Papirofone: a alquimia do instrumento cientificamente legitimado na UMinho

28-01-2021 | Daniel Vieira da Silva

Mandala de papirofones, uma produção de alunos de Arlindo Ricarte em 2010

Arlindo Ricardo a entregar um exemplar à ministra da Cultura do Brasil, em Natal, agosto de 2011

O papirofone contempla uma membrana por cima dos tubos metálicos

Estudantes em atividade na oficina de construção de instrumentos

Alunos a colocar as teclas numa iniciativa de construção de papirofones, no Brasil

Este instrumento musical tem uma função educativa muito vincada

1 / 6

Arlindo Ricarte defendeu a tese doutoral em Engenharia Mecânica, concluindo vários anos de estudo em torno do instrumento musical que criou.




Chama-se papirofone, é um instrumento musical da família das marimbas e dos xilofones e foi criado pelo professor brasileiro Arlindo Ricarte Júnior, que completou em janeiro o seu programa doutoral em Engenharia Mecânica na Escola de Engenharia da UMinho (EEUM), onde foi investigador do Centro de Engenharia Mecânica e Sustentabilidade de Recursos (MEtRICs).

Depois de quatro anos na UMinho, regressou ao Brasil para assumir as disciplinas que lecionava no Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN) e dar continuidade à “aventura musical” iniciada com a criação de um instrumento que funcionasse como “veículo de educação musical para jovens alunos”. “Havia duas formas distintas de trabalhar a educação com o instrumento. Uma delas na vertente pedagógica, através das oficinas de construção e dos aspetos matemáticos e físicos do próprio instrumento, e outra na vertente da educação musical, associada a uma componente mais profissional”, explica Arlindo Ricarte, em entrevista concedida ao NÓS.



A vertente pedagógica do papirofone é uma das suas principais caraterísticas

 

“Foi a partir dos laboratórios da UMinho que se procurou perceber o que provocava a alteração de timbre, a ampliação do som e a definição da perceção da nota musical”


A ligação com a UMinho começou, ainda assim, mais cedo. Foi em 2013, num convénio com o Instituto de Educação, que Arlindo Ricarte iniciou o estudo à distância de algumas disciplinas e criou pontes para que se desenvolvesse uma proposta artístico-cultural em solo luso que envolvesse investigação com estudantes. No entanto, dada a sua formação em Engenharia Elétrica, foi na EEUM que o investigador teve condições para estudar e aprofundar o seu conhecimento em torno do instrumento, mais concretamente a acústica associada ao mesmo.

Tendo como orientadores da tese José Meireles, professor auxiliar do Departamento de Engenharia Mecânica da EEUM, e Octávio Inácio, diretor da InAcoustics, criou-se uma nova abordagem para o tema. A derivação para a área da mecânica acabou por conferir novas exigências ao estudo, que, em ambiente laboratorial, captou e observou a vibração dos tubos, da membrana e dos dois componentes acoplados no instrumento. Arlindo Ricarte não tem dúvidas em afirmar que a sua presença nos laboratórios “despertou outras possibilidades". O investigador acredita que o estudo “tenha aberto a porta a outros estudos na área”.


 
Papirofone entregue à ministra da Cultura do Brasil

 
“Constituído por tubos de alumínio cobertos por uma membrana, como se fosse um telhado”, o papirofone assume precisamente essa camada como elemento que o diferencia dos demais instrumentos da família dos idiofones de lâmina. A membrana confere-lhe uma “alteração significativa do timbre (torna-o menos “agressivo” e mais “aveludado”), uma amplificação do som produzido e uma melhoria da definição da perceção da nota musical associada”.

A existência do instrumento cativou, em agosto de 2011, a então ministra da Cultura brasileira, Ana de Hollanda que fez uma visita ao IFRN para conhecer os projetos culturais aí desenvolvidos. A governante recebeu das mãos de Arlindo Ricarte um exemplar do instrumento e viu o trabalho realizado nas oficinas onde os participantes aprendem a fabricar e tocar o papirofone. “Havia no Brasil uma aposta na cultura muito forte, com a expansão da estrutura de apoio e a criação de uma área de produção cultural e de extensão à comunidade. Foi nesse contexto que conseguimos dar expressão ao projeto do papirofone e esse momento deixou-me muito orgulhoso”, assume.
 


 
 


Comercialização e grande concerto no horizonte

Arlindo Ricarte quer agora “restruturar o caminho do instrumento", para que este sirva aos educadores e músicos de uma forma mais consolidada. Com baixo custo de produção associado, a ideia do seu criador é “colocar o papirofone ao serviço da sociedade”. “O objetivo é otimizá-lo fruto do que estudei na UMinho, trabalhá-lo em função das disciplinas que leciono atualmente e depois comercializá-lo”, sublinha.

O professor admite a existência de dois tipos de papirofones: “Uns mais pequenos com o objetivo de ajudar na componente educativa e outros maiores para utilizar em bandas de música, por exemplo”. Estes últimos abrem outras perspetivas, como “a produção de um espetáculo com vários papirofones usados ao mesmo tempo”. “Seria um orgulho enorme e algo que me emocionaria, sem dúvida”, diz o investigador brasileiro, revelando que esse projeto a médio prazo é ambicioso e envolve “a gravação simultânea de um álbum que junte o instrumento a vários estilos musicais”.


O desejo de voltar a Portugal

Arlindo Ricarte é taxativo quando se aborda um possível regresso a Portugal: “Adoraria voltar. O país fica no nosso coração. A minha filha mantém-se em Portugal e criámos amizades em várias cidades portuguesas. Vi o meu filho a crescer e a ser muito bem educado na escola em Guimarães, fui muito bem acolhido na UMinho e vivi inserido num ambiente saudável, numa excelente relação com os orientadores – com os quais continuo a comunicar – e gostaria de desenvolver mais projetos em comum”, afirma o investigador.