Procura pela matemática no ensino superior deve crescer nos próximos anos

29-11-2019 | Nuno Passos | Fotos: Nuno Gonçalves

Duas investigadoras experimentam um triciclo de rodas quadradas numa superfície irregular

A professora Fernanda Estrada, da UMinho, no Colóquio "500 anos do 1º Livro de Matemática Impresso em Portugal", a 15 de novembro de 2019, em Braga

O CMAT Junior Group a construir uma esponja de Menger, com papel desperdiçado da produção das capas de teses doutorais, em março de 2019, em Braga

Participantes no Dia Aberto do CMAT, realizado na Universidade de Trás-os-Montes, em Vila Real

Lisa Santos é investigadora e diretora do Centro de Matemática, além de professora associada com agregação do Departamento de Matemática e Aplicações da Escola de Ciências da UMinho

O CMAT está sediado na Escola de Ciências da UMinho, em Braga

O Polo do CMAT-UTAD, em Vila Real

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Entrevista com Lisa Santos, diretora do Centro de Matemática, no âmbito do ciclo de conversas com responsáveis de centros de investigação da UMinho.




Criado em 1991, o Centro de Matemática (CMAT) é hoje uma unidade de investigação inserida na Escola de Ciências da UMinho (ECUM), com um polo na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), cuja missão é desenvolver e promover investigação em diversas áreas da matemática fundamental e aplicada. Como unidade de I&D, procura responder a novos desafios científicos com impacto na sociedade e promover o desenvolvimento social e regional. Neste contexto, a investigação inclui aplicações em Ciências do Ambiente, Ciências da Computação, Ciências da Saúde, Engenharia e Física. A sua equipa é composta por mais de 60 investigadores doutorados, 50 dos quais são membros integrados, além de alunos de doutoramento e investigadores colaboradores de outras instituições. Esta "forte equipa" desenvolve a sua atividade científica a par do envolvimento em estudos de graduação e pós-graduação, organizando-se em quatro grupos de investigação: Álgebra, Lógica e Computação; Análise e Aplicações; Estatística, Probabilidade Aplicada e Investigação Operacional; e Geometria, Topologia e Aplicações. O NÓS veio conhecer melhor esta valência, numa conversa com a sua diretora, Lisa Santos, também professora associada com agregação do Departamento de Matemática e Aplicações da ECUM.
 
 
O CMAT surgiu com que motivações? Como se articula com a UTAD?
Surgiu como centro de investigação reconhecido pela então Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica (JNICT). Anteriormente, existia como unidade de investigação na estrutura da UMinho. No processo de avaliação anterior ao processo em curso, o Centro de Matemática da UTAD extinguiu-se, tendo sido criado o Polo CMAT-UTAD, o que aumentou a massa crítica do centro e o colocou na posição de único centro de Matemática a Norte do Porto.
 
Como descreveria o espaço e as infraestruturas do CMAT, para quem não conhece? Tem os recursos que deseja?
O CMAT partilha os espaços com o Departamento de Matemática. As infraestruturas necessárias são, essencialmente, o acesso a revistas e bases de dados de reviews de artigos e acesso a software. Após a recente avaliação, em que obtivemos a classificação de Muito Bom, encontramo-nos numa boa posição para conseguir os recursos necessários.
 
Como é constituída a vossa equipa?
Atualmente, é constituída por cinquenta membros integrados, dos quais 12 estão no Polo CMAT-UTAD, e por treze alunos de doutoramento, dos quais seis são estrangeiros.
 
Que balanço faz do percurso deste centro até ao momento? 
Este centro realiza investigação fundamental e aplicada em Matemática, contando ainda com uma vertente de aplicações da Matemática a outras ciências. Obteve a classificação de Bom na primeira avaliação externa, quando dava os primeiros passos como centro externo à UMinho. Nas avaliações subsequentes, foi classificado com Muito Bom, exceto na anterior. Esse processo de avaliação, iniciado em 2013, levantou no país uma onda de contestação, tendo havido 131 pedidos de audiência prévia. O CMAT, àquela data com a melhor equipa de sempre, recebeu a classificação de 12 valores, que foi alterada para 13 valores após a audiência prévia e para 14 valores após reclamação, passando a poder usufruir de financiamento para se “reestruturar”. Um conjunto alargado de membros do CMAT não aceitou esta classificação, tendo sido interposta uma ação em tribunal contra a FCT - Fundação para a Ciência e a Tecnologia, a única via que restava para repor a verdade dos factos. Neste processo, o CMAT ficou sozinho e veio a descobrir, bem mais tarde, que a FCT se negava a transferir a verba relativa à sua “reestruturação” enquanto a ação decorresse em tribunal. Vivemos um período complicado, sem financiamento durante três anos, mas conseguimos manter a atividade científica a muito bom nível, como prova a classificação recentemente obtida. As missões realizadas nesse período foram suportadas com verba própria ou com financiamento de outras instituições através de convite de colaboradores.
 
