UMinho, a "menina dos olhos" de Lloyd Braga

17-02-2024 | Nuno Passos

Com a sua esposa Maria Antónia, na casa em Lisboa, em 1993

Nas provas públicas do concurso para professor catedrático da ULM, realizadas no Instituto Superior Técnico em 1972

Foi nomeado reitor da UMinho a 6 de dezembro de 1973, no Diário do Governo, e exerceu o cargo até 21 de julho de 1980, salvo um período como ministro em 1978 (foto: Márcia Oliveira)

O convite para a cerimónia da tomada de posse da Comissão Instaladora da UMinho partiu do Governo Civil de Braga e incluiu um momento inicial na sé de Braga (foto: Henrique Barreto Nunes)

O ministro Veiga Simão a dar posse à Comissão Instaladora da UMinho, em 17-02-1974, no então salão medieval da Biblioteca Pública de Braga

Numa cerimónia de entrega de diplomas na UMinho, com o professor J. Romero e o diretor dos Serviços Académicos, Aguilar Monteiro

A receber na Casa Nogueira da Silva o ministro da Educação e Universidades, Vítor Oliveira Crespo, em abril de 1980

Como ministro da Educação, Cultura e Desporto, ladeado pelos secretários e subsecretário de Estado António de Almeida Costa, Rudolfo Bacelar Begonha, Teresa Santa Clara Gomes, Carlos Moura Pulido e Eduardo Arantes, em 1978

Como presidente da comissão instaladora da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, com outros vogais da Comissão, numa tomada de posse de funcionários

No discurso de tomada de posse como reitor da Universidade do Algarve, em junho de 1985

Michael Lumb a abrir o Simpósio Carlos Lloyd Braga, em 1998, na Reitoria da UMinho, ladeado por Sérgio Machado dos Santos, Veiga Simão, Marçal Grilo e Chainho Pereira

Primeira fila do Simpósio (da direita para a esquerda): Teresa, Carlota e Isabel Lloyd Braga, uma amiga de família e Maria Antónia Lloyd Braga; no canto, o quadro de Lloyd Braga, pintado por Maluda em 1990

A residência Lloyd Braga junto ao rio Este, fotografada por Nuno Gonçalves num raro dia de neve em Braga

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Nos 50 anos da UMinho entrevistamos Isabel Lloyd Braga, a filha mais velha do nosso primeiro reitor (1973-80), o qual criou várias academias e foi ministro, entre outros cargos.




É correto dizer que a UMinho começou a ser “construída” em Lourenço Marques (atual Maputo, Moçambique), onde Carlos Lloyd Braga foi professor?
O meu pai nasceu em 1928 em Lisboa. Licenciou-se em Engenharia Química pelo Instituto Superior Técnico e doutorou-se em Física pela Universidade de Manchester em dois anos, um feito nessa época. Eu e a minha irmã Teresa só fomos ter a Inglaterra com os meus pais no segundo ano do doutoramento do meu pai. Em janeiro de 1967 partimos para Moçambique, o meu pai foi em comissão de serviço dar aulas nos Estudos Gerais Universitários [depois, Universidade de Lourenço Marques, ULM]. Chegou aí a professor catedrático [e a vice-presidente da comissão executiva]. Esteve entre vários colegas e professores que viriam a ser importantes no ensino superior português. O reitor era Veiga Simão, futuro ministro da Educação, que agilizava a possibilidade da criação das “novas universidades”: Minho, Aveiro, Évora e Nova de Lisboa.
 
Esse seu despacho ministerial saiu em agosto de 1973 e Lloyd Braga foi nomeado reitor da UMinho em dezembro desse ano.
Não gostei de viver em Mocambique e, felizmente para mim, regressámos a Lisboa em janeiro de 1974. Lembro-me do meu pai ter vindo a Lisboa em novembro de 1973 reunir-se com Veiga Simão e foi nessa altura que tomei conhecimento das suas novas funções. Eu e as minhas irmãs Teresa e Carlota ficámos em Lisboa até ao final do ano letivo de 1974 e só então é que a minha mãe e irmãs foram para Braga. Eu fui para Inglaterra estudar, por isso nunca vivi em Braga, apenas lá fui com a minha mãe na Páscoa de 1974 para procurar casa. Curiosamente, nessa altura vim a saber que o meu bisavô paterno [Carlos Braga] tinha nascido em Vila Verde.

Da ULM para o Minho vieram ainda os professores Joaquim Barbosa Romero, João de Deus Pinheiro, Sérgio Machado dos Santos, Licínio Chainho Pereira, António Guimarães Rodrigues (seriam depois reitores), a par de nomes como Júlio Barreiros Martins, José Lopes Nunes, Carlos BernardoCarlos Coutodo bibliotecário Artur Norton, de vários técnicos…
Sim, conheço bem algumas das pessoas aqui mencionadas, mas outras apenas os nomes.
 
