Laboratórios fazem parte do itinerário de Natal de cientistas e técnicos

23-12-2021 | Daniel Vieira da Silva

Cláudia Botelho na sua "segunda casa"

Filipe Malheiro não fica um único domingo sem se deslocar ao Biotério

Diana Graça investiga nos laboratório do IB-S e alia a paixão à natureza com o estudo da mesma

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Nem só de descanso, família, uma lareira e amizade se faz a época natalícia. Fomos conhecer três casos em que esta quadra já foi passada nos laboratórios da UMinho.





No dia 25 de dezembro há quem troque a mesa de Natal pelos laboratórios, uma tarde de “Sozinho em Casa” na televisão pela preparação de esqueletos ou um passeio com as roupas oferecidas na véspera por controlo e monitorização de investigações. São vários os casos na Universidade do Minho (UMinho) em que membros da sua comunidade, devido às suas funções, têm que se deslocar às instalações onde trabalham para preparar e acompanhar investigações, adiantar material para aulas a lecionar ou, simplesmente, garantir a devida alimentação de animais em laboratório. Nesta quadra fomos conhecer três exemplos e irrompemos pelos laboratórios da Escola de Engenharia (EEUM), Escola de Medicina (EMUM) e Escola de Ciências (ECUM).


Cláudia Botelho e os "turnos da noite" no CEB
 
Cláudia Botelho é investigadora no Centro de Engenharia Biológica (CEB) e docente do Departamento de Engenharia Biológica da EEUM. Há dez anos nesta academia, lembra-se de vários episódios em que abdicou de sábados, domingos e feriados em prol das células. O trabalho de laboratório que desenvolve, tratando-se da área biomédica, requer testes regulares às culturas celulares e avaliações constantes ao seu comportamento. Esse acompanhamento não escolhe dia nem hora. A monitorização, os ensaios e as testagens podem obrigar a idas regulares ao campus de Gualtar, em Braga.

A cientista dá o exemplo do período de confinamento deste ano, em que assumiu com um colega “o turno da noite” no CEB. “O meu marido saía de manhã e eu ficava com os dois filhos a trabalhar em casa. Quando ele chegava a casa ao fim do dia, eu saía para o laboratório, ficando até à meia noite, uma ou duas da madrugada”, refere. A investigadora recorda ainda alguns ensaios obrigatórios a cada seis horas: “Tinha que fazer por turnos. Um colega ia dormir a casa enquanto eu estava no laboratório e, quando eu terminava, ele regressava e ia eu descansar”, explica.

Sábados de manhã ou mesmo alguns domingos já são considerados dias de trabalho naquela que considera ser a sua “segunda casa”, mas da memória de Cláudia Botelho não sai o episódio, no âmbito do seu doutoramento que decorria no Instituto de Ciência e Tecnologia de Nara, no Japão, em que apresentou um relatório na noite de consoada de 2003. “Fiz uma chamada para acompanhar o que acontecia em Portugal com a minha família, uma vez que era tradição e tratava-se da véspera de Natal, e depois fui apresentar o relatório”, recorda a investigadora, que também já teve necessidade de, em Portugal, visitar o laboratório a 25 de dezembro por diversas ocasiões.

A investigadora revela, ainda assim, muito entusiasmo e determinação em dar continuidade ao que faz. “Costumo dizer que cientista não é um emprego, é uma forma de viver. Há momentos em que se reclama das condições, do que temos à nossa disposição, mas depois vem o lado afetivo que fala mais alto. Não há nada melhor do que ter a sensação de contribuir em algo para a sociedade e de ter o estímulo por fazer a diferença”, conclui.

 

Filipe Malheiro e a ida religiosa aos domingos de manhã ao campus
 
 Filipe Malheiro é assistente técnico da EMUM e aí tratador no Biotério. O seu trabalho complementa-se com tarefas que, dia após dia, desempenha na preservação e conservação do material cadavérico utilizado no Instituto de Investigação em Ciências da Vida e Saúde (ICVS) da Escola, ajudando a preparar o que é necessário para as aulas práticas do mestrado integrado em Medicina. Trata-se de um trabalho regular que desempenha há já 17 anos na Ala Académica da EMUM.
 
