Estas férias vão ser diferentes

16-07-2020 | Nuno Passos | Fotos: UMinho e Pexels.com

António Azevedo é professor auxiliar do Departamento de Gestão da Escola de Economia e Gestão da UMinho e investigador do Laboratório de Paisagens, Património e Território (Lab2PT)

Beatriz Pereira é professora catedrática do Departamento de Teoria da Educação e Educação Artística e Física do Instituto de Educação da UMinho e investigadora do Centro de Investigação em Estudos da Criança (CIEC)

Beatriz Casais é professora auxiliar do Departamento de Gestão da Escola de Economia e Gestão da UMinho

Silvana Mota Ribeiro é professora auxiliar do Departamento de Ciências da Comunicação do Instituto de Ciências Sociais da UMinho e investigadora do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS)

Ivo Oliveira é professor auxiliar da Escola de Arquitetura da UMinho e investigador do Laboratório de Paisagens, Património e Território (Lab2PT)

Paulo Reis Mourão é professor associado com agregação do Departamento de Economia da Escola de Economia e Gestão da UMinho e investigador do Núcleo de Investigação em Políticas Económicas e Empresariais (NIPE)

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Está a contar os dias até às férias? Este ano, a adrenalina é outra. A pandemia trocou-nos os idílicos destinos longínquos e massificados pelo turismo rural e de natureza, pela road trip pelo país ou, bem, pela opção “segura” de ficar pela nossa terra. Seis professores da UMinho perspetivam tendências e novos estilos de vida.


António Azevedo, professor da Escola de Economia e Gestão (EEG) da UMinho e perito em turismo, confirma mudanças no roteiro dos portugueses face à pandemia. Desde logo, convém ter um bom hospital perto do destino e, no bolso, o cartão europeu de seguro de doença ou seguro de viagens. Com tanta incerteza, haverá mais reservas em cima da hora e a época de férias pode prolongar-se até outubro, estima o investigador do Laboratório de Paisagens, Património e Território (Lab2PT). “Uma viagem exige uma dezena de decisões interdependentes, desde destino, transporte, transfer, alojamento, atividades, gastronomia, regresso... Se um elo desses serviços e produtos quebrar, como ser infetado num transporte público ou ser obrigado a quarentena na vinda, pode comprometer-se toda a jornada”, explica. Precisamos de planear bem cada momento e sem baixar a guarda. “É como conduzir na estrada de forma defensiva”, anui. O controlo térmico no aeroporto e o selo clean & safe no hotel são exemplos que “dão uma maior sensação de segurança” ao turista e às instituições.
 
Certa é a redução no fluxo turístico de Portugal neste verão. Por vários motivos. Quem esteve em lay-off deve desconsiderar destinos dispendiosos. Muitos também acordaram com a sua empresa para tirar férias durante o confinamento, logo não param no verão. Além disso, Portugal tem estado fora da lista de “países seguros”, o que diminui deslocações in e out. Há igualmente maior perceção de risco entre pessoas seniores e com patologias respiratórias, que temem transtornos sanitários, económicos e na própria experiência turística. Para estes segmentos deve haver "tolerância zero" à exposição ao contágio, cumprindo todas as recomendações de prevenção, como uso de máscara e lavagem de mãos. Porém, abstermo-nos das férias pode também trazer impactos psicológicos: “É importante recarregar baterias e combater a saturação dos meses de isolamento”, defende António Azevedo.
 
O professor admite que o consumo turístico estival deve incidir em pacotes com menos riscos, como sol e mar em destinos de baixa densidade populacional, saúde e bem-estar, golfe e enoturismo. Minigrupos na natureza e caravanismo pelo “Portugal profundo”, como diria Alexandre Herculano, são boas opções a ter em conta, “equivalem ao risco do dia a dia”. Já os cruzeiros estão em baixa. “A indústria turística tem que satisfazer as novas necessidades, com medidas credíveis e sem maquilhar o serviço”, insiste o cientista. Valerá então a pena acumularmos as férias para o próximo natal e “aí é que vai ser”? “Sem vacina até ao inverno, a situação pode piorar, com as gripes sazonais”, devolve António Azevedo. E os jovens? “Os millennials e a geração Z querem viver o momento, a aventura, a emoção, mas convém pensarem no seu agregado familiar, sobretudo em quem tem a saúde débil”, atalha.



