Os doces de Delfina fazem muita gente feliz

18-12-2020 | Nuno Passos | Fotos: Nuno Gonçalves

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O Presidente da República gaba-lhe o seu cheesecake e pudim. Há quem venha de Lisboa por causa do seu leite creme. A pasteleira Delfina Pereira está há 35 anos na UMinho e fala-nos de doces natalícios




Como chegou à UMinho?
Tenho 54 anos e sou bracarense, vivo no Areal de Cima (São Victor), muito perto do campus de Gualtar. O meu sonho era ser cabeleireira, mas a dificuldade da vida levou-me às cozinhas e a fazer bolos. Vim trabalhar para a UMinho aos 18 anos, em 1986. Na altura, estava concentrada provisoriamente nuns pavilhões verdes junto ao Conservatório Calouste Gulbenkian e à Rodovia. Entrei aí para a cantina. Eram bons tempos, todos nos conhecíamos e havia grande companheirismo. Pouco depois, abriu a cantina junto às residências de Santa Tecla e fiquei lá 13 anos. Há uns 12 anos passei para o campus de Gualtar, quer na cozinha, no serviço de cantina, nos bares do Complexo Pedagógico [CP] durante quatro anos e, desde 2014, estou no Restaurante Panorâmico.
 
Esteve sempre ligada ao Departamento Alimentar dos Serviços de Ação Social (SASUM).
Sim. Sou das trabalhadoras mais antigas em Gualtar. Trabalhei na copa, fui ajudante na cozinha, fiz atendimento ao balcão… Fui muito feliz no CP I, convivíamos bastante com os alunos e os meus colegas eram como uma família. No restaurante estou mais sozinha no meu cantinho. A exceção é em certos picos que requerem ajuda, como sucedeu há pouco quando fiz rabanadas no forno para os cinco bares do campus, mais as sobremesas para o restaurante, deu bastante trabalho.
 
Como passou para pasteleira?
Foi há seis anos e tenho feito formações na área. A eng. Celeste Pereira, dos SASUM, soube que eu fazia bolos de anos para os colegas, quando trabalhava no bar do CP I. Desafiou-me a vir para o Panorâmico e colocou-me à prova durante vários dias nas sobremesas. No final, disse-me que eu não ia sair mais daqui. E pronto, comecei a ter gosto e a dedicar-me. Todos me elogiam e dizem que faço-os felizes e que faço coisas boas [sorriso]. Isso é bom para o ego, mas não para a carteira. A verdade é que já tenho mais de trinta anos de casa.
 
Todos os doces do Panorâmico têm as suas mãos?
Sim, todos os docinhos.
 
O que costuma fazer para o natal?
Para o Halloween fez-se bolos que tiveram muita procura inclusive no take away, mas para este natal o contexto da pandemia não deve ajudar. Num ano normal faz-se rabanadas com doces de ovos (é o que tem mais saída), sonhos, aletria, troncos de natal… Também faço o cheesecake de frutos vermelhos, o ambrósio (de massa folhada e com doces de ovos, polvilhado com canela e açúcar em pó), o bolo de noz em tronco ou então a pavlova, que é um suspiro com chantilly, recheado com doce de ovos ou amêndoa por cima – e com frutos vermelhos fica ótimo, é fresquinho e come-se em qualquer altura do ano.


Estudantes estrangeiros são fãs do cheesecake
 
Que figuras já provaram os seus doces?
Eu só vou ao buffet pousar as sobremesas, muitas vezes não sei quem está a comer. Os meus colegas é que vêm chamar-me, porque alguém quer agradecer. Marcelo Rebelo de Sousa gostou do pudim Abade de Priscos e do cheesecake no almoço de um aniversário da UMinho. Já o servimos no Panorâmico e no Museu Nogueira da Silva. O nosso reitor elogia o bolo de chocolate com recheio de frutos vermelhos, mas prefere o ambrósio encangalhado. O médico José Pinto da Costa adora o leite creme. Também recebemos ex-Presidentes da República, atores de novelas… E os estudantes gostam de tudo – os estrangeiros, por exemplo, são doidos pelo cheesecake, sobretudo os brasileiros.
 
