Conhece estas dez obras artísticas?

21-12-2022 | Carla Cruz

Carla Cruz é professora e vice-presidente da Escola de Arquitetura, Arte e Design da UMinho e investigadora do Lab2PT - Laboratório de Paisagens, Património e Território

"Pedra e Ar", de Lygia Clark

"Do Women Have To Be Naked To Get Into The Met. Museum?", das Guerrilla Girls

"Yard", de Allan Kaprow (foto: Julian Wasser/Getty)

"The People’s Choice (Arroz con Mango)", do Group Material

"Park Fiction", em Hamburgo, Alemanha

"Crossings", de Angela Metilopoulos

"The Oracle", de Diana Policarpo

"Asymmetrical Betu II", de Magdalene Odundo Dbe Obe

"Atirando Pedras", de Sara Ramo

"Auto-retrato do laço negro", de Aurélia de Sousa (foto: Miguel Nogueira/CM Porto)

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A diretora do curso de Artes Visuais, Carla Cruz, traz várias propostas do mundo da arte. Algumas delas podem ser experienciadas estes dias na região.




Após as dez sugestões natalícias de livros por Maria do Carmo Mendes Ribeiro, de músicas por Ângelo Martingo, de filmes 
por Martin Dale, de 
séries televisivas por Xaquín Núnez-Sabarís e de peças teatrais por Francesca Rayner, é a vez de Carla Cruz desafiar-nos com duas mãos cheias de obras de arte. "Relacionam-se com o meu próprio percurso enquanto artista visual e, por outro lado, há também sugestões que podem ser experienciadas ao vivo em Guimarães e no Porto", explica. 



01 | Escultura Pedra e Ar (1966) de Lygia Clark
Esta obra faz parte de uma série de objetos sensoriais criados pela artista brasileira Lygia Clark nos anos 60. Num momento da minha formação em que procurava uma relação diferente entre público, obra e artista, e em que também tentava subverter a lógica da arte ocidental assente maioritariamente na experiência visual, os objetos de Lygia Clark, que convidam ao toque e à interação, abriram novos caminhos na minha prática.
 

02 | Poster Do Women Have To Be Naked To Get Into The Met. Museum? (1989), do Guerrilla Girls
A produção dos anos 80 do coletivo feminista norte-americano Guerrilla Girls foi vital na minha formação. Nos anos 90, num contexto académico em que os exemplos de mulheres artistas escasseavam, obras de arte feitas sob influência da teoria feminista revelaram que o problema não era nosso, das mulheres, mas do sistema que nos invisibiliza. Este foi também o período em que fiz parte de um coletivo feminista de produção artística – a ZOiNA (1999-2004).

 
03 | Happening Yard (1961), de Allan Kaprow
Outro rumo influente na minha prática foi a desmaterialização da arte ocorrida nos anos 60 e, deste movimento, a obra do norte-americano Allan Kaprow foi particularmente importante para mim. Allan Kaprow é o fundador da ideia de Happening na arte, e de que a arte é essencialmente uma forma particular de atenção sobre o mundo; assim, tudo pode ser matéria e forma. Nesta obra, ele procura diluir a fronteira entre arte e vida, ao criar um ambiente imersivo para o público interagir composto de pneus de automóvel.


04 | Exposição The People’s Choice (Arroz con Mango) (1981), do Group Material
Entre 1999 e 2003 fiz parte de um espaço gerido por artistas sedeado no Porto, a Caldeira 213. A nossa exposição DesAutorizado 2001, ainda que ignorantes da existência deste coletivo norte-americano, o Group Material, segue na sua linhagem. The People’s Choice é uma exposição num espaço gerido por artistas, em que o coletivo de artistas, Group Material, pede à população local, seus vizinhos, que tragam para o espaço expositivo algo material que eles valorizem,e que, de alguma forma, neste espaço é enquadrado como tendo potencial artístico. Em 2001, foi exatamente o que fizemos na Caldeira 2013.

