O descobridor de minerais

31-01-2022 | Nuno Passos

É formado em Geologia pela UMinho e investigador colaborador do Lab2PT - Laboratório de Paisagens, Património e Território

Zincostrunzite, da mina Sítio do Castelo, em Folgosinho, Guarda (foto: Pedro Alves)

Zincostrunzite, da mina Sítio do Castelo, em Folgosinho, Guarda (foto: Pedro Alves)

Jahnsite MnMnZn, da mina Herdade dos Pendões, em Odemira, Beja (foto: José Serrano)

Jahnsite MnMnZn, da mina Herdade dos Pendões, em Odemira, Beja (foto: José Serrano)

Madeiraite, da Terra Baptista, em Porto da Cruz, Madeira (imagem: RTP)

Madeiraite, da Terra Baptista, em Porto da Cruz, Madeira (foto: Pedro Alves)

Madeiraite, da Terra Baptista, em Porto da Cruz, Madeira (foto: Pedro Alves)

Uma foto da exposição no Lousal, aludindo à goethite, da mina Serra da Mina, em Cercal, Santiago do Cacém, Setúbal

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O geólogo Pedro Alves, da UMinho, fez três achados para o mundo: zincostrunzite (Gouveia, 2016), jahnsite mnmnzn (Odemira, 2018) e madeiraite (Machico, 2021). Admite que estes não têm interesse para a indústria, mas afirmam Portugal e podem incentivar o turismo e o ensino.


“É um momento importante para o país, que tem uma grande riqueza mineralógica, mas à qual se dá pouca atenção”, nota o investigador do Laboratório de Paisagens, Património e Território (Lab2PT). Pedro Alves diz ser o único português a ter feito o processo completo de encontrar, descrever e aprovar espécies minerais em Portugal para a Associação Internacional de Mineralogia (IMA), a qual gere o setor e nasceu em 1959. No mundo há 5780 minerais identificados. Em Portugal existem 613 desses minerais, tendo apenas 15 sido aqui descobertos, três deles por Pedro Alves. Ele é também o primeiro a mapear os minerais da ilha da Madeira – vai em 85, um deles inédito (madeiraite).
 
“Não sou especial, temos é uma aposta contida a nível nacional e é preciso trabalharmos mais e deixarmo-nos de glórias, ainda que vá tendo elogios de vários países”, frisa, acrescentando que o seu trajeto “tem sido por iniciativa própria, sem qualquer apoio”. Curiosamente, quase fez uma quarta descoberta. Um novo mineral que viu em 2019 em Aljustrel foi igualmente detetado por uma equipa nos Pirenéus franceses, que o validou pouco antes como dewitite. O tempo de registo conta. Aliás, ao validar a zincostrunzite, Pedro Alves soube que uma equipa em Hagendorf, Alemanha, a procurava há 17 anos e obteve enfim amostras com zinco suficiente.
 
Muitos minerais são raramente identificáveis a olho nu. “Quando são novos, desconhecemos de que se trata e a sua análise química pode gerar dúvidas, logo requer apoio de laboratórios reconhecidos”, alude, citando parcerias com peritos nos EUA, Rússia, Alemanha, República Checa, Austrália e Noruega. “A ideia é não repetir o passado, quando portugueses detetaram minerais como a nisaite [hoje, phurcalite], que não foi aprovada na IMA por nossa incapacidade técnica e foi uma perda para o país”, diz. Sobre os três minerais que trouxe à luz, Pedro Alves reconhece o seu interesse científico e a promoção das suas localidades de origem, mas não tem interesse económico para a indústria.


Paixão pelas “pedrinhas”
 
A paixão pelos minerais vem da infância. No quintal dos avós maternos em Sago, Monção, havia filões de quartzo e o seu brilho encantou Pedro Alves, que criou uma coleção de cristais, qual tesouro-pirata do miúdo de 3 anos. Emigrou depois com os pais para a Suíça e só despertou de novo para as “pedrinhas” em 2000. Após o serviço militar, visitou ao fim de semana minas antigas de Portugal e Espanha, amiúde sozinho. Era um hobby a sério, munido de martelo para abrir amostras, lupa para as observar, máquina fotográfica para as catalogar e caderno para as caraterizar por região. “Já não era colecionismo, mas um acervo com objetos de estudo”, frisa.
 
“A paixão estava latente, só não a consegui explorar mais cedo”, sorri. Em 2006, quis consolidar conhecimentos na UMinho. O processo foi árduo. O curso de Geologia não abria vagas há dois anos e teve que pedir ao reitor para a sua vaga na licenciatura em Biologia e Geologia transitar para a de Geologia, lembra. “Eu não era um aluno convencional, fiz cadeiras comuns aos dois cursos, como Química, Física ou Matemática, mas noutras não sabia o que esperar no exame – e isso só estabilizou no meu quarto ano a viver em Braga, quando Geologia reabriu; além disso, eu era trabalhador-estudante à noite e foi uma luta, foi sempre, mas a vontade falou mais alto”, anui.
 