Exercício físico vs. sedentarismo
 
Quem está habituado a caminhar, correr e pedalar vai ter nesta fase “uma consciência vincada” para continuar a fazê-lo pelas ecovias, pelos montes e pelo país. Já os sedentários terão uma dificuldade acrescida em sair do seu estilo de vida durante e após o confinamento. Quem o diz é Beatriz Pereira, do Centro de Investigação em Estudos da Criança (CIEC), notando que “a situação vai polarizar-se”. A professora do Instituto de Educação da UMinho alerta em especial para as “implicações sérias” no desenvolvimento motor e social em crianças e idosos e, por outro lado, para situações de excesso de peso, que podem afetar a saúde, a imagem corporal, o bem-estar e a nível psicossocial.
 
"As pessoas cansadas vão aproveitar as férias para descansar, mas tendencialmente através do lazer passivo, quando deveria ser com atividades de 'lazer ativo'", justifica. “Os mais velhos que pararam um trimestre também precisarão dobrar o esforço para fazer exercício com qualidade e intensidade”, frisa. Nos mais novos, é fulcral retirá-los dos ecrãs e motivá-los para se exercitarem: “Não é fácil, porque a criança ainda não pode reapropriar-se dos parques infantis e dos recreios das escolas, salvo no pré-escolar, e pode ter dificuldade em recuperar,o tempo de estar, de forma livre, com os brinquedos e materiais lúdicos e com as outras crianças”.

Assim sendo, os mais pequenos precisam “de adultos empenhados que estimulem para o brincar, a mobilidade e as práticas saudáveis”, reforça. "As férias das crianças serão condicionadas pelo medo compreensível dos pais, que irão procurar espaços verdes ou junto ao mar, menos populares e mais tranquilos, que permitam alguma liberdade e novas experiências aos filhos", admite. Quanto aos praticantes de desporto, diminuíram os que caminham ou correm em grupo, por questões de higiene e segurança, logo “requer-se estratégias para não parar os treinos nem a motivação”.
 
 

Novos hábitos de consumo
 
Beatriz Casais, professora da EEG e especialista em marketing, evidencia que a pandemia veio mudar comportamentos do consumidor e acelerar a digitalização dos negócios. “O consumo não diminuiu, mas mudou – há produtos que deixam de integrar a nossa rotina e as empresas têm que ser rápidas e flexíveis a perceber oportunidades, como a roupa home office no têxtil ou o home delivery na logística”, resume. O exercício físico em casa também está a substituir receios e gastos da ida ao ginásio. Halteres, bicicletas e passadeiras de corrida esgotaram em diversas lojas. O mesmo sucedeu com a farinha, ou seja, há mais pão caseiro e largas à criatividade nas cozinhas. Já os suportes descartáveis e em plástico, como palhinhas e couverts, têm regressado, associando uma sensação de segurança face ao vírus. “Atingir o equilíbrio entre a saúde pública e a sociedade ecológica é um grande desafio”, diz a docente.
 
A economia nacional é bastante ancorada nos serviços, como turismo, hotelaria, restauração e cultura, que têm gastos avultados e foram afetados significativamente na pandemia. Para Beatriz Casais, a reativação do consumo deve apostar nos serviços, que o próprio consumidor tem necessidade de manter. “Não abdicamos das férias, do restaurante e da sala de espetáculo, mas podemos tê-los sob outra forma, como turismo rural, take away e Netflix”, enumera. Aliás, há cidadãos que nesta fase instalaram, finalmente, apps de compras “e agora não as largarão, porque perceberam a sua utilidade e porque estão mais por casa para receber encomendas”.
 
Por outro lado, as empresas estão cada vez mais presentes em todos os canais à disposição do consumidor, nomeadamente no online. Mas a loja física “é para manter”, comparável a uma peça teatral com histórias e atores, numa experiência touchpoint que faz o consumidor voltar. “São tendências, tal como comprarmos em mais quantidade e menos vezes nesta fase; veremos a resposta global à recessão económica deste semestre, mas, desde já, uma empresa não pode colocar ‘as fichas todas’ no próximo natal, porque isso não vai resolver o problema”, conclui.
 




Beleza, a quanto já não obrigas
 
Cabelo mais curto e com raízes brancas, lábios por pintar, gravata no armário, unhas sem gel, creme antirrugas e perfume por abrir, roupa básica, depilação por fazer… O confinamento reduziu a preocupação de muitas pessoas com a beleza. “Se não estamos no palco público para ser observados, mas em casa, a vontade de aplicar produtos ligados à aparência diminui”, afirma Silvana Mota Ribeiro, professora do Instituto de Ciências Sociais da UMinho.
 