 
05 | Projeto público Park Fiction (1994)
Park Fiction é um projeto de arte pública, mas também de cidadania. No seguimento daquilo que foi iniciado nos EUA como “o novo género de arte pública”, que considera projetos artísticos no espaço público que vão para além da colocação de obras de arte no espaço, mas que tomam em atenção o contexto social e trazem para a criação da obra a participação das comunidades locais. Park Fiction mudou o destino de uma zona abandonada em St. Pauli, Hamburgo, destinada à especulação imobiliária, transformando essa zona, através de práticas artivistas, num parque para a população local.

 
06 | Instalação audio-visual Crossings (2017), de Angela Metilopoulos
Umas das obras que mais me impressionou recentemente é uma instalação audiovisual que esteve patente na documenta14, em Kassel, na Alemanha, e que trata duas questões fundamentais na contemporaneidade, a crise climática e a associada crise de refugiados, a partir de uma lente específica, o extrativismo. Este é visto historicamente, a partir de um estudo sobre a exploração mineira na Grécia antiga, e de quem eram os corpos que trabalhavam nas minas, escravos e migrantes - e contrasta este estudo com o olhar dos novos migrantes gregos, os refugiados, sobre esses espaços e história. Em suma, a artista greco-alemã Metilopoulos faz um arco histórico sobre a exploração capitalista da terra e de seres humanos vulneráveis.

 
07 | Vídeo The Oracle (2020), de Diana Policarpo
Diana Policarpo é uma jovem artista portuguesa cujo trabalho recomendo acompanhar. Este vídeo faz parte da exposição The Nets of Hyphae, que esteve patente na Galeria Municipal do Porto e teve como ponto de partida o fungo ergot, um parasita que infeta o centeio e que é possivelmente responsável pelas visões de Santo Antão e foi usado na época medieval para interromper a gravidez. Através deste trabalho, Policarpo traz à luz conhecimentos ancestrais femininos obliterados pelo progresso capitalista patriarcal. Podem vê-lo online.

 
08 | Cerâmica Asymmetrical Betu II (2010), de Magdalene Odundo
Recentemente, o meu trabalho artístico tem explorado a materialidade do barro. A obra e o discurso da britânica Magdalene Odundo sobre a cerâmica é uma fonte de inspiração. Para Odundo, a cerâmica é a metáfora para a vida na terra. Terra, água, ar e fogo são combinados para dar forma à cerâmica, assim como tudo o que existe à nossa volta. Trabalhando formas que por um lado são universalmente entendidas como vasilhames, Odundo trata a questão delicada da nossa existência neste planeta.

 
09 | Vídeo A Branca e o Padrinho da Diáspora (2022), de Sara Ramo
Aconselho a visita à exposição Atirando Pedras, de Sara Ramo, no CIAJG em Guimarães, e destaco o vídeo A Branca e o Padrinho da Diáspora, que conversa com a coleção de arte africana de José de Guimarães. É um diálogo entre uma espiritualidade à qual não temos acesso primário e espiritualidades atuais que procuram relacionar-se com objetos ancestrais. Uma reflexão importante para esta coleção, que nos faz pensar o que são estes objetos, qual a sua finalidade, a quem pertencem e porque estão aqui. A exposição está patente até 26 de fevereiro de 2023.

 
10 | Pintura Auto-retrato com Laço Negro (1895), de Aurélia de Souza
Finalmente, aconselho a visita à exposição Vida e Segredo - Aurélia de Souza 1866-1922, que está patente no Museu Soares dos Reis, no Porto, até maio de 2023. Historicamente, as mulheres artistas foram vistas como a exceção à regra. Aurélia de Souza não é exceção. Conhecida maioritariamente pelo seu autorretrato de casaco vermelho, temos agora a oportunidade de conhecer obras nunca vistas pelo público em geral e de refletir com Linda Nochlin sobre o porquê de não haver Grandes Mulheres Artistas, concluindo que os sistemas socioculturais que nutrem a produção artística e a elevam e disseminam não estavam abertos a corpos feminizados ou racializados.