Do riso da ciência à ciência do riso

22-12-2023

Abílio Almeida

Os problemas do mundo vão persistir, é certo. Não rir torna-se inevitável, por vezes. Mas sempre? Sempre, não.


Nietzsche, em A Gaia Ciência, assegura-nos que foi sob riso que construímos a modernidade. Um riso simbólico, de quem olha para os tantos medos do passado e só consegue hoje encontrar o ridículo. É, sem dúvida, o riso da ciência, do saber moderno, sobre as trevas, a que ele se refere.

Rir do que outrora era temido revela-se, assim, um sinal de progresso e, em última instância, um indicador de modernidade. Mas, talvez nos perguntemos, e com total legitimidade: será sensato adotar uma postura de riso perante a vida, e ainda mais em tempos tão calamitosos como os que vivemos hoje? Este não é, de todo, um dilema recente. É, na verdade, o receio de sempre.

Entre outros, o Padre António Vieira (1608-1697) partilhou essa inquietação, num texto chamado As lágrimas de Heráclito. Ele questionava se é viável alimentar uma atitude de riso num mundo tão cheio de misérias. É uma boa questão, sem dúvida.
 
Entre outros, Fernando Pessoa (1888-1935), num texto intitulado Os americanos tratam tudo a brincar, diz-nos, porém, que sim, que é possível e que faz sentido adotar essa postura. Será que a dor do mundo, sendo grande, ficará menor se não rirmos? Parece também este um raciocínio válido.
 
O riso, não importa onde nem como, não era lá muito bem visto em tempos passados. Mas, queiramos ou não, foi sob riso que a ciência moderna provou que o riso não é senão riso – algo que nos faz bem, que nos deixa relaxados, que nos proporciona prazer e alimenta relações humanas. E não sinal de alguém possesso por demónios, reles ou demente, como se acreditou durante tanto tempo.
 
Os problemas do mundo vão persistir, é certo. Não rir torna-se inevitável, por vezes. Mas sempre? Sempre, não. Aristóteles percebeu, já há uns bons anos, que o ser humano é ser humano porque também se ri. Por isso, não rir é, em última instância, não ser um ser humano a 100%.
 
Além disso, importa lembrar que rir é também celebrar. Entre certamente outras coisas, que estamos vivos, que somos gente, que presenciamos a modernidade, que a ciência venceu as trevas...
 
Rir, ainda que a dor do mundo seja grande, é inevitável. É da nossa natureza. Não há como fugir. Isso foi o que fizemos no passado. E foi ridículo.


Investigador do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS) da Universidade do Minho