Tem alguma estória curiosa de Lourenço Marques?
Por altura do início das construções da nova faculdade de engenharia em Lourenço Marques, o meu pai foi pela primeira vez a Israel para visitar algumas instituições de ensino, nomeadamente o "Technion" em Haifa. Desta viagem trouxe várias ideias a nível de cursos e da técnica da rega gota a gota. Mas o engraçado foi quando a minha mãe e eu fomos ao aeroporto de Lourenço Marques esperá-lo vindo de Israel e não o víamos! De repente, vira-se para nós um homem alto, de óculos escuros, vestido com uma djellaba branca até aos pés e na cabeça a keffiyeh (lenço aos quadrados brancos e pretos idêntico ao que usava Yasser Arafat) e faz-nos um grande sorriso. Era o meu pai! A minha mãe e eu desatámo-nos a rir, ele tinha um enorme sentido de humor e era uma pessoa divertida.

Onde estava no 25 de abril de 1974?
Quem conta bem a estória é o professor Chainho Pereira, que saiu de Braga na véspera para reunir nessa manhã na casa do meu pai, em Lisboa. Já nem houve reunião, a revolução instalou-se. Fui com a minha mãe a uma mercearia ao fundo da rua, não se sabia o que ia acontecer e foi uma corrida aos produtos alimentares. Chainho Pereira almoçou connosco e foi dormir à casa de uns amigos. Entretanto, uma tia médica com laboratório em Sacavém tinha uma enfermeira cujo marido trabalhava na rádio e veio bater cedo à nossa porta a avisar que houve uma revolução, para não sairmos de casa...
 
Recorda-se nessa fase das lutas pela universidade ser em Guimarães?
Eu estava em Inglaterra a estudar e lembro-me de o meu pai me contar que a Reitoria tinha sido "inundada" de telexes por entidades que defendiam que a Universidade deveria ser em Guimarães, por lá ter sido o berço da nacionalidade portuguesa. Mas Braga era a capital do Minho e, para equilibrar e tentar agradar a um máximo de pessoas, fizeram-se dois polos, um em cada uma destas cidades e colocou-se o chapéu do Minho.
 
Quem o secretariava?
Se bem me lembro, nessa altura, ele tinha duas secretárias, cada uma com funções específicas. A ideia que tenho é que a Maria Ângela Monteiro era mais para temas internacionais por falar bem inglês e a Maria Emília Moreira fazia o despacho. Sempre que ele tinha de vir a Lisboa para tratar de assuntos da universidade no Ministério, toda a equipa trabalhava até muito tarde. Ao longo da vida, o meu pai muitas vezes escolheu pessoas para trabalharem com ele que nem sempre partilhavam totalmente da sua opinião, mas que ele entendia serem uma mais-valia para os projetos.

 

O ministro da Educação Nacional, José Veiga Simão, foi recebido em festa em Braga a 17 de fevereiro de 1974 e em Guimarães no dia seguinte


Viajar à noite para reunir cedo em Lisboa

E viajava à noite de Braga para Lisboa para reunir cedo com membros do Governo.
Para não apanhar trânsito, pois de dia demorava sete horas, sobretudo por causa dos camiões. O meu pai ia à sua casa em Lisboa, o motorista ficava numa pensão perto e saíam às 8 da manhã para a porta do ministério ou da secretaria de Estado para se assinar os documentos já preparados. Se a aprovação não fosse à primeira, o meu pai tinha lá perto uma secretária que lhe revia e datilografava os documentos no próprio dia. O professor Eduardo Marçal Grilo falou disso nos 40 anos da UMinho. As outras universidades novas faziam tudo por correio e telex. Está a ver o tempo que a UMinho ganhou aqui? Era como fazer já as coisas online, não é?
 
Fez a diferença.
O meu pai queria sempre que tudo fosse feito de forma legalmente correta. Dizia: "Estou a lidar com dinheiros do erário público e, por isso, do país, é uma grande responsabilidade". Para que os cursos pudessem começar mais cedo enquanto as construções definitivas não estivessem concluídas, ele foi à Suécia e uma das razões desta viagem foi para ver pavilhões pré-fabricados, porque lhe tinham dito serem feitos numa madeira muito resistente e isolante tendo em conta o clima do Minho. Nesses pré-fabricados [perto da rotunda das piscinas e Conservatório da Gulbenkian] havia salas de aula, serviços administrativos, gabinetes e penso que também um pequeno anfiteatro. Foram muito contestados por alguns, que achavam um disparate estar-se a gastar tanto dinheiro para os ter a funcionar dois ou três anos. Mas o meu pai dizia sempre que, em Portugal, o que se tencionava que fosse temporário, acabava na maioria das vezes por ser de longa duração. E de facto esses pavilhões duraram 23 anos, ao que parece em perfeito funcionamento, e ainda hoje há móveis do tempo dos pavilhões em salas da universidade.