O faça-você-mesmo emerge. “A pessoa quer agora um aspeto mais prático e compra coloração de cabelo ou verniz para não depender de ir a serviços de beleza, que até dispararam em número na última década”, vinca. Outra tendência está no loungewear, um misto de pijama com roupa casual: “É cómodo e dá para os contextos casa e videochamada”. Também in são produtos que vêm até nós pelo toque no smartphone. “Empresas como Glovo trazem, 24 horas por dia, coisas simples como tomilho fresco ou um prato mexicano, enquanto tomo banho ou vejo uma série; é a ideia de espaço, segurança, conforto – e veio para ficar, com ou sem pandemia”, anui.
 
A investigadora do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS) traz uma hipótese porventura mais relevante. “Os comportamentos sociais e interações concretas passo a passo podem mudar durante anos e talvez mais, depende da duração da pandemia e da necessidade de pensar cada momento face a face”, justifica. Um estudo do University College de Londres concluiu que quem contraiu o coronavírus pode ficar com lesões cerebrais para a vida. “Isto significa que poderemos vir a ser educados socialmente para não falar, beijar ou abraçar. Vive-se uma espécie de Hunger Games, estamos alerta e cada segundo importa”, alude a socióloga e comunicóloga. Aliás, a intensa luta global antiplástico tornou-se secundária; usar uma máscara descartável que polui o oceano “é aparentemente desculpável perante o pânico pela sobrevivência”.

 
Casa multiusos na cidade interconetada
 
O confinamento veio “partir as paredes” da casa, que se torna multiusos e ganha a arrumação prometida há muito. A cozinha liga-se à sala, terraços e varandas renovam o visual e a utilidade, uma área social serve de ginásio a reuniões, o mobiliário é mais leve e transportável, as hortas verticais e a domótica afirmam-se, o hall assume o álcool-gel, o tapete e o suporte de sapatos.
 
Ivo Oliveira, professor da Escola de Arquitetura da UMinho, estuda a evolução urbana. “A pandemia obrigou-nos a valorizar a casa e questionou-nos sobre muitos benefícios da cidade”, resume. Em concreto, o isolamento mostrou que uma casa comum não tem boas condições, fruto desta vida acelerada, pois circulamos imenso e as crianças passam muito tempo fora do domicílio. Mais: a pandemia levou ao esvaziar do espaço público, seja vias, praças e estacionamentos, “que nem são sequer zonas de evasão”. Ou seja, realça, a pandemia mostrou o excesso do modelo atual e abriu oportunidades para pensar em espaços menos pressionados e mais sustentáveis.
 
A fase atual leva a valorizar a proximidade à família, à mercearia do bairro, ao jardim, a zonas semipúblicas (com proteção sanitária) e a desenhar o espaço público a partir do peão, afiança. Circuitos pedonais e ciclovias estão a ter ações de implementação rápida em várias cidades europeias. A situação presente pode ainda levar-nos a viver em cidades médias, desde que estas garantam atratividade e segurança, e a reduzirmos a mobilidade física, na lógica da pós-carbonização e das urbes unidas pela rede virtual invisível. “Isto não vai mudar de repente”, pondera o investigador do Lab2PT, para rematar: “Os próximos avanços serão mais no espaço público do que em edifícios energéticos hi-tech, que exigem investimento e manutenção elevados, mas caminharemos para aí a prazo”.
 


A resposta do empreendedorismo social
 
O número de empreendedores e inovadores sociais pode ter subido desde março, nota o professor Paulo Reis Mourão, da EEG. Ao conhecimento público chegam movimentos de refeições sociais, explicações online para alunos do ensino básico, redes para doar máscaras e luvas, ações de vizinhança para buscar mercearia, apoio clínico à distância e portais para idosos sós. Os projetos revelam o “microestado providência espontâneo” à nossa volta, seja de forma anónima ou de instituições, visando o bem público. O fenómeno por vezes cresce enquanto primeira resposta ao desemprego, como criar uma app solidária em que, por cada acesso, se obtém alguns cêntimos da publicidade, diz Reis Mourão.
 
“A covid-19 obriga a perspetivar iniciativas solidárias e de cidadania, como o voto eletrónico e meios mais higienizados”, anui. Aliás, “em Economia já mal se ensinava modelos de ‘economia fechada’ neste mundo global, mas agora é o contrário”. O membro do Núcleo de Investigação em Políticas Económicas e Empresariais (NIPE) frisa que os agentes do setor social tiveram que se reinventar nesta altura, para ter sustentabilidade financeira, renovar o público-alvo e a direção e para alargar canais de interação. Em alguns contextos foi árduo. Associações desportivas e de bairro ficaram sem poder providenciar apoio aos estudos e isso refletiu-se no rendimento de alunos. Em instituições particulares de solidariedade social, com milhares de utentes de várias idades, muitos lares foram pontos de contágio viral, o que “exige repensar formas de atuação”.