dirigia o Departamento e estávamos em período de transição com o início do funcionamento do 4º ano dos cursos. Terminei o doutoramento em 1972 e voltei para Angola. Em 1975 vim para o Minho.
 
As universidades de Luanda e de Lourenço Marques (Moçambique) surgiram na mesma altura e, no caso da segunda, houve algum protagonismo do reitor Veiga Simão.
Em Luanda não, houve uma sucessão de reitores, possivelmente tinham menos peso político em Lisboa. Luanda tinha três polos dispersos e com níveis de desenvolvimento diferentes: Luanda, Sá da Bandeira (hoje Lubango) e Nova Lisboa (hoje Huambo). Isso sucedeu por razões de território. Nova Lisboa tinha Agronomia, Veterinária… Sá da Bandeira tinha Letras, História… Já Luanda tinha núcleo de Ciências e Engenharia, o apoio do Laboratório de Engenharia Civil... Mais tarde surgiu a Faculdade de Economia, “montada” pelo falecido professor Lima de Carvalho, que era doutorado em Sociologia nos EUA e viria também para a UMinho. A Universidade de Luanda cresceu menos estruturada, mais solta, à medida das opções de cada reitor. Fiz parte do seu Gabinete de Instalações Definitivas; já havia projeto pronto quando se deu o 25 de Abril e até se construíram os alicerces do primeiro edifício definitivo, tendo as obras sido suspensas nessa altura.
 
A orgânica institucional seguiu o modelo da metrópole, com faculdades?
Sim. Na Faculdade de Engenharia eram ministrados os seis anos do curso.
 
Se a evolução política fosse outra, teria ficado em África?
Gostei da experiência. No entanto, em 1973, o professor Guedes de Carvalho convidou-me para a Faculdade de Engenharia da UP. Como me tinha comprometido com o reitor por causa do plano das instalações definitivas, ficou combinado que, se o Porto mantivesse o interesse dali a um ano, eu sairia. Entretanto, o professor Barbosa Romero esteve em Luanda, vindo da Universidade de Lourenço Marques, e convidou-me (a mim e ao professor Hernâni Maia, então diretor do Departamento de Química) para virmos para a UMinho.
 
Aceitou logo?
Não conhecia pessoalmente o professor Romero e expliquei-lhe que tinha pendente um convite da UP: “Vou pensar e tenho que falar com o professor Guedes de Carvalho”. Entretanto, deu-se o 25 de Abril e aí não tive hesitações.
 


A influência dos industriais e políticos de Guimarães

Mais uma vez, estava perante uma nova universidade.
Exatamente. Houve algum atraso na autorização das contratações, devido à convulsão política, o que manteve pendente a minha vinda e dos professores Hernâni Maia e Chainho Pereira. O professor Hernâni Maia veio por iniciativa própria no final do ano letivo. Optei por vir nas férias letivas e estive um mês a trabalhar na UMinho durante esse período. Voltei no natal de 1974, também para trabalhar. Como tinha aulas em Luanda, fiz um acordo com os colegas que tinham decidido ficar para alterar o funcionamento das disciplinas sob a minha responsabilidade do 2º semestre para o 1º semestre. Só vim em definitivo em fevereiro de 1975, com os exames corrigidos e as notas lançadas, para não prejudicar os estudantes em Angola.
 
Como foi a sua inserção na UMinho?
Foi simples. No princípio éramos muito poucos – Lúcio Craveiro da Siva, Barbosa Romero, Sérgio Machado dos Santos, Chainho Pereira, Hernâni Maia, eu… António Guimarães Rodrigues vinha de Inglaterra, João de Deus Pinheiro também, depois chegou Júlio Barreiros Martins. Na área da Educação já havia dois ou três docentes…
 
Conhecia o reitor Carlos Lloyd Braga?
Não. Só o conheci nas férias em 1974, através do professor Romero. Entretanto, começamos a trabalhar nos curricula dos primeiros cursos… Houve o princípio de dividir, para toda a universidade, o Conselho Científico e o Conselho Pedagógico. O professor Machado dos Santos ficou a coordenar o Científico e eu o Pedagógico (pouco antes, eu tinha coordenado o Conselho Pedagógico da Escola de Engenharia). Fiquei a gerir o processo de regulamentação de cursos, de planos de estudos e a coparticipar no recrutamento de pessoal… Na altura era preciso parecer positivo dos dois Conselhos para vários aspetos. Lembro-me que na área de Engenharia, orientada pelo professor Romero, houve contactos com o tecido industrial e, para se aprovar a criação e os planos de estudos dos primeiros bacharelatos, veio a uma reunião alargada no Largo do Paço o próprio secretário de Estado do Ensino Superior, António Brotas, que tinha algumas ideias estranhas, mas o engenheiro Eurico de Melo e os industriais presentes rebateram-no totalmente e ele acabou mesmo por aprovar os cursos! [risos]
 