O seu pai acompanhava as obras?
Ele adorava ver as obras. No gabinete tinha várias gravatas (penduradas) e também as botas. Calçava as botas, tirava a gravata e levava um camisolão. Era picuinhas nas obras, gostava que as coisas ficassem bem à primeira e com materiais de longa duração, para não se estar constantemente a reparar e ficar mais caro.
 
Tinha a preocupação de visitar outras instituições.
Sim, para tirar ideias ou confirmar ideias. Foi à Índia por causa da indústria têxtil, as fábricas no Cávado e Ave não tinham essa formação de base. A UMinho foi das primeiras no país a criar cursos que respondessem às necessidades do tecido económico regional. Foi duas vezes a Israel, à Suécia, à Inglaterra...

 
Uma pessoa trabalhadora e consensual

Lloyd Braga teve o mérito de coordenar várias universidades.
Sim, mas sem dúvida alguma que a Universidade do Minho era a “menina dos olhos”. Talvez por ter sido a primeira que criou. Depois de ter saído, manteve sempre contactos. Era muito amigo de Chainho Pereira, Barbosa Romero, Machado dos Santos e Lúcio Craveiro da Silva, que era jesuíta, confidente dele e na missa de corpo presente do meu pai [em 1997] ficou ultracomovido. Era também muito amigo do professor Michael Lumb, que o meu pai havia convidado para a ULM, onde esteve dois anos, e depois nos visitava várias vezes em Lisboa, ficando com a sua mulher em nossa casa.

A opinião dita e publicada sobre Carlos Lloyd Braga tem sido quase consensual.
É verdade! O meu pai era muitíssimo inteligente, trabalhador, simpático, acessível, democrático, apartidário, com um grande sentido de humor, sem papas na língua, mas sabendo sempre o que dizer conforme as circunstâncias. Era agnóstico e era muito intuitivo, via ao longe e estava sempre mentalmente preparado para lidar com as situações que surgissem, lidava bem com as pessoas de todas as áreas.

Como ocupava os tempos livres?
O meu pai vivia para o trabalho. Em Moçambique tinha uma vida mais calma e gostava de jogar bridge. Fazia-o às vezes em nossa casa ou na de amigos ou com os amigos no clube do qual éramos sócios e onde íamos aos fins de semana para a piscina, almoçar, passar o dia. Jogavam a centavos apenas para criar alguma emoção e nada mais. Também jogava ténis regularmente. Mas de regresso a Portugal, pelo menos em Lisboa, gostava de ir ao cinema, de se encontrar com alguns amigos habituais ao sábado de manhã na pastelaria Mexicana, onde ia comprar o jornal. Os meus pais em Lisboa conviviam muito com um grupo de amigos de longa data.

Tinha tempo para a família?
Em Moçambique, o meu pai chegava relativamente cedo a casa, onde muitas vezes também ia almoçar. De regresso a Portugal foi diferente, devido também às exigências do seu trabalho. Não chegava cedo a casa, mas normalmente, quando residia em Lisboa, chegava à hora do jantar e jantávamos todos juntos. Foi sempre um pai presente nos momentos importantes e, no meu caso, telefonávamo-nos muito quando eu estava em Inglaterra ou no Canadá, porque as minhas duas irmãs mais novas moravam com os meus pais. O meu pai lia imenso e era um ótimo conversador. Aos fins de semana conversávamos bastante em família quando estávamos todos em casa.

Em Braga, o seu nome foi dado a uma residência, fundação, cátedra e rua. A UMinho homenageou-o ainda no Senado, num Simpósio, quando completaria 70 anos e a UMinho 25, no livro “Um homem de fazer” de Chainho Pereira e em artigos e entrevistas, entre outras ações. Considera que a sua memória está preservada?
Penso que sim. Eu estive no Simpósio em 1998, no salão nobre da Reitoria, com a minha mãe e irmãs. Se bem me lembro, intervieram os professores Michael Lumb, Veiga Simão, Marçal Grilo... Foi uma cerimónia bonita. Eu nunca visitei a residência universitária, mas tenho ideia de me terem dito que tinha sido construída com ideias que o meu pai tinha, ou seja, simples, fácil de se manter, mas equipada com conforto e equipamento de qualidade. Da última vez que fui a uma cerimónia da Fundação da UMinho que teve o nome do meu pai, fui com uma das minhas irmãs à cafetaria do campus de Gualtar, onde tomámos um café antes do início da cerimónia e lembro-me de me sentir num campus inglês (e o meu pai viveu e trabalhou vários anos em Inglaterra, onde também eu vivi) pelo tipo de paisagem que se via através dos vidros da cafetaria, era tudo muito verde e bem arranjado.


As fotos são retiradas do livro "Carlos Lloyd Braga - Um homem de fazer" (FCLB, 2007).