Qual é o principal fator da sua afirmação?
Destaco, sem dúvida, a tenacidade com que vivemos o mau período que atravessámos. Refiro também que os diversos painéis de avaliação que nos visitaram realçaram sempre a harmonia e o bom ambiente que se sente, quer entre os membros do CMAT, quer no contacto com os alunos de doutoramento.
 
Que momentos destaca do CMAT?
Os eventos mais importantes em Matemática são as conferências internacionais, havendo todos os anos a participação de membros nossos na organização, quer em Braga e Guimarães, noutras cidades do país e do estrangeiro. Toda a informação sobre estas atividades está para consulta em www.cmat.uminho.pt. Há também ações de outra natureza, destinadas a captar o interesse do público em geral para este saber. A este nível, destaco as “Tardes de Matemática”, uma organização da Sociedade Portuguesa de Matemática, com o apoio do CMAT, que decorrem em quatro sábados de cada ano, na Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva (BLCS), em Braga. Organizamos também colóquios bimensais, destinados ao público universitário. A divulgação da Matemática é uma tarefa que levamos muito a sério. São frequentes as deslocações de membros do CMAT a escolas da região e as visitas das escolas básicas e secundárias ao CMAT. Numa sala do departamento de Matemática, está montada uma exposição interativa, que pensamos ir ampliando, acrescentando-lhe neste ano letivo um módulo de origamis, já em preparação pelo CMAT Junior Group, um grupo de estudantes de licenciaturas e mestrados. Pretende-se que este módulo culmine na última semana do 2º período letivo, com a vinda de escolas ao nosso Centro. No ano passado, o CMAT Junior Group, auxiliado por membros do CMAT, construiu uma Esponja de Menger de nível três, um mega origami, montado utilizando exclusivamente 48.000 cartões do tamanho dos cartões de visita cedidos pela Copissáurio, como aproveitamento de restos de capas de teses de doutoramento. Esta construção decorreu durante a semana dedicada ao número Pi, no átrio do Complexo Pedagógico II do campus de Gualtar, em Braga, tendo passado por lá turmas de escolas básicas e secundárias.
 
Como avalia a recetividade dos públicos ao vosso trabalho?
É do conhecimento geral que a Matemática é a disciplina mais temida no ensino pré-universitário e é, por isso, tão importante o contacto com escolas da região. Em diversos países da UE há uma oferta alargada de empregos para matemáticos, por lhes ser reconhecida grande capacidade para resolverem problemas de natureza variada, devido ao seu raciocínio bem estruturado. O mercado de trabalho na indústria e serviços para pessoas com formação matemática está a dar ainda os primeiros passos em Portugal, mas prevejo que a procura de licenciaturas e mestrados em Matemática poderá beneficiar de um grande crescimento nos próximos anos, devido à abertura do mercado para pessoas com formação nesta área.
 
Quais são os principais projetos para os próximos tempos?
O CMAT já tem colaborações com empresas e serviços, a nível de estágios ou de teses de mestrado, mas um objetivo importante consiste em explorar a possibilidade, que inicia agora, de oferecer prestações de serviços e, também, de conseguir colocar alunos de doutoramento a realizar teses em companhias.
 
Em que medida projetos como o CMAT contribuem para a missão da Universidade?
Não posso deixar de referir que o Centro de Matemática tem também uma forte componente de investigação fundamental e que uma universidade completa deve salvaguardar o direito à investigação fundamental. Não se pode cercear o pensamento humano e não se pode ter apenas uma visão economicista da investigação. A História da Ciência está repleta de exemplos de cientistas que desenvolveram investigação que foi, num futuro próximo ou longínquo, extremamente útil em aplicações. Estando a Matemática na base de todas as Ciências Exatas, sendo cada vez mais necessária nas Engenharias, na Economia e Gestão, na Psicologia, e sendo a Lógica um instrumento indispensável na Filosofia e no Direito, torna-se claro o contributo do CMAT para a missão da UMinho.
 
Quer deixar alguma mensagem final?
Deixo uma frase de Albert Einstein: “How can it be that mathematics, being after all a product of human thought independent of experience, is so admirably adapted to the objects of reality?”.