E como foi a relação com a UP?
Penso que nunca houve por parte da UP uma grande resistência à criação da UMinho, com exceção do curso de Medicina. Nesse caso houve forte pressão que fosse criado o Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, sobretudo por parte de Óscar Lopes e do ministro Magalhães Godinho (tinha uma visão “clássica” do ensino superior e tentou reverter o processo das universidades novas), mantendo pendentes por largo tempo as contrações de docentes proposta pela UMinho. Um dos argumentos era o de que, não se conseguindo reformar a Faculdade de Medicina da UP, era preciso criar outra de espírito diferente.
 
A matriz identitária da UMinho era teoricamente diferenciada.
Sim. Acreditava e acredito no modelo matricial proposto pelo professor Romero. Eu e o professor Machado dos Santos colaborámos e debatemos intensamente o modelo com ele e na comissão instaladora. Hoje, acho que o modelo está bastante abastardado, pouco se diferenciando da estrutura clássica (a única universidade que tem um modelo aproximado penso ser a Universidade dos Açores, baseado num projeto de estatutos elaborado por Graça Carvalho). Os desvios progressivos acabam por desvirtuar o modelo. Admito que a estrutura de faculdades seja cómoda para muitas pessoas - sentem-se mais “aconchegadas”. Ainda assim, a UMinho mantém algumas diferenças, embora se tenha afastado do modelo inicial.
 
Que potencialidades reconhecia a esse modelo matricial?
A maior flexibilidade favorecia a maior interdisciplinaridade. As novas áreas do conhecimento e de formação poderiam ser mais facilmente implementadas do que na lógica de faculdades. Por exemplo, a construção dos edifícios iniciais: a ideia do complexo pedagógico foi inédita em Portugal. Quando saía da minha aula de Engenharia vinha, por exemplo, um professor de História dar a aula a seguir, o que favorecia um ambiente de partilha e conhecimento mútuo. Por outro lado, o modelo matricial favorecia outra gestão de recursos. Porém, reconheço que foi difícil lutar contra resistências e o conservadorismo dos modelos tradicionais. As pessoas gostam de pertencer a algo, os sociólogos sabem disso. Claramente, a pressão das bases foi progressivamente introduzindo alterações ao modelo, aproximando-o do tradicional. A estrutura atual tende a afastar pessoas de faculdades diferentes, o que não sucedia no início.
 
 
 
“O professor Lloyd Braga era uma máquina”
 
E o modelo de haver dois polos em vez de um? Ponderou-se a sede nas Caldas das Taipas.
Foi uma questão política entre Braga e Guimarães. Aparentemente, teria sido prometido um polo a Guimarães, daí a universidade se chamar “do Minho”. Guimarães tinha grande bairrismo, mais peso industrial e influência forte no poder político central, com Eurico de Melo, Freitas do Amaral... A mesma lógica se aplicou à Universidade de Trás-os-Montes (não é “de Vila Real”), mas que não foi seguida na Universidade de Aveiro (note-se que vários reitores tentaram anexar o Politécnico de Viseu, sendo o último Júlio Pedrosa, mas terá faltado peso político e uma oposição sustentada do subsistema politécnico). Ou seja, a designação das universidades não se deve tanto a uma perspetiva de justificação da rede, mas ao peso político das elites locais a nível nacional. No caso da UMinho, o compromisso foi então o de as Engenharias irem para Guimarães, inicialmente os seus anos terminais e depois a totalidade dos cursos, ficando em Braga apenas a Engenharia Informática e Engenharia Biológica, que foi o primeiro curso nacional em biotecnologia, em cujo lançamento participei, conjuntamente com os professores João de Deus Pinheiro, Manuela Pinheiro, Odete Maia, Luis de Melo e Manuel Mota. Portanto, apostámos em áreas emergentes que não estivessem cobertas. Reuníamos por vezes à noite sobre como iriamos fazer, inclusive a decidir o nome do curso. O contexto de liberdade, a disponibilidade para discutir e o facto de sermos jovens foi benéfico.
 