“Todos os domingos de manhã desloco-me à Escola de Medicina. Tenho a verificação de animais para fazer no Biotério”, explica ao NÓS, frisando que “a alimentação dos animais existentes tem obrigatoriamente de ser assegurada”. O técnico faz ainda parte da unidade de planeamento da própria EMUM, tendo a seu cargo um conjunto de tarefas, desde o apoio a eventos de cursos à unidade laboratorial, bem como a resposta diária e “fora de horas” a solicitações decorrentes de um edifício em funcionamento 24 horas por dia, nomeadamente a verificação de alarmes, instalações, questões de segurança, entre outros.

Depois há os períodos festivos. Páscoa, aniversários, Natal e feriados que calhem ao domingo têm o mesmo significado para Filipe Malheiro: “Tenho, invariavelmente, de me deslocar à Escola e ao Biotério”, garante o assistente técnico, que confessa programar as próprias férias para não ficar um único domingo sem ir ao campus de Gualtar. “Faz parte da minha rotina de domingo. É o meu trabalho e o que tenho que fazer. Sinto-me confortável com isso, mesmo sendo das poucas pessoas dentro da universidade nesses dias”, acrescenta. No final das contas, a pergunta é simples: “Sente-se motivado?”. A resposta não deixa dúvidas: “Claro!”.
 


Diana Graça e as folhas do outono no campus

Diana Graça é aluna de doutoramento em Biologia Molecular e Ambiental, dividindo-se há três anos entre o Centro de Biologia Molecular e Ambiental (CBMA) e o Instituto de Ciência e Inovação para a Bio-Sustentabilidade (IB-S) da UMinho. Pesquisa sobre a ecologia de água doce, em especial a decomposição por fungos aquáticos em sistemas ribeirinhos. O seu principal foco de investigação prende-se em tentar perceber se a perda de diversidade pode afetar o funcionamento de ecossistemas quando estes são sujeitos a alterações globais, como o aumento da temperatura de água em rio, o aumento de nutrientes e a passagem por períodos de seca. A doutoranda conviveu “desde pequena” com a natureza, daí que os genes familiares passados pelos seus pais ajudem a explicar o entusiasmo que nutre pela área. Neste momento, a sua investigação exige uma monitorização constante que a leva até regularmente a Gualtar.
 
“Se queremos estudar como as alterações afetam os fungos e as suas funções, temos que manter as culturas de fungos e colocá-las sujeitas a diferentes temperaturas e nutrientes e, em laboratório, por exemplo, simular até períodos de seca”, explica. No período de outono – aquele em que mais sentido faz fazer este trabalho, quando as folhas caem para o rio –, os fins de semana, feriados e folgas "passam a dias de semana normais no laboratório" e, consequentemente, no campus.
 
“A experiência tem que ser feita nesta altura, onde há mais decomposição e queda de matéria orgânica nos rios e, devido ao frio, esta seria a última semana possível para fazer esse trabalho, que é o de levar folhas para campo onde são colonizadas com fungos do rio e depois levá-las para laboratório para testes”, acrescenta. “Neste momento foram colocados discos de folhas a serem colonizados dentro de água e esse trabalho decorreu, por exemplo, num feriado de dezembro. A recolha vai acontecer no fim-de-semana e a manutenção a partir daí será semanal, renovando a água onde elas estão, independentemente do dia da semana que calhar”, exemplifica Diana Graça.
 
“Fazemos este trabalho na mesma, independentemente da época. Isso implica vir sempre ao laboratório, mesmo no Natal ou passagem de ano… mas é preferível este esforço”, garante, admitindo que o trabalho deixa-a entusiasmada: “Se eu não gostasse tanto, se calhar aborrecia-me em ter que cá vir. Mas não é o caso, de todo! [sorriso]”.