Como tem sido a adaptação à pandemia?
Está a correr bem. Habituamo-nos ao ritual da máscara e da desinfeção, tem que ser. Isto está muito organizado e os SASUM são rigorosos. Quem cá vem fazer a sua refeição sai satisfeito e com toda a segurança. Ainda assim, há menos volume de alunos, professores e investigadores face à pandemia, nota-se que não há ajuntamentos de grupos de final de ano e conferências internacionais como nos anos anteriores, pois nesta altura do ano trabalha-se muito.
 
Gosta de comer bolos?
Sim, mas às vezes tenho que comer sem ter vontade, porque preciso de provar o que estou a fazer. Aprecio bolo de massa folhada, doce de ovos, rabanadas, tudo o que tem frutos secos… Bem, o que é de natal gosto de tudo, de comer assim quente, engordo sempre uns dois quilos! Enfim, depois faço muitas caminhadas… [sorriso]
 
Pode partilhar o segredo de uma receita connosco?
Todos os dias faço leite creme. Pedem-me e vem gente de propósito, até de Lisboa. O que faço é com gosto e carinho e as pessoas veem isso. Para o leite creme precisa de um litro de leite, 200 gramas de açúcar, 60 gramas de farinha Maizena, uma casca de limão fininha e dois paus de canela. Põe tudo a ferver e deixa engrossar. Depois, tira para a terrina e queima por cima com maçarico ou ferro quente, com açúcar mascavado... Ahh, sente-se logo o cheirinho! [sorriso]
 
Quais são os seus planos futuros?
É difícil fazer planos nesta fase. Vivo o presente. Tenho três filhos, um neto de 3 anos e sempre muito trabalho, às vezes faço bolos para fora.
 
 

Curiosidades
 
Um livro. Os livros de receitas, claro.
Um filme. Não tenho muito apego para sentar-me no sofá a ver um filme. Nem novelas. Bem, na quarentena adorei a série “A Casa de Papel”, vi as quatro temporadas.
Uma música. A antiguinha, como Pink Floyd. Gosto de ir ver um concerto de Xutos & Pontapés. Os meus filhos ouvem hip hop e fazem com que eu goste.
Um passatempo. Fazer bolos. Gosto de ir ao ginásio e já não vou há um tempo. Ou de fazer corridas e caminhadas ao Bom Jesus ou às Sete Fontes. Ou até de sair à noite à discoteca com o meu marido.
Um clube. SC Braga. Em casa somos todos do “Braguinha”.
Uma figura. Marcelo Rebelo de Sousa. Tenho até fotos com ele.
Um vício. Fumo desde os 15 anos.
Um sítio. Adoro praia, como o Algarve. Mas tenho três sítios muito especiais: Sameiro, Bom Jesus (sobretudo a capela do Senhor do Monte) e Fátima. Já fui quatro vezes a Fátima a pé por causa da minha filha de 32 anos, que aos 18 teve um grave acidente de carro e saiu do coma, por isso fui agradecer o milagre.
Um momento. Quando casei não tive lua de mel. Nos 25 anos de casada tive uma festa bonita: passei a noite no Hotel Meliã e marcou-me muito; foi simples e fez a diferença.
Um sonho. Quero que os meus filhos estejam bem e isso faz-me feliz. Sou humilde. Olhe, nunca pensei que ia andar de avião e fui às ilhas Canárias visitar uma irmã. [pausa] Bem, o meu sonho é ter férias uma vez por ano sem fazer nada, só “praia, comer e dormir”! [risos]
A UMinho. É uma segunda casa. Tenho orgulho em trabalhar aqui. Esta universidade cresceu muito e os alunos gostam de vir estudar para Braga e Guimarães. E na UMinho também se come muito bem, os que já estiveram noutras universidades comparam e dão-nos valor.