Haver dois polos foi prejudicial para a UMinho?
Acho que não. Numa primeira fase trouxe dificuldades na gestão global, ao nível da articulação e dos jogos internos de poder e influência, mas depois procurou-se, e atingiu-se, o equilíbrio. Não deixa de ser sintomático que vários reitores tenham sido docentes de Engenharia, apesar de ser a escola mais “afastada” [centrada em Guimarães]. Esse afastamento favoreceu a coesão das pessoas, mas tornou mais difícil de gerir situações de crise. O polo em Guimarães teve, porém, uma vantagem clara: não alienou o tecido industrial e contribuiu para ele se sentir próximo da universidade e interagir com ela. Desde o início que os cursos de Engenharia tinham estágio (achámos que era fundamental, mesmo no bacharelato) e as portas das empresas abriram-se com facilidade, particularmente no Têxtil e na Metalomecânica, ao contrário do que sucedeu inicialmente com os cursos de Formação de Professores, em que houve uma forte resistência das escolas e dos professores ao novo modelo de formação, claramente diferenciado do modelo das universidades clássicas. Conduzi esse processo como presidente do Conselho Pedagógico e da comissão coordenadora dos estágios dos cursos de Formação de Professores.
 
Porquê?
Na lógica do modelo da universidade, todos os cursos tinham estágio, incluindo os de formação de professores. O modelo de estágio previa a existência de docentes orientadores das escolas e, de início, foi difícil recrutá-los (devido a uma atitude corporativa), pois receavam que os nossos alunos passassem à frente de licenciados de outras escolas ainda sem estágio (em História houve um boicote claro nos dois primeiros anos). Foi uma tarefa difícil, mas penso que a levei a bom termo, articulando orientadores de estágio das escolas com os da universidade, superando-se o confronto de competências que emergiu no início. A elaboração e a aprovação do diploma legal que criava e regulamentava o funcionamento desses estágios foi igualmente uma tarefa difícil, sendo particularmente relevante a colaboração com o dr. Afonso Costa, da Direção-Geral de Ensino Superior, com o qual foram mantidas múltiplas discussões até se concluir a versão final. Nesse processo, a relação com a tutela foi boa, permitindo resolver mesmo casos pontuais, como destacar professores orientadores de escolas de outras localidades nos casos em que ocorreram boicotes.
 
Das matérias discutidas na comissão instaladora da UMinho, o que destacaria?
Aqueles anos iniciais foram delicados, sobretudo em questões financeiras e orçamentais e na discussão da estratégia de crescimento e edificação da instituição. Os pontos-chave foram o modelo de organização e desenvolvimento num contexto em que a situação política variava muito. Em seis meses mudava o ministro e a orientação era diferente. [pausa] Lembro-me de um caso curioso. O professor Lloyd Braga estava habituado a ir ao Ministério para viabilizar o despacho de processos pendentes de cursos e docentes, “fazendo de contínuo”, "movimentando-os" de uma para outra secretária do longo processo burocrático. A dada altura cansou-se e incumbiu-me da tarefa. Havia vários processos parados há mais de um mês no gabinete de António Brotas. Quando lá cheguei, vi que tinha todos os processos no chão, com molas de cor (conforme a prioridade!). Não imagina: andámos de gatas à procura dos processos, para ele os poder despachar!
 
Na montagem da estrutura de governo da UMinho, muitos professores vinham de Moçambique. Sentiu que isso pesou nas relações?
Não. O relacionamento entre o grupo inicial de docentes foi ótimo. Todo o grupo se encontrava focado no objetivo comum. É natural que os docentes provenientes de Lourenço Marques, em maior número, tenham assumido alguma preponderância, até porque em muitas das Escolas intervieram no recrutamento do novo pessoal. Como a UMinho foi, desde início, bem creditada em termos do seu impacto externo, essa credibilidade tornou-se extensiva a quem nela tinha responsabilidades. Foi natural que isso acontecesse.
 
O que é que o levou a sair da UMinho?
Eu não saí. Continuei a lecionar até muito tarde. Reformei-me em 2006, mas até 2003 ia todos os sábados dar aulas ao curso de Engenharia Biológica. Eu nunca deixei a UMinho. Sucede que, quando o professor Lloyd Braga saiu para Lisboa e, depois, da Universidade Nova de Lisboa para o Politécnico de Faro, convidou-me para integrar a comissão instaladora deste. Aceitei, pela razão de sempre: partia-se novamente do zero e eu gostava de participar na criação de algo novo, de iniciar novos projetos e de vê-los crescer. Quando se entra em funcionamento normal, o desafio, para mim, é menor. Estive um ano e meio em Faro. O professor Lloyd Braga era uma máquina. Já na UMinho o era. Tinha ideias, capacidade de pressionar em termos políticos, não se acomodava, nem desistia! Esse perfil agradava-me. Faz surgir coisas e conseguir realizações. Mas isso trouxe-lhe problemas na Nova de Lisboa. A sua dinâmica às vezes saltava etapas e criava antagonismos com quem estava acomodado.
 