Frequentou depois o mestrado e, como investigador iniciante, recorreu ao laboratório SEMAT da UMinho, em Guimarães, coordenado por Carlos Tavares, para avaliar amostras de minerais em alta resolução microscópica. O seu primeiro artigo científico foi no Congresso Nacional de Geologia’2010, na UMinho. Foi premiado com a melhor apresentação oral em mineralogia. Isso estimulou-o a escrever depois vários artigos internacionais sobre a mineralogia de Portugal e a dirigir em 2017-20 a “Acopios”, a primeira revista em português sobre mineralogia topográfica. Pelo caminho, foi em 2013-14 geólogo na Drillcon, em Braga, e em 2014-20 dirigiu o laboratório de mineralogia aplicada da EPDM, ligada à Almina - Minas do Alentejo, em Aljustrel. Aí, interagiu “com quase todas as minas ibéricas e com pedidos até da América do Sul”.

 



Zinco quê?
 
Que minerais são estes que colocaram Pedro Alves "no mapa"? A zincostrunzite é um fosfato de ferro de cor amarelo-torrada e foi encontrada na antiga mina de Sítio do Castelo, em Folgosinho, Gouveia, distrito da Guarda. O volume significativo de zinco ajudou também a individualizar a jahnsite mnmnzn, que tem ainda manganês e ferro. Este fosfato de cor de mel transparente foi avistado numa escombreira (depósito de substâncias extraídas) da antiga mina dos Pendões, em São Luís de Odemira, distrito de Beja. Os fosfatos podem ter aplicações em fertilizantes, por exemplo, mas não nestes dois casos.
 
Já a madeiraite (ler “madeiraíte”), da classe de silicatos wöhlerite, não deve o nome aos seus componentes, antes homenageia e “destaca o valor mineralógico” da ilha em que foi achada; em concreto, nos gabros (encosta) do Sítio da Terra Baptista, em Porto da Cruz, Machico. Tal como a referida jahnsite, tem menos de um milímetro. As três descobertas de Pedro Alves foram anunciadas no “European Journal of Mineralogy”. Para os curiosos, a fórmula química dos três minerais é, respetivamente, ZnFe3+2(PO4)2(OH)2 · 6.5H2O; Mn2+Mn2+Zn2Fe3+2(PO4)4(OH)2 · 8H2O; e Na2Ca2Fe2Zr2(Si2O7)2O2F2.
 
E como foi o processo de registo? Na madeiraite, por exemplo, Pedro Alves fez o estudo prévio em laboratórios de Portugal e Alemanha, enviou uma amostra ao Museu Victoria (Austrália) e outra ao Museu de História Natural de Oslo (Noruega) para caraterizar com o rigor exigido para ser aprovado pela IMA como nova espécie. A descrição inclui a composição química, estrutura, localidade-tipo, entre outras. O trabalho decorreu de outubro de 2020 a julho de 2021, em plena pandemia. Em situações anteriores, o português recorrera a peritos do Museu Nacional da República Checa ou do Museu de História Natural de Los Angeles, neste caso Anthony Kampf, recordista de submissões de novas espécies à IMA.
 

 
Aposta política
 
Pedro Alves desafiou a tutela e entidades na Beira Alta, no Alentejo e na Madeira para afirmar o espólio mineralógico nacional, podendo os seus achados naquelas regiões servir de âncora turística, cultural e pedagógica. “As coisas têm importância na medida em que lhes é atribuída e a sociedade pode ter mais interesse pelo tema se for sensibilizada”, declara. Alguns espaços potenciais neste âmbito são o Museu de História Natural do Funchal, o Geoparque Estrela e um possível museu mineralógico em Aljustrel, na faixa piritosa ibérica, uma das maiores regiões mineiras do mundo. “Poucas pessoas por ano virão a Odemira por causa da jahnsite, mas se houver um grande museu alusivo é diferente, até para a comunidade escolar, contribuindo para a valorização, proteção e promoção dos recursos naturais”, elucida.
 
“Se se fala pouco do património geológico – em que o professor José Brilha [da Escola de Ciências da UMinho] é uma referência mundial –, muito menos se fala da parte do património mineralógico”, devolve Pedro Alves. E continua: “Os minerais só raramente poderão ser preservados in situ, porque a natureza leva-os a um ciclo de formação e voltam a formar-se outros minerais a prazo, logo o que fazemos é inventariar, recolher, estudar, musealizar e divulgar”, contextualiza. “A mineralogia precisa de mais visibilidade, não só pelo seu lado industrial, mas em aspetos como a beleza das formas e das cores”, insiste. O perito considera que a falta de investimento não pode ser apenas apontada à academia, mas também aos museus. "Todos aqueles com quem tenho colaborado no estrangeiro estão ligados a museus... Por que razão os museus nacionais não fazem esse trabalho?", desafia.
 
A paixão pela mineralogia fê-lo estudar a fotografia e a fotomicrografia, o que é útil para as ilustrações dos seus artigos científicos. Aliás, o geólogo de 42 anos tem agora patente a exposição alusiva “As formas do ferro”, no Centro de Ciência Viva do Lousal, Grândola, outrora um complexo mineiro. “As pessoas ficam maravilhadas pelas texturas e cores dos minerais”, confessa. A mostra vai depois itinerar pelo país. O autor prevê outra exposição para junho, em Aljustrel. Tem explorado um ciclo temático: as formas do cobre (primeiro metal trabalhado pelos humanos), as formas do ferro (no Lousal) e, em breve, as formas do chumbo ou do zinco.