 

“As novas universidades forçaram as outras a serem dinâmicas”
 
Depois veio lançar o Politécnico do Porto.
É verdade. Quando cheguei, só estava criada a Escola Superior de Música (sem local próprio) e a ser construída a Escola Superior de Educação. Ainda não havia alunos. Fizemos a integração do Instituto Superior de Engenharia [ISEP], do Instituto Superior de Contabilidade e Administração [ISCA], criámos um polo em Vila do Conde, outro depois em Felgueiras, integramos a Escola Superior de Tecnologias da Saúde [hoje Escola Superior de Saúde, ESS]… O programa foi desenvolvido nos vinte e poucos anos que ali estive. Presidi à comissão instaladora, fui presidente em regime estatutário após as eleições e saí quando atingi o limite de três mandatos na presidência. O ISEP passou de 2000 para 6000 alunos (tendo sido construídos novos edifícios de ensino e investigação), o ISCA de 1500 para 4500 e saiu dos vários edifícios na Praça da Batalha para um construído de raiz. Recuperou-se e ampliou-se a antiga Escola do Magistério do Porto para instalar a ESMAE - Escola Superior de Música e das Artes do Espetáculo, que “ganhou” o Teatro Helena Sá e Costa. A ESS, integrada no IPP na parte final do último mandato, ficou sediada num edifício transitório, num acordo posterior com o Município de Gaia. A minha ideia era diferente: instalar a escola num polo de saúde que integraria empresas e um hospital, num terreno cedido pelo Município da Maia, mas infelizmente o projeto dinamizado por esta autarquia não teve sequência. Em Felgueiras, a Escola Superior de Tecnologia e Gestão foi instalada num edifício cedido pela Câmara e restaurado; foi ainda comprado o terreno para as instalações definitivas, apesar de o processo de criação da escola se ter arrastado alguns anos por razões de natureza política.
 
Face à sua experiência em várias instituições de ensino superior, que avaliação faz de possíveis cenários para Portugal?
Sou defensor de dois subsistemas: politécnico e universitário. Acho que nunca se definiu claramente o que cada um deveria fazer! Procurou-se a distinção pela via administrativa, introduzindo limitações ao ensino politécnico. Inicialmente o politécnico só podia ministrar bacharelatos, depois também licenciaturas (bietápicas), posteriormente mestrados. Não se clarificaram as missões, modelos de formação, modelos de investigação… A opção pelas limitações administrativas conferiu-lhe uma imagem negativa (aquilo que não podem fazer!), um estatuto de segunda opção para os estudantes. Em termos de financiamento, o orçamento público médio por aluno beneficia claramente as universidades, cuja acessibilidade a outros fundos está muito mais facilitada. Como consequência, verificou-se que os politécnicos desenvolveram programas de formação que mimetizavam tendencialmente os das universidades, ao passo que as universidades adquiriram aspetos de profissionalização do politécnico. Se tivéssemos definido o perfil claro de formação de cada parte tínhamos resolvido o problema. Sempre defendi que o politécnico deveria atribuir todos os graus, desde que reunisse as condições pré-definidas, mas organizado de forma diferente – mestrados profissionais, doutoramentos nas empresas…
 
Um modelo diferenciado.
Sim. Há ainda o problema do défice demográfico de jovens, que vai ser muito grave para o país. Estamos também a transformar-nos num “país faixa” [litoral], desertificando progressivamente o interior. Se pensarmos a rede de ensino superior na perspetiva economicista, depois de tribunais, saúde, correios, ao tirarmos as escolas politécnicas as cidades morrem. Por exemplo, o Politécnico de Portalegre tem um impacto direto de 4% e indireto de 11%, numa cidade que está a envelhecer de maneira brutal. Se fechar, em seis meses os jovens e a maioria das lojas saem. Que país queremos? Politicamente, tomam-se medidas avulsas, há um adiamento do problema em si e no ensino superior há um egoísmo institucional: em situações de crise, as pessoas querem é salvar pele! Elimine-se o que não beneficia ou prejudique, sem que as consequências interessem. Repetem-se sistematicamente os erros! Aos decisores políticos falta a memória. Nos ministérios faltam as pessoas que sabiam bem que algumas experiências falharam (e porquê) e avisavam os novos ministros para não repetirem erros.
 
Que balanço faz do papel das universidades novas?
Positivo, sem dúvida, pelo impacto próprio na sua área de influência e, a nível do país, por forçarem outras universidades a reorganizarem-se, a adquirirem outras dinâmicas, forçando-as a mudar práticas e a abrir-se no interior. Esse efeito catalisador foi muito interessante.
 
 
 
Entrevista realizada por Fátima Moura Ferreira e transcrita por Márcia Oliveira, no âmbito do livro dos 40 anos da UMinho, sendo aqui abreviada por Nuno Passos